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CONTATO FREQUENTE COM IDOSOS FORA DO AMBIENTE DE TRABALHO

4.7 O PROCESSO ETNOGRÁFICO

4.7.1 A trajetória para a entrada no campo

Após o exame de qualificação, em setembro de 2012, o projeto foi ajustado conforme solicitação da banca. Por duas vezes fui ao hospital, nos meses de setembro e outubro, para conversar com os diretores geral e administrativo (ambos enfermeiros). No primeiro momento expliquei a proposta do projeto e solicitei a assinatura de documentos, a fim de serem enviados ao CEP. Eles foram bastante receptivos e se mostraram dispostos a colaborar. Num

Registro e análise de dados D ed u çã o c re sc en te Estágio 1 Registro e análise dos dados Aprox. das participantes Observações descritivas Definindo novos

problemas com base nos dados e Literatura Registro e análise dos dados Conduzindo a pesquisa Observações focalizadas Formulando hipóteses Conduzindo a pesquisa Observações seletivas Formulando hipóteses Definindo temas Estágio 3 Estágio 2

Entrada em campo e início da Pesquisa Etnográfica Submissão e aprovação CEP

segundo momento recolhi os documentos solicitados e todo o material foi submetido ao CEP via a Plataforma Brasil.

Já no mês de dezembro, após aprovação do Projeto pelo CEP/UFBA, voltei ao hospital novamente e fiz contato com a Coordenação de Enfermagem, a fim de iniciar o processo de entrada em campo com aproximação das participantes e adaptação ao ambiente de coleta dos dados. Entrei pela portaria, com crachá de identificação, jeans e blusa branca. Naquele mesmo dia soube que os alunos da disciplina Enfermagem em Atenção à Saúde do Idoso estavam desenvolvendo uma prática inédita com os cuidadores de idosos hospitalizados, no auditório do hospital. Resolvi observar o que ocorria e ouvir um pouco dos relatos dos cuidadores. Os alunos estavam terminando de organizar o ambiente. O som tocava uma dança sênior, e o grupo ensaiava os passos para orientar os cuidadores. Balões coloridos animavam a sala. Posteriormente, um CD com músicas natalinas começou a tocar e o ambiente foi contagiado pelo espírito natalino. As cuidadoras receberam um classificador com materiais educativos, mensagens de encorajamento e auto-estima. Fui apresentada às alunas pela professora coordenadora.

O início das atividades estava agendado para as 9h30min. Como ainda faltava algum tempo para o início, fui conversar com o diretor administrativo e comuniquei a aprovação do projeto no CEP. Ele me questionou novamente sob a forma de coleta. Quando mencionei a observação participante, arregalou os olhos e franziu a testa, o que me deixou apreensiva. Franzir a testa é uma expressão facial considerada um código corporal que revela surpresa, inquietação, “uma partícula de comportamento, um sinal de cultura, um gesto” (GEERTZ, 2008, p. 5). Provavelmente o diretor estava preocupado com o que seria visto e registrado e a interpretação que seria dada às situações observadas.

Perguntei ao diretor administrativo sobre os coordenadores de enfermagem e da Clínica Médica. Ele me informou o nome deles e onde poderia encontrá-los. Fui até a Clínica Médica, porém a coordenadora da unidade não estava no momento. Encontrei ex-alunas, auxiliares e técnicas de enfermagem, estudantes do curso técnico, que me receberam calorosamente, perguntando quando eu levaria alunos para a prática. Informei que estaria ali nos próximos meses como estudante do doutorado. Apresentei-me às duas enfermeiras responsáveis pela Ala Masculina e Feminina. Uma técnica de enfermagem estava com os prontuários e explicava a uma aluna de gerenciamento que checasse cuidadosamente a necessidade de solicitar avaliação do médico socorrista, pois os “semi-deuses” não gostavam de serem importunados desnecessariamente.

Ao serem denominados como “semi-deuses”, a técnica estava manifestando a posição de superioridade que os médicos assumem entre os profissionais da área de saúde. Helman, ao falar sobre a interação do médico com a classe profissional da enfermagem, declara que no hospital são reproduzidas as divisões básicas de gênero existente na cultura geral e na família, as quais foram adotadas no modelo desenvolvido por Florence Nightingale. O médico representa a figura do pai, a enfermeira de mãe e o paciente de filho (HELMAN, 2003).

Perguntei a uma das enfermeiras se poderia visitar as Clínicas. Com a sua anuência adentrei as enfermarias. Chamou-me a atenção o fato de ver, naquele horário, todos os pacientes higienizados e o ambiente sem odor desagradável, pois com a elevada demanda de cuidados, a condição de gravidade dos pacientes e número insuficiente de profissionais, entre outros fatores, isto se torna uma tarefa muito difícil. De 14 leitos femininos, 10 estavam ocupadas por idosas, e de 16 masculinos, 10 estavam ocupadas por idosos com graus variados de dependência. O acompanhante de um paciente idoso (rapaz muito jovem, aparentando 16 ou 18 anos) informou que seu parente estava rubro e agitado. Pediu para que alguém verificasse a pressão. Observei que a enfermeira atendeu prontamente a solicitação do familiar acompanhante, mediu a pressão e constatando que a mesma estava elevada tomou as devidas providências assistenciais.

Para que as cuidadoras participassem da reunião agendada, parte das alunas da disciplina ficou acompanhando os idosos internados na Clínica Médica. Fui novamente até o auditório onde encontrei cerca de seis cuidadoras e seis alunas, todas compartilhando da dança sênior. Na sequência, as alunas leram uma mensagem que falava do respeito à pessoa idosa e depois discorreram sobre a temática do dia: a higiene da pessoa idosa, iniciando pela higiene oral até a demonstração do banho no leito. As cuidadoras participavam ativamente e falavam das dificuldades da realização da técnica no domicílio e como a adaptavam à sua realidade. Contribui com minha experiência durante uma parte da discussão e logo em seguida deixei-as no auditório e retornei à CM em busca da coordenadora da unidade, pois já havia sido informada que o coordenador da enfermagem só estaria à tarde.

Na Clínica Médica, encontrei a coordenadora sentada, elaborando a escala de serviço. Apresentei-me e solicitei que agendasse um horário para conversarmos sobre o projeto e a estratégia para mobilização das funcionárias. Ela sugeriu sete dias após aquele encontro, às 10 horas. Anotei na agenda e me comprometi a comparecer na data e horário agendados. Trinta minutos antes do dia e horário marcados, compareci no hospital.

O hospital parecia tranquilo, poucos funcionários circulando, o corredor interno de acesso ao Pronto Socorro vazio. Aproveitei os minutos antes do encontro marcado e fui

procurar o Diretor Administrativo, para que me informasse onde poderia encontrar dados sobre a história da instituição. Ele me disse que desconhecia algum tipo de documento escrito sobre a história do hospital. Algumas poucas informações estavam disponíveis no site oficial e me disse também que a história, era oral. Havia pessoas ainda vivas, ex-trabalhadoras, já aposentadas, que poderiam ajudar. Indicou que procurasse por informações com uma funcionária do setor financeiro, para que falasse com sua mãe, e uma pessoa que trabalhava na sala de costura do hospital. Falou também do museu e da biblioteca da cidade. Quando saí de lái, fui buscar informações nos locais sugeridos, mas não obtive muito sucesso.

Subi até o primeiro andar onde fica situada a Clínica Médica, cumprimentei a enfermeira coordenadora e disse que retornava às 10 horas. Encontrei ex-alunos, funcionários que me saudaram. Desci até a Coordenação de Enfermagem situada em uma sala modesta com dois compartimentos, separados por uma divisória. A primeira parte tem um assento e uma mesa para secretária, a parte interna tem a mesa do coordenador, estantes e armários. Disse à secretária que precisava de um momento com o coordenador. Ela, sorridente, me anunciou, e ele, prontamente, me recebeu. Ainda na recepção, uma enfermeira, ex-aluna, anotava em livro ata os atestados recebidos na sua unidade (berçário) somente no mês de dezembro (preenchia um terço das linhas). Comentou que na escala o setor estava coberto, mas na prática isso não ocorria. Indaguei sobre o setor com maior prevalência de absenteísmo e ela disse que não sabia informar.

O coordenador de enfermagem é um homem magro de cabelos grisalhos, atencioso, sereno. Seu olhar transmite tranquilidade, voz em tom suave, pausada. Em sua mesa se viam muitos papéis. Olhando em volta, visualizei sobre uma estante alguns manuais de normas e rotinas de alguns setores do hospital, me dirigi ao coordenador e falei resumidamente sobre o projeto, pelo qual se mostrou interessado. Comentou que alguns pacientes da CM têm a unidade como sua “nova morada”, pois permanecem lá por tempo prolongado, chegando a superar um ano. Comentou que, falando como ser humano e não como enfermeiro, preferia a morte a ficar tanto tempo hospitalizado e que achava que a equipe de enfermagem talvez não gostasse de cuidar desses pacientes, pois percebiam as limitações do ambiente hospitalar. Falou sobre a ampliação do Pronto Socorro e sobre a expectativa de oferecer um ambiente mais adequado à assistência. Disse que percebia os idosos nos corredores em macas sendo tratados como os adultos mais jovens, o que para ele era lamentável. Em sua opinião, quando o paciente é uma criança, é visto logo e, tudo é rapidamente agilizado e mobilizado. Já com os idosos, isto não acontece. Chegam a ficar vários dias em macas nos corredores. Para o coordenador, os idosos merecem atenção especial, pois, são “semelhantes às crianças”, têm

adequação da dose de medicamentos e a resposta orgânica à doença está alterada. Ele fez menção do trabalho inédito realizado com as cuidadoras e logo após ligou solicitando a presença da coordenadora da CM em sua sala. Ela rapidamente compareceu.

Quando a coordenadora chegou, expliquei o projeto novamente para ela. Perguntei se neste mês já havia ocorrido reunião com as funcionárias do setor. Ela respondeu que sim, então solicitei a lista com o nome delas para entregar uma carta-convite. Despedi-me do coordenador e saí em direção ao elevador. Deparei-me com um mural que tinha convite de formatura, portarias, entre outros documentos. Uma das Portarias me chamou atenção, a de número 007/12 de 04/04/12 que orienta processo de regulação de pacientes para o Hospital e dá outras providências. Destinava-se aos médicos e chamava atenção para o fato que os pacientes só deveriam ser admitidos se houvesse uma vaga, pois se estava gerando acúmulo de pacientes nos corredores, sem nenhuma infraestrutura, nem profissionais insuficientes, gerando desassistência.

Na CM, a enfermeira coordenadora me entregou a escala com o nome dos funcionários e horário de trabalho. A escala era separada da seguinte maneira: escala das enfermeiras (nove assistenciais e uma coordenadora, totalizando dez); escala das técnicas de enfermagem (serviço diurno, total de catorze, com carga horária de 180 horas) e serviço noturno (total de oito profissionais, com 180 horas). Só então, percebi que na unidade a equipe de enfermagem era formada somente por mulheres, totalizando trinta e duas profissionais. Anotei o nome de todas no meu diário de campo, para posteriormente entregar a carta-convite. Agradeci a enfermeira e saí de lá em direção à Vigilância Epidemiológica. Queria obter informações sobre taxa de ocupação dos idosos, principais diagnósticos, tempo de permanência, idade, entre outras informações.

Conversei com o enfermeiro responsável pela Vigilância Epidemiológica, mostrou-se receptivo, falou que ficava estarrecido diante dos casos de violência contra idosos atendidos no hospital. Relatou a brutalidade com que uma idosa foi covardemente espancada em Itiruçu, município vizinho a Jequié (episódio veiculado na mídia). Após essa rápida conversa, fui encaminhada por ele ao SAME. Chegando lá, aguardei um pouco na recepção, que fica próximo ao ambulatório. Pude observar que dois policiais armados e com coletes à prova de bala faziam a guarda de um jovem que parecia ser presidiário. Fiquei muito incomodada com a situação, desejando sair logo dali, pois temia qualquer tipo de conflito, tentativa de fuga ou algo parecido.

Mas antes que saísse do ambiente, apareceu a funcionária do SAME e me disse que as informações do livro de registro eram limitadas e fui encaminhada ao setor de faturamento. A

coordenadora do setor de faturamento estava em reunião e resolvi não esperar. Optei em conversar com ela em outro dia. Saí do hospital e fui até a Biblioteca e Museu da cidade para buscar informações históricas, e neste caminhar constatei que não havia nenhuma literatura que contasse a história do hospital desde a sua fundação. Tudo que encontrei foi uma foto da inauguração do Hospital no museu, a qual já estava postada no site oficial da instituição. Mas, as funcionárias me informaram nomes de antigas profissionais de enfermagem que poderiam colaborar, falaram do historiador Emerson Pinto de Araújo e seus livros que retratavam a história do município e da possibilidade de encontrar em jornais antigos alguma informação. Registrei os contatos no meu diário de campo e deixei meu nome e telefones, caso as funcionárias lembrassem de alguma informação importante. Desse modo, os dados referidos neste trabalho sobre a história do hospital foram extraídos de textos acessíveis pela internet, na página oficial da instituição.