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25. FOTO 25 – Material de Proteção

6.1. Sob a égide da biotecnologia

A fertilidade do solo caracteriza-se pela existência de uma infinidade de organismos vivos em um complexo ecossistema onde as substâncias essenciais à vida circulam em ciclos ecológicos. Nutrientes químicos e minerais, dentre eles o carbono e o nitrogênio têm significativa importância, sendo a energia solar o elemento que aciona a engrenagem, tendo um lugar imprescindível de sustentação e equilíbrio, cada um dos organismos partícipes deste sistema. Desde os primórdios da agricultura, há cerca de 12.000 anos atrás, as sementes vinham sendo produzidas pelo camponês na sua lide com a terra, gerando uma diversidade genética que possibilitou a existência de espécimes adaptadas a condições diferenciadas, em um trabalho contínuo de recriar a vida na lavoura.

A natureza básica do solo vivo requer uma agricultura que, em primeiro lugar e acima de tudo, preserve a integridade dos grandes ciclos ecológicos. Esse princípio estava consubstanciado nos modelos tradicionais de lavoura, os quais se baseavam num profundo respeito pela vida. Os agricultores costumavam desenvolver diferentes culturas a cada ano, alternando-as de modo que o equilíbrio do solo fosse preservado. Não eram necessários pesticidas, uma vez que os insetos atraídos para uma cultura desapareciam com a seguinte. Em vez de usarem fertilizantes químicos, os agricultores enriqueciam seus campos com estrume, desenvolvendo assim matéria orgânica no solo para restabelecer o ciclo biológico. [...] Essa antiqüíssima prática de lavoura ecológica mudou drasticamente há cerca de três décadas, quando os agricultores passaram dos produtos orgânicos para os sintéticos, que abriram vastos mercados para as companhias petroquímicas. (CAPRA, 1982, p. 246).

Hoje, as sementes são um negócio que movimenta cerca de 13 milhões de dólares anuais, engendrado por empresas de grande porte conforme documento elaborado pela Rural Advancement Found Internacional – RAFI. Companhias mundialmente conhecidas como a Shell, a Ciba-Geigy, Sadoz, Pfizer, Volvo, e algumas tantas outras corporações multinacionais invadiram o mercado de comercialização das sementes, utilizando os mesmos canais de distribuição dos agrotóxicos, herbicidas, fertilizantes e outros insumos químicos. Segundo a fonte imediatamente acima mencionada a Ciba-Geigy comercializa suas sementes empacotadas junto com três produtos químicos que se atacam e protegem mutuamente, pois “a integração destas

sementes e mais produtos químicos”. A origem, porém, destas estratégias data da

década de 50 do século XX: A Revolução Verde.

A Revolução Verde caracterizou-se como uma estratégia desenvolvimentista que tinha como finalidade o aumento da produção agrícola de grãos a partir da implantação de aporte tecnológico na agricultura, mais particularmente, a partir de sementes modificadas e com alto poder de reprodução, bem como, implementação de insumos químicos e máquinas agrícolas que supostamente aumentariam a produção de alimentos destinados à população pauperizada dos países em desenvolvimento.

Trouxe em seu bojo interesses múltiplos ancorados em argumentos neomalthusianos. Dentre os interesses a serem atendidos, estavam os das empresas produtoras de agroquímicos, as indústrias de alimentos, os silos que armazenavam os produtos, a assistência rural aos agricultores que incentivava o uso dos agrotóxicos nas lavouras, os laboratórios que processavam o controle de qualidade dos produtos, enfim, múltiplos atores em uma imbricada rede de interesses justificados pela “preocupação” com a resolução dos problemas alimentares do mundo. Segundo Hobbelink (1990), neste contexto deu-se um holocausto botânico, com o desaparecimento de várias espécies e diminuição da diversidade.

No Brasil a Revolução Verde aportou na década de 70 do século passado, inclusive com a ampliação da capacidade de produção de insumos químicos, através da implantação de complexos industriais. Em um contexto politicamente restritivo, sem uma discussão com os atores a serem atingidos pela transformação, o governo brasileiro apoiou sem restrições o modelo exportado pelos Estados Unidos aos países do Terceiro Mundo.

Faz-se relevante ainda pontuar o significado do avanço tecnológico nos dias atuais no que tange a biotecnologia, visto que, esta se acrescenta à discussão sobre a relação entre o homem e o ambiente enquanto possibilidades de produção. A possibilidade de aumento da produção através da engenharia genética vem sendo tratada como uma “alternativa” para a agricultura dos países em desenvolvimento a partir da necessidade de produzir mais alimentos. Porém nas entrelinhas colocam-se conflitos acerca dos recursos genéticos, sendo estes matéria prima “disponibilizada”

gratuitamente e cada vez em maiores proporções. Sob a égide da biotectologia, os recursos genéticos passam a ser alvo de uma disputa política, onde os agricultores encontram-se excluídos das decisões.

O desenvolvimento de uma nova bio-revolução se configura mais real do que nunca, ressaltando-se inclusive os resultados não tão animadores da revolução verde que reafirmam o papel da tecnologia enquanto ferramenta, não se caracterizando em si como uma solução, estando inclusive a sua utilização vinculada a um tipo específico de conhecimento, Hobbelink (1990).

As possibilidades que se colocam a partir da biotecnologia para a agricultura, principalmente para os países em desenvolvimento são bastante significativas, porém devem ser analisadas a partir também de um contexto onde a lógica capitalista de mercado com articulações políticas as mais diversas e imprevisíveis é predominante e não leva em consideração que a perda de diversidade genética na agricultura é uma tragédia que não se apaga com as promessas efêmeras de aumentos substanciais da produção. Quem cria a diversidade e a garante são os agricultores, devendo ser os bancos de genes apenas complementares e nunca os responsáveis principais da constituição da diversidade, visto que na interação com a terra, nos ciclos ecológicos é que ela se forja.

“Quando se extinguem variedades tradicionais, as comunidades perdem um fragmento de sua história e de sua cultura. As espécies vegetais perdem um fragmento de sua diversidade genética. As gerações futuras perdem algumas opções, e a geração presente perde a confiança em si mesma. O tipo de semente que semeia o camponês, determina em grande medida sua necessidade de fertilizantes e agrotóxicos. A semente influi na necessidade de maquinário e amiúde determina qual é o mercado para colheita...e qual o consumidor último. As comunidades perdem variedades tradicionais que durante séculos adaptaram-se as suas necessidades, perdem controlo e tornam-se dependentes para sempre, de fontes externas de sementes e dos produtos químicos necessários para cultivá-las e protegê-las. (HOBBELINK, 1990, p. 32)

Importante mencionar que as pesquisas na área da biotecnologia, enquanto avanços principalmente em pesquisa básica nos campos da biologia molecular, da bioquímica e da genética, têm sua origem fundamentalmente nos laboratórios das Universidades e tem sido financiadas por verbas públicas. Porém, mais recentemente começaram a migrar para o setor privado, enquanto resultados e possibilidades de

pesquisas aplicadas em áreas estratégicas, privilegiadas e disputadas por empresas multinacionais.

“O outro traço de globalização da economia fortemente vinculado à proeminência das multinacionais é o avanço tecnológico das últimas décadas quer na agricultura com a biotecnologia, quer na indústria com a robótica a automação e também a biotecnologia. Os aumentos de produtividade com que são propagandeadas estas novas tecnologias escondem freqüentemente o fato de que elas contribuem para a polarização entre o Norte e o Sul. [....] No que respeita à biotecnologia, o quadro é semelhante, pelo menos quanto às relações Norte/Sul. Entre 1950 e 1984, a produção agrícola mundial cresceu mais rapidamente que em qualquer período anterior e a produção de cereais cresceu mais que a população. Desde 1984, uma série de factores, desde a degradação dos solos, ao abuso de fertilizantes e à mercadorização crescente da alimentação, convergiram para que esse crescimento desacelerasse.[...] Que as razões devem ser outras ilustra-o a biotecnologia agrícola que nos últimos anos tem vindo a ser promovida como a grande solução para o problema alimentar mundial.” (SANTOS, 1999, p. 291)

Uma das áreas estratégicas tem sido a da engenharia genética voltada para a agricultura, onde já é possível transferir os genes responsáveis pela resistência às pragas, desenvolvendo sementes e plantas capazes de se defender das pragas sem o uso dos agrotóxicos. Curiosamente, as principais corporações que lideram as vendas dos agrotóxicos e das sementes são as mesmas que tem investido de forma contundente em biotecnologia. Uma das razões para tal escolha estratégica tem sido a de que:

“Os agrotóxicos tem uma vida de mercado mais longa e requerem menos tempo que os medicamentos para o seu desenvolvimento. Porém, o desenvolvimento de novas sementes é mais barato e mais rápido do qualquer outra coisa. As sementes são em muitos sentidos o mecanismo de entrega de grande parte das inovações genéticas nas plantas, e a biotecnologia as vincula cada vez mais, a outros setores”.

(HOBBELINK; 1990, p. 33)

Faz-se então pertinente entender a influência e o impacto que a biotecnologia passa a ter na agricultura, mais particularmente, nos países em desenvolvimento. No que tange a cadeia de produção agro-industrial, nos países supra mencionados, a biotecnologia impacta de forma decisiva na etapa de produção e utilização de insumos agrícolas mais especificamente no que se refere a sementes, agrotóxicos e fertilizantes e na relação espaço temporal do cultivo propriamente dito.

O impacto também se reflete nos acordos e negociações internacionais em torno do fornecimento de matérias primas por estes países, colocando-os em desvantagem. Embora a possibilidade configurada através da biotecnologia no que se

refere ao aumento da produção de alimentos para o Terceiro Mundo seja real, a cadeia de produção agro-industrial tem sua dinâmica própria, organizada em torno de relações de mercado e interesses financeiros bem pouco eqüitativos e justos.

“Mas é no domínio das relações Norte/Sul que o impacto da biotecnologia mais se fará sentir. É que se, por um lado, o uso de patentes visa criar rendas que funcionam como transferências líquidas do Sul para o Norte, por outro lado, essas transferências ocorrem desde logo na própria engenharia dos produtos, pois, como bem salienta Kloppenburg, dado que a maioria dos recursos genéticos se encontra nos países do Sul, estes estão já a ser espoliados pelas grandes empresas multinacionais, o que já se designa por “imperialismo biológico” (KLOPPENBURG, 1988 apud SANTOS, 1999, p. 292)

Grande parte dos sistemas agrícolas vinculados à lógica capitalista são baseados nas monoculturas, que pelas características que lhe são peculiares necessitam de significativas quantidades de agrotóxicos, embora a revelia de seu uso as perdas se coloquem em uma margem entre 20 e 50%. A biotecnologia dispõe de meios para reduzir esta perda, tendo como foco principal os herbicidas, já campeões de venda no setor de insumos agrícolas.

Uma das limitações do uso dos herbicidas tem sido de que estes não atacam apenas as ervas daninhas, mas, também prejudicam a própria espécie que se propõe a defender, diretamente ou através da permanência no solo prejudicando cultivos futuros. Daí o enorme interesse das multinacionais nas pesquisas na área biotecnológica, no sentido de fortalecer determinadas espécies para que possam “suportar” quantidades cada vez maiores de herbicidas em face das ervas daninhas. Tal procedimento aumentaria mais ainda as vendas dos herbicidas.

Para os países em desenvolvimento esta situação é alarmante, colocando-os em situação de maior dependência ainda em relação aos países produtores de insumos, visto que, o que os interessa são estratégias que impliquem em tecnologias de poucos insumos e adaptadas às condições locais.

Logo, a biotecnologia pouco tem servido aos países em desenvolvimento, face o seu contexto de produção, visto ser este, privatizado fundamentalmente por corporações transnacionais, voltadas prioritariamente para os países que vivenciam a agricultura a partir de “alta tecnologia”, sendo os países em desenvolvimento vistos

como mercados pouco exigentes embora cada vez mais demandantes. Urge a estes países apropriar-se e adaptar a biotecnologia às suas necessidades contextuais, à solução de seus problemas específicos bastante diferenciados dos países de alta tecnologia agrícola.

As preocupações com o meio ambiente e a sustentabilidade dos projetos de desenvolvimentos ancorados nesta lógica passam a ser questionadas em sua fragilidade e inconsistência de propósitos, remetendo a se pensar a partir de uma outra racionalidade onde preservação e diversidade fazem sentido. Porém a revelia destas questões, os agrotóxicos tem tido seu uso consolidado no cotidiano da prática agrícola dos países em desenvolvimento, configurando-se em um elemento definidor de estratégias, remetendo a um lugar de poder que não lhe tinha sido pensado quando de sua introdução nas lavouras.