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A formação das novas terras de cultivo

Fig nº 16 Formas de uso da terra, da água e da floresta na várzea de Manacapuru-AM

4.5. Apropriação familiar e utilização das terras acrescidas na frente da propriedade

4.5.1. A formação das novas terras de cultivo

Na várzea de Manacapuru, as novas terras que surgem na frente da propriedade vão sendo automaticamente apropriadas pelos camponeses- ribeirinhos. Essa apropriação ocorre de forma individual/familiar e de acordo com o marco divisório da propriedade na restinga antiga. (Fig. nº. 31). Assim como as terras já existentes, essas novas terras são delimitadas, não cercadas, com exceção dos trechos em que há criação de gado bovino. Apesar disso, há um “respeito” por parte dos camponeses-ribeirinhos, tanto da própria comunidade, como dos de fora, em não invadir essas terras, acrescidas e apropriadas pelos camponese-ribeirinhos.

Assim, as novas terras que surgem são utilizadas para cultivos, principalmente para o plantio de culturas de ciclo curto, conforme a propriedade de

117 SUGUIO, Kenitiro e Bigarella, JoãoJ. Ambientes fluviais. Florianópolis: Editora da UFSC – Editora da UFPR, 1990. p.84.

cada morador na restinga antiga. (Fig. nº. 32 e 33). A utilização desse novo ambiente ocorre sem nenhum tipo de conflito e está sob a responsabilidade do pai, o chefe da família. Para que se possa efetuar trabalho nele, seja por meio do arrendamento, seja mesmo da concessão, é necessário ter autorização daquele responsável. Pereira (1995) faz referência à formação dessas novas terras na várzea amazônica:

As áreas de deposição (terras novas, praia) são um ambiente novo. Estes novos ambientes agora são usados preferencialmente para a instalação de cultivos. A preferência provavelmente baseia-se em dois motivos: sendo áreas mais baixas e novas onde o processo de construção predomina, a cada enchente há novas deposições (aterros) que renovam satisfatoriamente a fertilidade do solo. O outro motivo é que, sendo um ambiente em fase inicial de sucessão, ainda não há formação de uma vegetação arbórea, o que facilita o processo de preparação das áreas de cultivo em vez de derrubadas necessárias para se cultivar trechos de mata, a roçagem da vegetação herbácea e arbustiva antes da enchente é suficiente para deixar o solo dessas áreas em condições para o plantio120.

Os camponeses-ribeirinhos perceberam que a utilização dessas novas terras para a agricultura não poderia ser feita como as terras já existentes (restingas antigas), onde geralmente predomina uma vegetação arbórea que, para a instalação de cultivos, deve obedecer a todo processo de preparação do terreno: broca, derrubada, queimada, encoivaramento. Nesse caso, é necessário tão- somente a roçagem da vegetação herbácea e arbustiva, quando da subida das águas, nos meses de janeiro, fevereiro e março, para que os solos dessas novas terras, na descida das mesmas, estejam em condições de serem cultivados.

A roçagem antes da enchente deve-se a dois fatores, considerados fundamentais nesse ambiente: primeiro, o fator tempo. Não se pode esperar muito para efetuar o plantio: quando acontece o recuo das águas, nos meses de julho e agosto, e as primeiras terras começam a aparecer, elas são imediatamente preparadas para receber sementes das culturas de ciclo curto, pois são, ainda, áreas baixas, sendo, portanto, as últimas a aparecerem na vazante/seca e as primeiras a desaparecerem na enchente/cheia.

119 Idem, p. 84.

Fig. nº. 31 – Apropriação das novas terras na Costa do Pesqueiro - Manacapuru-AM

Rio Solimões

LEGENDA

Áreas de deposição (novas terras): apropriadas p e l o s c a m p o n e s e s - r i b e i r i n h o s

Desenho: Marcos Castro/2006

Org. Manuel de Jesus Masulo da Cruz/2006 Fonte: trabalho de campo/2005

Lago

O segundo fator é a eliminação da vegetação herbácea e arbustiva que facilita o próprio processo de deposição, particularmente de silte e argila, fundamentais para a fertilização do solo. Caso não haja a técnica da roçagem antes da enchente/cheia, a presença das gramíneas dificulta a deposição dessas partículas finas, as quais tendem a escorregar para o leito do rio ou serem depositadas na planície de inundação, ficando principalmente as partículas de granulometria do tamanho de areia, a qual nesse caso, é depositada irregularmente em grande quantidade, tornando o solo com baixa fertilidade, como comprova esse depoimento: “Se não roçar quando a água vem subindo, não dar um bom aterro [deposição], fica muita areia e buraco e a terra não fica boa para o plantio” (Senhor Raimundo Praiano, 58 anos, camponês-ribeirinho).

Bahri (1992), ao estudar os sistemas agroflorestais da Costa da Terra Nova no município do Careiro da Várzea-AM identificou um intenso processo de deposição. Nessas novas terras surgidas, os moradores instalam culturas de ciclo curto, como por exemplo, couve, alface, feijão de praia e culturas como o milho e a mandioca, que geralmente são cultivados na restinga antiga. Em alguns trechos dessa Costa, esses depósitos chegam a medir 300 m de largura no sentido transversal ao rio, superando o tamanho da antiga margem que vai do topo da restinga as áreas baixas, medindo cerca de 100 a 200 m.

No Paraná do Barroso, município de Manaquiri-AM, na sua margem esquerda, observou-se um intenso depósito de sedimentos que atingiu, em média, cerca de 500 m no sentido transversal do rio. Os camponeses-ribeirinhos têm utilizado essas novas terras principalmente para o cultivo da batata doce consorciado com milho. Vale ressaltar que nessa localidade é realizada anualmente a “festa da batata”, mostrando que essa cultura tem uma importância fundamental para os moradores desse Paraná.

A montante da Costa do Pesqueiro, município de Manacapuru-AM, área da pesquisa, esse tipo de depósito de sedimentos na frente da restinga frontal atingiu aproximadamente 400 m no sentido transversal do rio, a partir da restinga mais antiga. Nesse trecho, o processo de deposição atual já está formando a terceira restinga. Isso significa que houve o deslocamento da casa de moradia e outras dependências como galinheiro, casa de farinha, paiol, da primeira para a segunda, pois os moradores ao perceberem que esses depósitos atingiram o mesmo nível do anterior, trataram de deslocar a casa e outras dependências para a restinga nova. O mesmo procedimento será feito desde que os depósitos atuais se elevem para o mesmo nível da segunda restinga. A mobilidade da casa de moradia e outras dependências da restinga antiga para a nova deve-se a dois fatores fundamentais: busca de terras novas mais férteis e proximidades da margem do rio.

Fig. nº. 32 - Depósitos de sedimentos recentes na frente da propriedade, dos quais os camponeses-ribeirnhos se apropriam e utilizam de forma individual/familiar por meio do plantio das culturas de ciclo curto. Costa do Pesqueiro, baixo rio Solimões, em 05 de fevereiro de 2005, estando as águas a 22,00 m acima do nível do mar. (Fotografia de Carlos Alberto Dias).

Fig. nº. 33 - Detalhe do plantio consorciado de milho com feijão de praia nas novas terras (praia). Costa do Pesqueiro, baixo rio Solimões, em 05 de fevereiro de 2005, estando as águas a 22,00 m acima do nível do mar. (Fotografia de Carlos Alberto Dias).