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SOCIEDADES DE SIMPLES ADMINISTRAÇÃO DE BENS

Os co-proprietários, pessoas singulares110 ou coletivas, de um dado património podem constituir uma sociedade111 cujo objeto social seja a gestão, em compropriedade 112, desse património, não tendo esta gestão carácter comercial, nem configurando uma atividade comercial, industrial ou agrícola, antes revestindo a natureza de mera fruição/administração de bens detidos, de forma duradoura, pelos co-proprietários 113.

Estas sociedades, atento o seu objeto social, assumem a natureza jurídica de sociedades civis sob forma civil (sociedades civis puras), tendo um substrato associativo por serem administradas diretamente por todos os sócios 114.

Nos impostos parcelares que tributavam o rendimento, vigentes antes da entrada em vigor do CIRC e do CIRS, estas sociedades não eram tributadas no imposto que incidia sobre o rendimento das sociedades, a contribuição industrial115, o que indicia uma natureza distinta das sociedades comerciais, industriais ou agrícolas e o seu carácter não comercial. Quanto aos seus sócios estes também não eram diretamente tributados pelos lucros que lhes eram distribuídos, não estando sujeitos

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Se o património autónomo pertencer a uma pessoa singular que tenha optado pela forma de Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada (EIRL), regulado pelo Decreto-Lei n.º 284/86, de 25 de agosto, conforme consta desde logo da “Proposta de Lei n,º 3/V de Bases da Reforma Fiscal”, aprovada em conselho de ministros de 24 de Setembro de 1987, a págs. 33, apesar de ser um património autónomo, é tributado em sede de IRS, na Categoria B e não em IRC.

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Esta opção não colide com o estipulado no artigo 980.º do código Civil, devendo ter-se presente que o património em compropriedade, não goza de personalidade jurídica, pelo que a personalidade da pessoa coletiva criada para o administrar continua a ser distinta do património administrado.

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Os artigos 1403.º e 1404.º do Código Civil ensinam que existe propriedade em comum, ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa, podendo aplicar-se à administração da compropriedade as regras do artigo 985.º CC, ex vi artigo 1407.º CC, que atribui a todos os comproprietários igual poder para administrar, a menos que exista convenção que estabeleça outra regra. Esta administração pode ser uma administração do património dos sócios ou dos frutos desse património e pode incluir a prestação de serviços conexos com a administração do património.

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Será, por exemplo, o caso das sociedades constituídas com o único propósito de administrar prédios que são propriedade dos seus sócios, os quais poderão, no limite, estar arrendados ou ser cedidos para exploração (caso sejam estabelecimentos comerciais).

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Existe uma relação de proximidade entre os sócios, quer por serem um grupo restrito, quer por serem um grupo familiar, o que propicia relações pessoais estreitas e de confiança.

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a tributação em sede de imposto de capitais (secção B)116, e sim em imposto complementar, secção B 117, imposto incidia sobre os rendimentos globais das sociedades (cf. artigo 94.º do Imposto complementar- secção B).

Sendo a tributação em sede de um imposto sobre o rendimento inovadora face aos anteriores impostos cedulares, foi necessário delinear um regime transitório, aplicável aos lucros gerados por estas sociedades em exercícios anteriores a 1989 e distribuídos já na vigência do CIRC. Neste regime transitório dispunha-se que estes lucros não perderiam a qualificação anteriormente dada pelo Código do Imposto de Captais, o que significava que não seriam tributados em sede de IRC ou IRS118.

Já no articulado do próprio CIRC, as sociedades de simples administração de bens estão afastadas da aplicação do regime regra, aplicável a pessoas colectivas que exercem a título principal uma actividade comercial, industrial ou agrícola, sendo incluídas no regime de transparência fiscal (cf. art.º 6.º, nº 1, b); nº 2, b) e c) e n.º 5 do

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O artigo 6.º, nº 1 do código do imposto de capitais estatuía que “São compreendidos na secção B: 1.º Os lucros, seja qual for a sua natureza, espécie ou designação, atribuídos aos sócios das sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, bem como os juros concedidos nos termos do § 2.º do artigo 192.º do Código Comercial.”

117O Imposto Complementar – Secção B, visava colmatar a lacuna existente num sistema de

tributação de base cedular real. Nos §§ 2.º e 3.º do seu artigo 94.º avançava um conceito de sociedade de simples administração de bens, que estatuía que eram de simples administração de bens as sociedades cujos rendimentos provenientes de bens ou valores por elas mantidos como reserva ou para fruição atingissem, na média dos últimos três anos, mais de 80 por cento da média, durante o mesmo período, da totalidade dos seus proveitos ou ganhos, deixando de ser consideradas de simples administração de bens logo que a média dos rendimentos relativos a três anos seguidos se torne inferior a 60 por cento da dos proveitos ou ganhos. Daqui se retira que se permitia que estas sociedades tivessem outra(s) actividade(s) caso cumprissem requisitos, cumulativos, temporais e quanto à percentagem da proveniência dos rendimentos, que era, inicialmente, de 80%, e passou depois para 50%. Esta solução de determinar a percentagem da atividade de administração de bens que a sociedade deveria atingir, se a atividade fosse exercida em conjunto com outras atividades, veio a ser um requisito mantido pelo legislador do IRC em sede de transparência fiscal e coloca-nos a seguinte interrogação: terá o legislador tentado por esta via contornar a rigidez da tipicidade fechada do regime de transparência fiscal, aproximando-o de soluções vigentes em outros ordenamentos jurídico-tributários onde a tipicidade é aberta e inclusivamente se permite a inclusão de entidades translúcidas, como sucede em França?

Quanto ao requisito temporal, teria que ser verificado em dois momentos: para entrada neste regime e durante a permanência, pois que, se viessem a não atingir aquela percentagem num período de três anos seguidos saíam do regime. Ou seja: estas sociedades só poderiam ser consideradas de simples administração de bens, na melhor das hipóteses, no quarto ano após a constituição, pois seria nesse momento que se poderia, pela primeira vez, verificar se da média dos últimos três anos, resultou da administração de bens mantidos para reserva ou fruição da sociedade, em pelo menos 50%.

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Atente-se na semelhança da redacção das normas em sede dos diplomas que aprovarem o IRC e o IRS, designadamente o artigo 6.º do Decreto-Lei 442-B/88, de 30 de Novembro e o artigo 11.º do DL 442-B/88, de 30 de novembro, que constam do Anexo I a esta dissertação.

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CIRC), por se reconhecer que têm em comum com as demais entidades tributadas em sede deste regime, serem pessoas coletivas nas quais não releva a personalidade jurídica autónoma da pessoa coletiva e sim cada um dos seus sócios 119.

Vejamos agora, mais detalhadamente, como desenhou o legislador o regime fiscal aplicável a estas sociedades 120.

Quanto ao requisito orgânico, relativo ao governo societário foi adotado o critério da percentagem de participação, excluindo-se o critério da percentagem de controlo, o que é coerente com o facto de estarmos perante uma sociedade civil pura, tipicamente administrada pelos seus sócios com base na participação de cada um no capital social.

No que respeita ao requisito orgânico da titularidade do capital social (cf. art.º 6.º n.º 1, c) e n.º 2, c), impõe o CIRC que este seja detido:

 integralmente, em qualquer dia do exercício social 121, por não mais de cinco sócios, não podendo nenhum dos cinco ser uma pessoa coletiva de direito público 122; ou

 maioritariamente, de forma direta ou indireta e durante mais de 183 dias 123 do exercício social, por um grupo familiar.

Neste ponto surge a questão de saber quem pode deter a parte não maioritária do capital social. A resposta que foi dada 124 apontou no sentido de ser possível

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Veja-se a anotação ao número 1, alínea b) e número 4, alínea a) do artº 5º do CIRC, a págs. 98 do CIRC comentado e anotado, edição da DGCI em 1990.

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Veja-se a evolução da norma fiscal, que regula a sujeição subjectiva a IRC destas sociedades de simples administração de bens, no Anexo I a esta dissertação.

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Devendo entender-se “qualquer dia” da mesma forma que se entende para as sociedades de profissionais pluridisciplinares, conforme consta do esclarecimento firmado pela Lei nº 82- C/2014, de 31 de Dezembro: todos os dias do ano civil.

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Não poderá o sócio ser uma pessoa coletiva de direito público, por razões que se conexionam com a natureza e funcionamento do próprio regime de transparência fiscal, que exige ser possível individualizar as pessoas a que é imputada a matéria coletável da sociedade transparente, o que não é possível no caso das pessoas coletivas de direito público, nas quais os titulares do capital não são identificáveis.

123Podendo esses 183 dias ser seguidos ou interpolados. 124

Esta questão foi analisada, entre outros, por Maria Celeste Cardona, no artigo “Regime de Transparência Fiscal: Viacentro – Administração de Centros Comerciais, SA”, publicado na Revista Fisco nº 17, Fevereiro de 1990, pág. 44-49, o qual tem por base um Parecer emitido no Centro de Estudos Fiscais da então DGCI, sancionado pelo Diretor Geral dos Impostos, explicitando que as

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admitir quase todas as formas de pessoas singulares ou coletivas privadas, residentes ou não residentes, como detentoras de parte não maioritária do capital destas sociedades, excluindo apenas as sociedades anónimas sem títulos ao portador registados, por nestas os detentores do capital não serem identificáveis, o que não é viável acontecer em transparência fiscal atento o mecanismo de imputação de matéria coletável que caracteriza este regime fiscal.

O requisito orgânico que impõe a administração do património pelos seus proprietários, vai afastar do regime de transparência fiscal as sociedades cujo objeto social consiste na administração de bens de terceiros 125 (cf. art.º 6.º, n.º 5 do CIRC).

Quanto aos requisitos de natureza substantiva, relativos à atividade desenvolvida pela sociedade, estabelece o CIRC (cf. art.º 6.º, n.º 1, c), n.º 2, b) e n.º 5) que a atividade deve ser exclusiva ou predominantemente 126 a administração de bens próprios 127, o que afasta da classificação de sociedades de simples administração de bens as sociedades que têm como objeto a administração de bens alheios e ainda as que administram bens próprios de uma forma residual ou não prolongada.

Tudo o que conduz à conclusão de que nem todas as sociedades que se dedicam à administração de bens estão incluídas no regime de transparência fiscal do atual artigo 6.º do CIRC, pois que não é a designação “sociedade de administração de bens” 128, ou o objeto social “administração de bens próprios”, que determinam a

sociedades cujo objecto social seja a exploração, administração e gestão de centros comerciais, propriedade de terceiros, não cabem no âmbito da transparência fiscal.

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É importante saber se a administração do património é feita pelos proprietários ou por terceiros, porque esta está fora do âmbito da sujeição do regime de transparência fiscal.

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Para aferir a predominância da atividade de administração de bens próprios relativamente à atividade comercial, o legislador do CIRC, continuando o que o Código do Imposto Complementar- Secção B determinava, impõe, no artigo 6.º, n.º 2, b) do CIRC, requisitos quanto à percentagem dessa atividade de administração de bens próprios e ao período em que a mesma deve manter-se, a saber: pelo menos de 50% da totalidade dos proveitos da sociedade na média dos últimos três anos.

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Bens próprios referem-se a bens ou valores mantidos como reserva ou para fruição da sociedade, ou a prédios para a habitação dos seus sócios.

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Caso emblemático é o caso das Sociedades Gestoras de Participações Sociais (SGPS) – que na vigência do Decreto-Lei n.º 229-E/88, de 04 de julho se designavam Sociedades de Patrimónios (S.G.P.) - estudado no Parecer n.º 18/89 (Proc.º n.º 41, E.G. 10/89) da DGCI, o qual foi divulgado pelo artigo de Maria de Lourdes Correia e Vale e Manuel Henrique Freitas Pereira “Não aplicação do Regime de Transparência Fiscal às Sociedades Gestoras de Participações Sociais (SGPS)”, Revista Ciência e Técnica Fiscal, n.º 354, Abril-Junho de 1989, pp 275 a 286. Neste artigo afirma-se que se excluem do regime de transparência fiscal as SGPS uma vez que, não obstante a sua designação,

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inclusão neste regime fiscal 129 e sim o cumprimento cumulativo dos requisitos de natureza orgânica 130 (serem total ou maioritariamente os titulares do capital social que administram os seus próprios bens ou valores), e substantiva (a atividade efetivamente exercida ser única ou predominantemente uma atividade de administração/fruição de bens e não de comércio), inscritos no artigo 6.º do CIRC que relevam para a qualificação destas sociedades como transparentes.

Em jeito de sumarização, parece correto afirmar que, a tributação das sociedades de simples administração de bens de forma específica face a outras sociedades não é uma temática nova no sistema fiscal português, fazendo sentido a sua inclusão no regime de transparência fiscal, atenta a sua dinâmica organizacional.