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25. FOTO 25 – Material de Proteção

5.2. Homem / Natureza: espaço híbrido de interlocução

Refletir acerca da ação antrópica sobre a natureza, remete a múltiplas abordagens e representações simbólicas sobre esta relação. Historicamente homem e natureza se entrelaçam em vinculações sustentadas por uma ideologia, com um “ethos” peculiar garantido no cerne de cada cultura, entendendo-se esta última, como dimensão estruturante do ser humano e elemento mediador das múltiplas formas de exploração dos recursos naturais.

O esgotamento de uma parte significativa das reservas naturais de recursos ambientais não renováveis, associada a crescente pobreza de uma grande parte da

população do planeta, bem como, a devastação das florestas tropicais colocando em risco a biodiversidade e em última instância a vida no planeta, ressaltam uma relação homem – natureza em profunda desarmonia.

Esta constatação tem servido de argamassa para concepções de enfrentamento do problema diferenciadas que retratam as relações de poder que circulam no “subterrâneo” das ações de preservação e conservação. De acordo com Diegues (2000), o modelo dominante de conservação tem como eixo de sustentação princípios como: “a natureza, para ser conservada, deve estar separada das sociedades humanas”, assim como “a noção de mundo selvagem estabelece que a natureza selvagem somente pode ser protegida quando separada do convívio humano”.

Nesta concepção estabelece-se o antagonismo homem – natureza, como se ambos não fossem parte de uma mesma epopéia de sobrevivência. Portando um autoritarismo primeiro mundista, esta concepção responde a anseios distantes dos das populações que vivem, produzem ou extraem da natureza o sustento da própria vida e asseguram a reprodução desta. Diegues (2000), ressalta que na tradição judaico cristã ao homem foi dado o domínio sobre a natureza de forma díspare das religiões animistas de alguns povos indígenas, que vêem cultura na natureza e natureza na cultura.

Na base das relações antagônicas encontram-se relações de dominação, do homem sobre a natureza, de homens sobre homens. Os que pretensamente querem salvar e os que supostamente querem destruir, em uma compreensão maniqueísta. Esta concepção defende grandes áreas de reserva e o manejo de recursos naturais é considerado como o ato de intervir, ou não, no meio natural, com base em conhecimentos científicos e técnicos, com o objetivo de garantir a conservação da natureza e a sobrevivência humana.

Segundo o IBAMA: “Nos últimos anos tem acontecido uma mudança de perspectiva no âmbito global da proteção dos recursos naturais, gerada pelo alerta causado por alguns fatores como o avanço muito rápido da utilização dos recursos naturais e a apropriação dos espaços antes ocupados por estes recursos, para o estabelecimento e o desenvolvimento de atividades econômicas variadas”.

Ainda segundo o referido Instituto, os objetivos nacionais de conservação da natureza se constituem: na manutenção da diversidade biológica e dos recursos genéticos; na proteção das espécies ameaçadas de extinção; na preservação e restauração da diversidade de ecossistemas naturais; na promoção da sustentabilidade do uso dos recursos naturais estimulando o desenvolvimento com base nas práticas de conservação; no manejo dos recursos da flora e da fauna para sua proteção bem como, das características excepcionais de natureza geológica, geomorfológica, arqueológica, paleontológica e cultural; na proteção e recuperação de recursos hídricos e edáficos; no incentivo das atividades de pesquisa científica, estudos e monitoramento de natureza ambiental favorecendo as condições para a educação e interpretação ambiental.

Parece ser consensual entre os preservacionistas que grandes reservas são necessárias. A argumentação baseia-se no fato de que grandes reservas incluem mais espécies, tem mais suporte para a manutenção da “wide-ranging species” e tem baixo grau de extinção se comparadas a pequenas reservas. Contudo, a argumentação não pode apenas assentar-se nestas premissas. Alguns elementos complicadores existentes no momento da definição das grandes reservas devem ser considerados. Estes fatores estão relacionados à escolha de que população, comunidade ou ecossistemas que compõem o plano de manejo.

A maximização do tamanho das reservas são justificadas ainda em função de outras variáveis além daquelas definidas apenas fisicamente, como a pesquisa aplicada, a preservação do habitat, desenvolvimento de áreas degradadas. Na grande maioria das situações há uma preocupação em aliar a preservação à pesquisa do impacto da ação antrópica em áreas com diversos graus de degradação.

Outra premissa também deve ser incluída no cenário elaborado para o desenho da reserva: a noção de equilíbrio. Duas perspectivas se apresentam na elaboração dos cenários. Uma que pressupõe que após um distúrbio, o ecossistema volta à condição anterior e outra que pressupõe a passagem para um outro estado. A perspectiva do “desequilíbrio” se torna um instrumental valioso considerando que os desenhos de reserva tem que incluir a possibilidade da interferência externa como condição a priorística.

Além desses argumentos, outro fundamental assenta-se na premissa de que a preservação O que é pretendido é que a pequena população residente nas reservas, para garantir sua sobrevivência, utilize sua força de trabalho em atividades extrativas e pequena agricultura de subsistência. Permaneçam na forma de Unidade de Produção Familiar, onde toda força de trabalho é distribuída respeitando os ciclos da floresta. Os espaços produtivos não são necessariamente contínuos, e sua distribuição se dá obedecendo às condições impostas pela natureza nos seus aspectos físico-geográficos e biológicos. Uma relação muito estreita é mantida com a natureza, utilizando os recursos de maneira sustentável.

Um dos cuidados que devem estar presentes no processo de organização das reservas é a realização de um levantamento prévio acerca das formas tradicionais de utilização dos recursos naturais pela população local, particularmente no que tange à pesca, agricultura e extrativismo, aliado a um conhecimento das crenças, valores e hábitos de vida desta população, a fim de que seja elaborado um Plano de Educação Ambiental compatível com o contexto relacional estabelecido entre a população e a reserva. Da mesma forma se faz pertinente ainda o levantamento da infra-estrutura próxima à reserva e a zona de transição onde vive a população, quanto a assistência em saúde e educação, bem como, a disponibilidade de transporte a custo acessível.

É fundamental que a população participe de todo o processo de discussão dos critérios e formas de implantação de reservas, sendo definido de forma consensual o papel, autonomia e limites dos atores sociais envolvidos no processo, mais especificamente, a delimitação e legitimação das instâncias de poder governamental e das lideranças locais. A diminuta população que permanece na área interna das reservas, deve ser instrumentalizada para as tarefas de cuidar e fiscalizar, bem como, municiada para tais funções com equipamentos, materiais e conhecimentos, se configurando em atividade remunerada. Considerando ainda que a ação antrópica nas reservas define parte das estratégias de manejo, duas instâncias institucionais devem estar definidas e articuladas: as organizações governamentais e as comunidades, contando estas últimas inclusive com algum tipo de “empowerment” a partir de sua organização.

Estas são estratégias de contrapartida ao entendimento da natureza como divorciada do homem, como um fim em si mesmo, que deve ter sua preservação

assegurada e as necessidades humanas consideradas como irrelevantes, concepção que ancora a constituição de áreas de reserva isoladas sem o convívio com o homem, encarnando o mito da natureza intocada. Biodiversidade nesta concepção passa a ser considerada como elemento de fundamental importância e desvinculada de um cunho social. O homem não é considerado como parte da natureza e conseqüentemente como componente da biodiversidade que a constitui.

Fundamental se torna reconhecer as concepções de natureza que permeiam as políticas que orientam as ações nesta área. Uma concepção diferenciada da acima mencionada, também percebe homem e natureza como em antagonismo, porém estando a natureza a serviço das necessidades do homem que a considera como passível de dominação servindo este entendimento inclusive de substrato para a “domesticação” e “utilização” desta. Nesta concepção biodiversidade passa a ser entendida como algo subordinado as leis de mercado e a serviço da ação antrópica.

Segundo Ekerseley (1992) apud Diegues (2000) a linha demarcatória dos vários enfoques conservacionistas é o desaparecimento do “mundo selvagem” e o crescimento populacional como causa principal da degradação ambiental:

“Os ecocêntricos, que afirmam ser o ser humano somente uma espécie entre os demais, advogam não somente a redução do número de seres humanos na terra, mas afirmam que estes não tem direito de dominação sobre as demais espécies. Além disso, o mundo natural tem um valor em si mesmo, independente da utilidade que possa ter para os humanos. A outra corrente, a antropocêntrica opera na dicotomia entre o homem e a natureza, segundo a qual os humanos têm direitos de controle e posse sobre os outros seres da natureza, sobretudo mediante a ciência e tecnologia” (DIEGUES, 2000, p. 9)

Coloca-se ainda como importante mencionar os princípios da ecologia profunda e da ecologia social. A primeira caracterizada como de enfoque biocêntrico, entende que a vida humana e a natureza têm valor compatível não devendo haver preponderância de uma sobre a outra, logo a interferência do homem no meio deveria ser diminuta. Em contrapartida a ecologia social enfatiza os aspectos relacionais da díade homem / ambiente. Nesta concepção o uso sustentável dos recursos naturais está em pauta, ao contrário da primeira que é intensamente conservadorista.

Os anos 80 inauguram no Brasil, segundo Diegues (2000), um tipo de ambientalismo mais voltado para as questões sociais, tendo na crítica ao modelo

econômico implantado pela ditadura, uma das suas características. O aspecto de concentração de renda ao lado da destruição da natureza, inclusive de uma parte considerável da floresta amazônica originaram o ecologismo social, que tem como princípios a valorização da relação do homem com o ambiente no que tange ao extrativismo e aos sistemas de produção baseados nas tecnologias alternativas, passando as populações tradicionais e suas estratégias de manejo a ter enorme importância inclusive nas tarefas de planejamento e gestão das atividades de conservação.

Tais considerações remetem a um pressuposto diferente do da natureza intocada, entendendo-se o Homem como inerente à natureza e referência de possibilidade de construção de estratégias compatíveis com a sustentabilidade, inaugurando uma outra forma de pensar a relação homem – natureza, onde homem e natureza são partes de uma mesma história.

5.3. AS “POPULAÇÕES TRADICIONAIS”: SABERES TECIDOS NAS