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A tributação do rendimento dos sujeitos passivos residentes, em sede de IRC e IRS, é uma tributação de base mundial (cf. artigo 4.º, n.º 1 do CIRC e artigo 15.º, n.º 1 do CIRS).

Já os sujeitos passivos não residentes são tributados numa base territorial para (cf. artigo 4.º, n.º 2 do CIRC e artigo 15.º, n.º 2 do CIRS), distinguindo ainda, o IRC e o IRS, na Categoria B, os não residentes que têm estabelecimento estável293 em Portugal dos que o não têm (artigo 5.º do CIRC e artigo 18.º, n.º 1, d), e), f) do CIRS), obedecendo ao que dispõe o artigo 5.º da Convenção Modelo da OCDE.

Os não residentes sem estabelecimento estável são tributados com base no rendimento ilíquido obtido em Portugal (cf. artigos 3.º, n.º 1, d) e 4.º, nºs 2 a 4 do CIRC e 71.º do CIRS), a que se aplica uma taxa de retenção na fonte a titulo liberatório, podendo essa retenção ser afastada caso lhes aproveite alguma isenção na lei interna ou algum acordo internacional, como por exemplo uma convenção para evitar a dupla tributação.

292A necessidade de identificar todos os titulares do capital implicou excluir do regime: 1)

sociedades anónimas (a menos que estas tenham acções nominativas ou ao portador ou sociedades de revisores oficiais de contas), por nestas ser indeterminável o número e a identidade dos detentores do capital, bem como o valor das suas participações; e 2) pessoas coletivas de direito público, mesmo que constituídas sob uma das formas societárias ou de agrupamento económico incluídos no regime de transparência fiscal, por não ser determinável o número de detentores do seu capital, a sua identidade e o valor das suas participações no capital social.

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O conceito de estabelecimento estável, previsto no artigo 5.º da CMOCDE, tem sido objeto de um elevado número de alterações, quer no que respeita à norma, quer no tocante aos comentários e reservas que os Estados fazem inserir nesta CMOCDE.

Também nos códigos que regem a tributação do rendimento em Portugal, o CIRS e o CIRC, este conceito, que no início da vigência destes códigos era mais abrangente que o da CMOCDE, tem sido objeto de alterações. Estava inicialmente previsto no artigo 4.º, n.º 5, 6, 7 e 8 do CIRC, estando atualmente inscrito no artigo 5.º do CIRC e 18.º, nºs 2 e 3.º do CIRS).

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Os não residentes com estabelecimento estável são tributados com base no rendimento obtido através do estabelecimento estável, numa concretização do princípio da atração (cf. artigos 3.º, n.º 1, c) e 5.º do CIRC e 72.º, n.º 2, a) do CIRS), o que importa na entrega da declaração periódica de rendimentos (cf. artigos 117.º do CIRC e 57.º do CIRS), para operacionalizar essa tributação. Sobre este rendimento incide a taxa geral de IRC e, relativamente a IRS, Categoria B, incide uma taxa de tributação especial 294.

2.1. SEDE OU DIREÇÃO EFETIVA EM PORTUGAL

Quanto ao regime especial e obrigatório de transparência fiscal, este é exclusivamente aplicável a sociedades e agrupamentos de empresas residentes295 (cf. Artigo 6.º, n.º 1, in fine e n.º 2, in medio), pelo que aos requisitos relativos à forma jurídica, ao objeto da atividade e à identificação dos seus sócios ou membros, teremos que acrescer o requisito da residência, ou melhor, da sede ou direção efetiva, posto que nos estamos a referir a pessoas coletivas.

E, assim sendo, ainda que estejamos perante uma pessoa coletiva tipificada no artigo 6.º do CIRC, se esta não tiver sede ou direção efetiva em território português, não será tributada de acordo com o regime de transparência fiscal e sim com as regras do regime geral aplicável aos não residentes, o que é coerente com o objectivo do controlo da evasão fiscal e da eliminação da dupla tributação económica.

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Estas taxas são especiais relativamente às taxas gerais de IRS, que são progressivas (por escalões de rendimentos).

295Mesmo no caso dos AEIE, que o legislador do CIRC teve que incluir no regime de

transparência fiscal, em sede de IRC, apesar de terem membros em vários Estados membros (cf. artigo 1.º, n.º 3 do Regulamento (CEE) n.º 2137/85 do Conselho, de 25 de julho), por ser proibida, em Direito Europeu, a discriminação das pessoas com base na residência, só os que têm sede em Portugal, são tributados de acordo com este regime, pelo que não carece de derrogar a obrigatoriedade da sede ou direção efetiva, das pessoas coletivas transparentes, se situar em Portugal (cf. artigo 10.º do referido Regulamento). Mais, será o Estado-Membro, no qual o AEIE se regista, que determinará se o agrupamento tem ou não personalidade jurídica, completando esta estatuição o artigo 2.º do Regulamento dispõe que a lei aplicável ao contrato, excepto quanto às questões relativas ao estado e à capacidade das pessoas singulares e à capacidade das pessoas colectivas, e ao funcionamento interno do agrupamento, é a lei interna do Estado da sede.

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Se assim não fosse, entre outras consequências, a eliminação da dupla tributação seria feita ao abrigo do direito internacional (eliminação da dupla tributação internacional) e não por recurso ao direito interno que aplica a eliminação da dupla tributação económica a residentes, sendo o regime de transparência fiscal, aliás, ele próprio um método de eliminação de dupla tributação que tem como objetivo a eliminação da dupla tributação económica.

Outra consequência seria a possibilidade de ocorrer uma dupla não tributação 296

porquanto não haveria como garantir que as pessoas coletivas transparentes residentes imputariam a matéria coletável aos sócios ou membros não residentes e, o que é igualmente importante, que estes a incluiriam na sua base tributável para posterior tributação do imposto devido, como veremos no ponto seguinte, não sendo tributada a pessoa coletiva transparente (cf. artigo 6.º, n.º 3 e 12.º do CIRS) e, possivelmente, não sendo tributados os seus sócios ou membros.

2.2. ESTABELECIMENTO ESTÁVEL

Não ignorando que a atividade económica é transfronteiriça e que seria impossível exigir às pessoas coletivas transparentes que tivessem apenas sócios ou membros residentes, foi introduzida uma presunção legal, inscrita nos atuais artigos 5º, n.º 9 do CIRC e 18.º, n.º 3 do CIRS, segundo a qual a pessoa coletiva transparente

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Atente-se que a dupla não tributação é um dos problemas que mais preocupa atualmente as administrações fiscais e que mais desenvolvimentos tem tido em sede de direito europeu e direito internacional. A questão que atualmente mais preocupa as administrações fiscais, em matéria de tributação transfronteiriça é a possibilidade de dupla não tributação. Neste âmbito a OCDE implementou e tem vindo a desenvolver o Projeto BEPS (consulte

http://www.oecd.org/ctp/beps). BEPS significa Base Erosion and Profit Shifting (Erosão de base e transferência de lucros) e refere-se concretamente a esquemas de planeamento fiscal agressivo/abusivo praticados por empresas multinacionais ou grupos económicos, que se aproveitam de lacunas legais e assimetrias dos sistemas tributários nacionais para transferir, artificialmente ou não, lucros a países com tributação baixa ou inexistente.

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funciona como estabelecimento estável 297, através do qual os seus sócios ou membros não residentes obtém o seu rendimento.

Isto implica que a tributação de IRC ou IRS, consoante a matéria coletável seja imputada a pessoas coletivas ou a pessoas singulares, incida sobre essa matéria coletável imputada, sejam os sócios pessoas residentes ou não residentes.

A presunção legal do CIRC e CIRS é apoiada por presunção convencional de teor idêntico, que determina que, quando uma entidade transparente exerce a sua atividade, num determinado Estado, através dum estabelecimento estável, esse estabelecimento estável é também estabelecimento estável dos seus sócios ou membros (cf. o artigo 5.º e o comentário 19.1 do modelo de convenção da OCDE (CMOCDE) 298.

Como efeitos práticos, da presunção de ser a pessoa coletiva transparente estabelecimento estável dos sócios ou membros não residentes, temos o facto da matéria coletável imputada ser considerada rendimento profissional ou empresarial 299

e ainda a imposição do cumprimento de obrigações declarativas 300 301 para

297

Uma nota para referir que se uma pessoa não residente, singular ou coletiva, for sócio, ou membro de mais de uma pessoa coletiva transparente, terá que escolher uma para efeitos de centralização da sua contabilidade (cf. parte final da alínea b) do n.º 1 do artigo 125.º do CIRC) e consequente apuramento da sua matéria coletável, sendo essa a pessoa coletiva que é considerada o seu estabelecimento estável em Portugal uma vez que no CIRC foi opção do legislador tributar em conjunto todos os estabelecimentos estáveis ao invés de considerar cada estabelecimento estável de um não residente de per si.

298

Cf. Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal (CTF), n.º 210, melhor identificado na bibliografia.

299Veja-se Miguel Serrão (2011) “Transparência fiscal - imputação a sócios ou membros não

residentes”, Lisboa, Ciência e Técnica Fiscal, nº 427, Janeiro-Dezembro de 2011, págs. 381/395 e a bibliografia aí citada, em especial a doutrina expendida pelo Professor KLAUS VOGEL (1991) no sentido de que “na ausência de disposições convencionais especiais, se a lei interna de um Estado que tem de aplicar a CDT tratar a partnership como fiscalmente transparente, a parte do sócio na “empresa” dessa partnership é, por sua vez, considerada uma “empresa” para efeitos do artº 7º do Modelo de Convenção Fiscal da OCDE”.

300Ilustremos esta descrição teórica, da situação dos sócios não residentes, com a situação

de um sócio não residente a que chamaremos Chris, pessoa singular, de uma sociedade de profissionais, obrigatoriamente, sujeita às regras de tributação do regime de transparência fiscal, previsto no actual artigo 6º CIRC:

Chris, não residente em Portugal, é advogada, inscrita na Ordem dos Advogados do seu Estado de residência. Tem uma participação de 15% no capital da sociedade de advogados Lex com sede em Portugal. Por força da aplicação do artigo 5º, n.º 9 do CIRC, aplicável ex vi artigo 18º, nº 3 do CIRS, a sociedade Lex é o estabelecimento estável através do qual Chris obtém o seu rendimento de advogada. E, nestas circunstâncias, a matéria colectável que a Lex lhe imputa é rendimento líquido de IRS, Categoria B para Chris (cf. art.º 20.º do CIRS), devendo esta preencher a declaração periódica de rendimentos modelo 3 e anexo B, sendo tributada à taxa especial prevista

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apuramento do imposto a pagar 302 (artigo 117.º, n.º 1 e 126.º, n.º 1 do CIRC e 58.º, n.º 1 e 71.º, n.º 4, a) do CIRS).

Referira-se que os acordos internacionais (isto é as convenções para eliminação da dupla tributação internacional) se continuam a aplicar a estes sócios não residentes, relativamente ao montante de imposto que estes pagaram em Portugal, posto que uma coisa é a eliminação da dupla tributação económica, prosseguida pelo regime de transparência fiscal e aplicável a residentes, e outra a eliminação da dupla tributação internacional303 prevista em Acordos celebrados ao abrigo do direito internacional. Assim, caso a pessoa coletiva transparente não fosse estabelecimento estável dos seus sócios e membros não residentes, poderiam verificar-se vários cenários não desejáveis, quer para Portugal quer para o Estado da sede ou direção efetiva dos sócios e membros não residentes.

Vejamos.

Por estar a ser imputada matéria coletável e não lucros, existiria dispensa de retenção na fonte, a título liberatório, em Portugal, (cf. art.º 94.º do CIRC e art.º 18.º

no artigo 72.º do CIRC que incidirá sobre o montante total da matéria coletável que lhe foi imputada.

301Para cumprirem as obrigações declarativas exigidas pela lei fiscal, terão que inscrever na

declaração de rendimentos (Modelo 3 de IRS, Anexos D, caso sejam pessoas singulares ou Quadro 7 da Modelo 22 de IRC, caso sejam pessoas coletivas), a matéria coletável imputada pela pessoa coletiva transparente da qual são sócios, pagando o correspondente imposto de acordo com as normas de direito interno (artigo 72.º, n.º 2 do CIRS, no caso de serem pessoas singulares; ou artigo 87.º, n.º 4 do CIRC, se forem pessoas colectivas). O cumprimento de obrigações declarativas possibilita o controlo da tributação destes não residentes à administração fiscal portuguesa - assim cumprindo um objetivo do regime de transparência fiscal: o controlo da evasão fiscal- e viabiliza ainda a criação de uma base de tributação igual para todos os sócios ou membros (residentes e não residentes), pois que a todos é imputada a matéria coletável coletável apurada pela pessoa coletiva transparente para ser tributada na esfera pessoal de cada sócio ou membro, o que concretiza o objetivo da neutralidade visado pelo regime de transparência fiscal.

Não se lhes exige o cumprimento de obrigações contabilísticas uma vez que o apuramento do rendimento a inscrever na declaração de rendimentos foi feito pela pessoa coletiva transparente que lhes imputa a matéria coletável.

302

Se a tributação se fizesse por retenção na fonte a título liberatório, a obrigação de entrega dessa retenção na fonte, seria da responsabilidade de um representante ou de um substituto tributário, que, no caso da transparência fiscal, seria a pessoa coletiva transparente, o que derrogaria, por natureza, o funcionamento do regime de transparência fiscal num dos seus aspetos essenciais: a imputação da matéria coletável aos sócios para que este procedam ao pagamento do imposto devido, de acordo com a sua natureza de pessoa singular ou coletiva.

303

Esta eliminação de dupla tributação pode ser feita nos moldes usuais, previstos no artigo 25.º da Convenção Modelo da OCDE, ou em outro acordo celebrado ao abrigo de direito internacional, por recurso aos métodos do crédito de imposto ou da isenção.

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do CIRS). Ora, se o Estado da sede ou direção efetiva destes sócios ou membros, requalificasse este rendimento como distribuição de lucros e concedesse isenção ou crédito de imposto para eliminar a dupla tributação dos lucros distribuídos, por imposição de um acordo internacional ou da sua lei fiscal interna, verificar-se-ia uma dupla não tributação. É o que sucede, por exemplo, em ordenamentos em existem regimes de transparência fiscal parcial 304 (também designada semi-transparência).

Adiante, referiremos mais em detalhe esta questão da tributação dos sócios e membros não residentes.

Por ora encerramos este ponto com a conclusão de que são requisitos cumulativos para inclusão de pessoas coletivas no regime de transparência fiscal, estas terem, enquanto sujeito passivo, uma das formas previstas no artigo 6.º, nºs 1 e 2 e serem ou residentes em Portugal e terem sócios ou membros residentes ou não residentes dos quais são estabelecimento estável (art.º 5.º, n.º 9 do CIRC e 18.º, n.º 3 do CIRS).