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A TERRITORIALIZAÇÃO CAMPONESA NA VÁRZEA AMAZÔNICA

CAPÍTULO 4 - AS TERRITORIALIDADES AGROPASTORIS: USO DA TERRA NA AMAZÕNIA

É propósito mostrar de maneira geral as diversas formas de utilização da terra, da água e da floresta pelos camponeses-ribeirinhos, no ambiente de várzea na Amazônia76.

Na várzea do município de Manacapuru-AM os camponeses-ribeirinhos fazem uso de três territorialidades: as agropastoris, as aquáticas e as florestais. A primeira está dividida nas terras existentes e nas terras que surgem. Nas terras existentes estão instaladas as terras de cultivos, como o roçado e o sítio, ambos localizados próximos à casa de moradia, esta, assentada na parte mais alta, no topo da restinga. Ainda nessas terras para uso agrícola, é freqüente os camponeses-ribeirinhos deixarem uma área sem uso, as conhecidas terras de descanso (pousio), por um período de um a três anos, em média. Mas para o interior da restinga, em vários trechos, os camponeses-ribeirinhos utilizam as terras para a criação do gado bovino, através das derrubadas da floresta, para a instalação do pasto plantado, no qual este é apropriado de forma individual/familiar.

Ainda mais para o interior da restinga, próximo à margem do lago, aparece o pasto natural de uso comum. (Fig. nº. 16). Durante a vazante/seca, geralmente no mês de agosto, o rebanho bovino é levado pelos camponeses-ribeirinhos para essas áreas de pastagem comum. Lá, permanece até a subida do nível das águas, nos meses de janeiro – fevereiro, quando são transferidos para as áreas de pasto plantado de uso individual/familiar, próximo da casa de moradia.

Além das terras existentes, os camponeses-ribeirinhos utilizam as terras que surgem na frente e atrás da restinga, onde está localizada a casa de moradia. Essas novas terras, resultado do processo de deposição do rio Solimões, durante as enchentes/cheias anuais, são apropriadas pelos camponeses-ribeirinhos e usadas de forma individual/familiar por meio do plantio das culturas de ciclo curto e/ou para a instalação do pasto. Entre a terra antiga e a nova, em alguns trechos,

76 Nas próximas seções cada uma dessas formas de utilização da terra, da água e da floresta será estudada com mais detalhes.

aparece uma área baixa, permanentemente inundada e usadas para a atividade pesqueira.

Portanto, conforme a figura nº. 16, as terras existentes e as terras criadas são apropriadas pelos camponeses-ribeirinhos e utilizadas de forma individual/familiar para fins agrícolas, haliêuticos e pastoris. Entretanto, durante o período de águas altas, ou seja, durante as enchentes/cheias, as terras antes usadas para fins agrícolas e pastoris, tornam-se áreas para as atividades haliêuticas, nas quais seu uso torna-se comum.

A segunda mostra a utilização da água para as atividades haliêuticas pelos camponeses-ribeirinhos e está dividida no uso do ambiente rio, no caso do rio Solimões e no uso do ambiente lago. No que se refere ao ambiente rio, aqui incluído os seus canais laterais, os paranás, a forma de uso se dá de duas maneiras: acesso livre e uso comum. (Fig. nº. 16). Nessa pesquisa, será investigada a passagem do uso desse ambiente, em que sua utilização era completamente livre, para o uso restrito, em que as turmas de pescadores criaram e delimitaram verdadeiras territorialidades de pesca, estabelecendo ordem de uso nessa porção de água apropriada por meio da introdução do sistema de vez nessas pescarias.

Já no que diz respeito à utilização do ambiente lago, incluídas as áreas de igapó, os camponeses-ribeirinhos o utilizam de forma comum. (Fig. nº. 16). Os camponeses-ribeirinhos tinham um controle dos lagos que tradicionalmente lhes pertenciam. No entanto, a partir da década de 1960, com o desenvolvimento da pesca comercial, da expansão da frota pesqueira (barcos de pesca motorizados), do uso de novos instrumentos com maior poder de captura, houve um aumento significativo das atividades haliêuticas nesse ambiente. Além disso, muitos camponeses-ribeirinhos, por causa de uma crise das atividades agrícolas, lançaram-se também na pesca comercial. Acostumados ao longo dos anos a praticar a pesca voltada para o autoconsumo, os camponeses vêem agora seu ambiente aquático ser “invadido” pela pesca comercial que, no afã de aumentar sua produção, tem praticado ações que podem ser consideradas como pesca predatória. Para fazer frente a essa forma indiscriminada de pesca, os camponeses-riberinhos vêm se organizando nas comunidades, com o apoio da

CPT, para buscar proteger a depredação dos recursos pesqueiros ainda disponíveis nos lagos de várzea no estado do Amazonas.

Por último, trata-se do uso da floresta de várzea para as atividades do extrativismo, da caça, da coleta. Essas territorialidades florestais encontram-se divididas em floresta de restinga, floresta de igapó. Nesta, estão incluídos os chavascais e aningais.

É importante ressaltar que durante as enchentes/cheias, quando as águas invadem, inclusive as áreas de igapó, chavascais/aningais e áreas de pastagem natural, estas passam a ser usadas para as atividades haliêuticas pelos camponeses-ribeirinhos de forma comum.

Diegues (1994) afirma que até recentemente essas áreas de uso comum (propriedade comum) apresentavam uma menor visibilidade do ponto de vista social e político comparado com a propriedade pública, representada, por exemplo, pelas áreas protegidas. A explicação para esse autor é que essas áreas têm sua importância somente em regiões relativamente isoladas, sendo caracterizadas de comunidades consideradas tradicionais, como a “caiçara”, dos jangadeiros, dos ribeirinhos. Nesse sentido, Diegues (1994) complementa:

Essas formas de apropriação comum de espaços e recursos naturais renováveis se caracterizam pela utilização comunal (comum, comunitária) de determinados espaços e recursos através do extrativismo vegetal (cipós, fibras, ervas medicinais da floresta), do extrativismo animal (caça e pesca), e da pequena agricultura itinerante. Além dos espaços usados em comum, podem existir os que são apropriados pela família ou pelo indivíduo, como o espaço doméstico (casa, horta, etc) que, geralmente, existem em comunidades com forte dependência do uso dos recursos naturais que garantem sua subsistência, demograficamente pouco densas e com vinculação mais ou menos limitadas com o mercado77.

77 DIEGUES, Antnio Carlos S. O mito moderno da natureza intocada. São Paulo: NUPAUB-USP, 1994. p. 58.

Fig. nº. 16 - Formas de uso da terra, da água e da floresta na várzea de