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AS PROFISSIONAIS DE ENFERMAGEM E OS MODOS DE PERCEBER A PESSOA IDOSA HOSPITALIZADA

CLÍNICA MÉDICA

5.2 AS PROFISSIONAIS DE ENFERMAGEM E OS MODOS DE PERCEBER A PESSOA IDOSA HOSPITALIZADA

No tópico antecedente, descrevi o cenário de cuidados ao idoso em seus aspectos estruturais e socioculturais. Aqui, após observação minuciosa do cotidiano de profissionais de enfermagem de um hospital público, no cuidado a idosos hospitalizados, procurei identificar e analisar os modos como as profissionais de enfermagem percebem a pessoa idosa hospitalizada.

Este conhecimento é útil para explorar como a pessoa idosa emerge nas situações de cuidado de enfermagem na Clínica Médica. O interesse em promover reflexão sobre este tema, parte do pressuposto de que as profissionais de enfermagem estão em contato direto e ininterrupto com os idosos internados cuidando deles e presenciando seus dilemas e suas conquistas. Por isso, é importante ouvi-las, pois se constituem em colaboradoras essenciais no processo de construção de um cuidado mais digno aos idosos.

Além disso, a proposta de situar a pessoa idosa no contexto hospitalar e compreender como é percebida pela equipe de enfermagem contribui para o conhecimento de elementos que sustentam a prática destas profissionais a um grupo de pessoas em específico e se constitui em uma das maneiras de acessar à cultura de cuidados aos idosos.

O envelhecimento humano associado às doenças e longevidade favorece a hospitalização de pessoas idosas. O impacto produzido pela maior prevalência destes usuários sobre os cuidados de enfermagem, no contexto hospitalar, decorre das demandas das pessoas idosas e da complexidade dos cuidados desenvolvidos em condições desfavoráveis de infraestrutura, de recursos humanos e materiais (LEITE; GONÇALVES, 2009).

A categoria de enfermagem é formada pela enfermeira, profissional de nível superior, e pelas técnicas e auxiliares de enfermagem, com formação de nível médio. Juntas, formam a equipe de enfermagem que atua na promoção, prevenção, recuperação e reabilitação da saúde, com autonomia e em consonância com os preceitos éticos e legais (COFEN, 2007). O cuidado hospitalar é requerido em circunstâncias de sofrimento físico e psíquico da pessoa idosa. Portanto, o encontro entre o idoso e a profissional de enfermagem acontece em meio a um processo de fragilização em curso.

As práticas de enfermagem no cuidado à pessoa idosa hospitalizada envolve questões pessoais e profissionais. Enquanto membro de uma sociedade, a enfermeira recebe a influência dos valores culturais em relação à pessoa idosa, com reflexo em seu modo de cuidar (BRUM; TOCANTINS; SILVA, 2005). A vertente cultural para analisar visões de

mundo e práticas das trabalhadoras de enfermagem em relação à pessoa idosa é fundamental para descobrir maneiras mais adequadas de atender às suas necessidades. No cotidiano de cuidados hospitalares, a enfermagem poderá encontrar na alteridade a capacidade de conviver e cuidar de um outro com mais idade, que é diferente, mas igual em direitos e cidadania (BUDÓ; SAUPE, 2005).

Para compreender as lentes por meio das quais a enfermagem enxerga a pessoa idosa hospitalizada, foram analisadas as construções simbólicas emergentes nos discursos, práticas e documentos de uso desta categoria profissional. Este conhecimento é mediado pela cultura, compreendida como uma teia de significados que o próprio homem teceu e à qual se encontra amarrado (GEERTZ, 2008).

Pensar a “pessoa idosa hospitalizada” exige afastamento de uma visão ingênua sobre a percepção dos grupos etários no interior das instituições de saúde e remete à ideia de que as profissionais de enfermagem elaboraram ou absorvem da sociedade conceitos sobre os idosos, os quais são incorporados às suas práticas.

Geertz afirmou ser o pensamento “rematadamente social: social em suas origens, em suas funções, social em suas formas, social em suas aplicações” (GEERTZ, 2008, p. 149). Implica dizer que o pensamento não é abstrato. Ele se apoia em ideias construídas e compartilhadas socialmente. Não é ingênuo, desprovido de interesse, mas tem um propósito de perpetuar antigos valores ou introduzir novos.

Marcel Mauss, sociólogo e antropólogo francês, atentou-se em observar a organização social dos índios norte-americanos (especialmente os Kwakiutl) relacionada à estratificação por idades, demonstrando a diferenciação de papéis e de status dentro do próprio grupo, de acordo com o tempo vivido, como pode conferir-se no seguinte trecho de sua obra:

De resto, é muito significativo que, entre os Kwakiutl (e seus parentes mais próximos, Heitsuk, Bellacoola etc.), cada momento da vida seja nomeado, personificado, por um novo nome, um novo título, da criança, do adolescente, do adulto (masculino e feminino); o adulto também possui um nome como guerreiro (naturalmente, não as mulheres), como príncipe e princesa, como chefe e chefa, um nome para a festa que eles oferecem (homens e mulheres) e para o cerimonial particular que lhes pertence, para sua idade de retiro, seu nome da sociedade das focas (dos retirados: sem êxtases nem possessões, sem responsabilidades nem benefícios, exceto os das lembranças do passado); enfim, são nomeados: sua "sociedade secreta" na qual são protagonistas (urso - frequente entre as mulheres, que são representadas por seus homens ou seus filhos -, lobo, Hamatsé (canibais) etc. (MAUSS, 1974, p. 378-9).

A análise das entrevistas e dos relatórios de enfermagem permitiu identificar cinco visões distintas sobre a pessoa idosa, na ótica das trabalhadoras de enfermagem: 1) sob o

olhar da idade cronológica, 2) sob o olhar da idade biológica, 3) sob o olhar da carência afetiva, 4) sob o olhar da dependência funcional e 5) sob o olhar comportamental.

A pessoa idosa sob o olhar da idade cronológica

A informação sobre a idade da pessoa idosa hospitalizada na CM é obtida pela enfermeira no momento da admissão. Para tanto, acessa os dados contidos na ficha de identificação do paciente preenchida ainda na recepção do hospital. Cronologicamente, a pessoa residente em países em desenvolvimento se torna idosa quando completa seis décadas de vida.

Em virtude das doenças as quais acometem os idosos hospitalizados, em geral, eles aparentam ter uma idade superior à que consta em seus registros. Esta primeira avaliação da enfermagem na qual se relaciona aparência física e idade estimada é mais rigorosa com as mulheres. Foram encontrados registros em relatório de enfermagem de que a paciente era idosa, no entanto quando verificada a data de nascimento, a mulher tinha apenas 46 anos de idade. Desse modo, a “passagem prematura das mulheres à velhice” (DEBERT, 1994) se deu pela construção sociocultural realizada na idade cronológica de acordo com o gênero.

A idade cronológica é uma das formas de definir a velhice e se refere à contagem dos anos vividos (SCHNEIDER; IRIGARAY, 2008). No Brasil, de acordo com o Estatuto do Idoso (BRASIL, 2003), a pessoa com 60 anos e mais de vida é definida como idosa. Mas, o fato de as mulheres serem classificadas com mais frequência que os homens como idosas, mesmo sendo ainda adultas mostra que a categoria idosa não é homogênea. Revela o rigor com que a sociedade brasileira valoriza os aspectos físicos (viço e beleza) para a determinação de uma idade provável, especialmente no sexo feminino. Mas, também manifesta as condições precárias em que as mulheres são admitidas no setor ampliando a discrepância entre sua idade cronológica e aquela revelada por sua aparência física. A idade cronológica da idosa foi superestimada a partir da avaliação subjetiva que a enfermeira fez tomando por parâmetro a aparência física e condições de saúde apresentadas pela paciente.

Um dos usos mais comuns da idade cronológica do idoso no ambiente hospitalar é para a concessão do direito a acompanhante. O benefício instituído no Estatuto do Idoso, artigo 16, capítulo IV da Lei 10.741/2003 assegura que a instituição deve proporcionar acomodação adequada e fornecimento das principais refeições ao acompanhante da pessoa idosa, despesas estas subsidiadas pelo SUS, conforme Portaria n.º 280, de 7 de abril de 1999, do Ministério da Saúde. No entanto, por conta das condições estruturais inadequadas dos hospitais públicos brasileiros, os acompanhantes improvisam com papelões e cobertores, um

local para descansar, e, muitas vezes são recriminados pela enfermagem frente a sua atitude desesperada de dar algum conforto a um corpo cansado que parece ter esgotado a sua capacidade de resistência.

A pessoa idosa sob o olhar da idade biológica

Para além da referência da idade cronológica, a pessoa idosa foi distinguida também por sua idade biológica com destaque para as mudanças advindas do processo de envelhecimento. A dimensão biológica foi retratada nas entrevistas das participantes do estudo ao apresentarem condições relacionadas às mudanças fisiológicas do processo de envelhecimento e o declínio ocasionado pelo tempo de vida acumulado: “ele (referindo-se ao idoso) tem muito mais frio” (Katharine, Técnica de Enfermagem), “tem dificuldade de ouvir” (Merle, Técnica de Enfermagem), “as doenças chegam com maior agressividade” (Virgínia, Técnica de Enfermagem), “urina e obra (evacua) toda hora”, “tem que aspirar ele” (Dorothea, Técnica de Enfermagem), “bem debilitados” (Dorothy, Enfermeira), entre outras descrições.

A idade biológica é definida pelas alterações provenientes do processo de envelhecimento humano, iniciado no nascimento e prolongado por toda a existência humana (SCHNEIDER; IRIGARAY, 2008). No que se refere à termorregulação, a pessoa idosa apresenta perda de gordura subcutânea, deficiência vasoconstritora, débito cardíaco diminuído, motivando consequente sensibilidade aumentada para temperaturas mais frias (VOGELAERE; PEREIRA, 2005; ELIOPOULOS, 2011).

No tocante às alterações auditivas, a presbiacusia (perda auditiva progressiva) é uma manifestação comum devido às mudanças relacionadas à orelha interna, perda das células pilosas, redução do suprimento sanguíneo, menor flexibilidade da membrana basilar e degeneração das células ganglionares (BARALDI; ALMEIDA; BORGES, 2007; ELIOPOULOS, 2011). Esse prejuízo acústico exige avaliação periódica com médico especialista, a fim de avaliar a extensão do problema, verificar a necessidade de uso de aparelhos auditivos e retirada de cerúmen acumulado. Quanto à enfermagem, cabe a adoção de um comportamento que favoreça a comunicação com o idoso, adotando uma fala pausada, estar posicionado à sua frente em local apropriado e sem ruídos.

No sistema respiratório, os reflexos da tosse e da laringe enfraquecem. A redução ciliar e a hipertrofia das glândulas mucosas dos brônquios também contribuem para uma menor capacidade do idoso em eliminar muco acumulado e organismos estranhos. Quando restritos ao leito, a atividade respiratória reduzida aumenta o risco de desenvolver pneumonia

(RUIVO et al., 2009; ELIOPOULOS, 2011). Desse modo, a equipe de enfermagem deve favorecer a drenagem de secreções oferecendo líquidos em quantidade e por via adequada, promover a mudança de decúbito, e apoio na remoção de muco e secreções acumuladas.

Outra condição associada ao idoso é a perda indesejada de urina. Quer seja por questões fisiológicas ou patológicas comuns na velhice, este é um problema que interfere na higiene, no bem-estar e convívio social. Com o envelhecimento, os músculos da bexiga enfraquecem, o esvaziamento é mais difícil, o reflexo de micção é retardado e sua capacidade fica menor. Nos homens o aumento da próstata acarreta problemas à frequência urinária (ELIOPOULOS, 2011). Desse modo, a equipe de enfermagem deve favorecer a drenagem de secreções oferecendo líquidos em quantidade e por via adequada, promover a mudança de decúbito, e apoio na remoção de muco e secreções acumuladas.

Diante do cenário vigente de intensificação do processo de envelhecimento populacional e de maior demanda pelos serviços de saúde, compete à enfermagem saber discernir as condições fisiológicas dos idosos das consideradas patológicas; ter em conta que mesmo sendo inevitáveis as mudanças fisiológicas, é possível obter qualidade de vida satisfatória; e, por fim adotar medidas capazes de auxiliá-los a manter ou recuperar a sua funcionalidade.

Essas primeiras referências à pessoa idosa marcam a tendência em observar o corpo envelhecido como um acumulado de perdas e declínio por uma perspectiva médica e biológica da velhice (ESQUIVEL et al., 2009). No contexto hospitalar, o corpo envelhecido é sinônimo de declínio do qual a enfermagem se apropria e sobre o qual realiza inumeráveis intervenções.

A pessoa idosa sob o olhar da carência afetiva

Uma terceira visão apresentada pelas profissionais de enfermagem sobre a pessoa idosa hospitalizada foi a carência afetiva, a qual julgam ser decorrente de relações malsucedidas com familiares, como se observa a seguir:

O que eu vejo de diferente é a questão da carência. Às vezes eles são sozinhos. Apesar de ter familiares, às vezes eles têm filhos, esposa..., mas eles são bem carentes de atenção. Eles contam coisas que às vezes a gente nem pergunta. Eles precisam mais de pessoas para ouvir e não somente da atenção daquela patologia específica. Porque eles querem uma pessoa pra dar atenção. Eu percebo isso que eles são bem carentes (Lydia, Enfermeira).

Para as participantes deste estudo, existe um diferencial de gênero quando se trata da carência afetiva da pessoa idosa, que aparece nos discursos como uma expressão de maior vulnerabilidade emocional feminina:

Agora em relação ao emocional... a gente vê que as mulheres são mais carentes emocionalmente apesar de ter um cuidador sempre ali disposto a estar com elas. Dificilmente a gente vê uma mulher que não tem uma acompanhante que não tenha alguém da família ali acompanhando, acolhendo, providenciando os exames. A mulher é assim, mais carente de afeto, de cuidado, de atenção, de conversa. O homem não. O homem, ele tem aquela coisa mesmo, do machismo, de ser mais forte.... Então, ele tem essa independência afetiva, embora também a gente saiba que ele precisa de cuidador e que muitas vezes ficam sozinhos mesmo e acabam até falecendo sozinhos aqui. [...] os homens são menos acolhidos pelos familiares. Acredito que até às vezes por algum comportamento durante a vida mesmo, que não tem muito laço afetivo com os familiares, com os filhos, com a esposa. Então, quando chega nessa fase idosa, ele não tem essas pessoas para acolher, pra amparar (Jean, Enfermeira).

A presença de uma doença em fase descompensada e a restrição social decorrente da hospitalização são fatores contribuintes para um sentimento de descontrole da própria vida do idoso, gerando maior necessidade do idoso de apoio emocional por parte de sua família e demais pessoas significativas que compõem sua rede de apoio social (amigos, vizinhos, membros de igreja, profissionais de saúde, entre outros). A hospitalização na velhice é vivida com estresse e ansiedade por estar associada à dependência e à morte (CARVALHAIS; SOUSA, 2011). O uso da expressão “bem carente” pressupõe que nos idosos a carência afetiva é uma característica que se apresenta de modo peculiar e intenso.

A carência afetiva do idoso hospitalizado mencionada pelas profissionais de enfermagem é consequência do abandono familiar. Muitos idosos mesmo possuindo filhos, netos e cônjuge se sentem sozinhos porque não conseguem obter destes o apoio instrumental ou emocional necessários ou que têm expectativa de receber. Os idosos manifestam seus sentimentos ao contar a sua história de vida e dos relacionamentos familiares para as profissionais de enfermagem, ao exprimirem ansiedade, raiva, agressividade, choro, ficando a maior parte do tempo retraídos, com o lençol sobre a cabeça ou posicionados em direção à parede. Vale ressaltar que a carência afetiva em idosos com filhos gera impacto muito negativo sobre o envelhecimento. Este sentimento de frustração e abandono resulta em medo e insegurança em relação a uma vida longa, principalmente se for acompanhada de enfermidades e dependência.

Espera-se que na família, especialmente entre pais e filhos, sejam encontrados fortes laços afetivos desenvolvidos durante a trajetória de vida e que estes filhos possam de forma espontânea nutrir a prática de amparo e ajuda de seus pais na velhice. Este é um tema tratado

como um dever civil na Constituição Brasileira (BRASIL, 1988) em seu artigo 229: “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”. A Lei 10.741, reforça que negligência, abandono e maus-tratos são atitudes de violência passíveis de penalidades (BRASIL, 2003).

Mas, de forma paradoxal, pessoas próximas, da família (filhos, nora, genro e cônjuge), têm sido apontadas como as principais responsáveis pelos casos registrados de violências contra idosos, tanto as negligências, quanto as relacionais (BRASIL, 2005). Esta triste realidade tem fomentado debates jurídicos sobre a possibilidade de indenização por abandono de idosos. Discute-se que a penalização poderia aumentar ainda mais os conflitos e afastamento paterno-filial. O fato de receber um pagamento por danos causados pelo abandono, não restituiria o que mais o idoso deseja: uma relação afetiva com seu/sua(s) filho/a(s). No entanto, serviria para desestimular a prática e atuaria na consciência coletiva no sentido de abster-se de tal comportamento (DE MARCO; DE MARCO, 2012).

A ideia de piedade filial remonta à antiguidade. Na civilização oriental, Confúcio destacou a grandiosidade do ser humano em fazer os seus pais felizes em todos os momentos e de todas as maneiras. Na civilização grega, Platão, já aos 80 anos, enfatizou os deveres dos filhos para com os pais idosos, salientando que nada é mais digno que um idoso (SANTOS, 2001). Para os cristãos, a relação paterno-filial é assunto de tamanha seriedade que aparece como o sexto entre os dez mandamentos bíblicos escritos com o próprio dedo de Deus e entregues a Moisés e o primeiro que trata dos deveres para com o próximo. Constitui um mandamento atrelado a uma promessa de vida longa: “Honra teu pai e tua mãe para que se prolonguem os teus dias na terra que o Senhor, teu Deus, te dá - Êxodo 20:12 (ALMEIDA, 2006). Na Bíblia Sagrada, o fundamento para honra e o respeito dos filhos para com os pais é o amor iniciado entre os mais próximos e propagado aos mais distantes do ambiente doméstico. Reflete uma atitude de obediência e de respeito às autoridades legítimas que deve ser ensinado às crianças ainda na infância (DORNELES, 2011).

Na visão de mundo das colaboradoras, as mulheres idosas têm alto grau de vulnerabilidade emocional nutrida por história de vida marcada pelo abandono, a violência, a viuvez precoce e a necessidade de enfrentar a realidade assumindo o papel de provedoras, executoras de todas as atividades domésticas, a assistência direta aos filhos e, em famílias multigeracionais, também aos netos. Por outro lado, esta relação mais próxima, íntima com seus filhos favorece a criação de um vínculo afetivo mais estável, forte, que se manifesta em solidariedade e compromisso filial em situação de limitações funcionais, dependência e

enfermidade. A predominância masculina no ambiente extradomiciliar, associada às relações familiares frouxas e de baixo compromisso com os deveres filiais e conjugais, contribui para uma maior probabilidade de uma velhice cujo suporte social é mais restrito.

A pessoa idosa sob o olhar da dependência funcional

Embora a velhice não seja sinônima de dependência, as profissionais de enfermagem reconhecem ser esta uma condição frequente em pessoas idosas hospitalizadas, em virtude de doenças crônicas ou das incapacidades provenientes da idade avançada.

Os idosos são mais dependentes da enfermagem (Lydia, Enfermeira).

Um idoso, quando ele está doente, consciente, e é hospitalizado, ele se sente um inútil, se sente preso a uma cama de hospital, precisando de uma pessoa a todo o momento pra está ali cuidando... Precisar de uma água, a pessoa tem que ir buscar, tem que pegar. Se precisar fazer um xixi, tem que urinar na fralda. Às vezes não se aceita aquelas condições. Porque o jovem e o adulto têm a consciência de que vai sair pra melhorar, para uma recuperação. Mas o idoso não, acha que está ali e já está incomodando demais as pessoas, que a solução mais rápida é morrer (Faye, Técnica de Enfermagem).

O grau de escolaridade, o acesso à informação e a serviços de saúde foram apontados pelas profissionais investigadas como fatores relacionados à presença e evolução da dependência.

A maioria dos nossos idosos chega aos 60 anos praticamente dependente mesmo de um acompanhante, de ter uma pessoa pra levar ao banheiro, pra alimentar, porque em outra realidade, quem tem uma condição financeira melhor, tem outro nível cultural não se vê tanta dependência e aqui os pacientes já chegam assim, debilitados, praticamente dependentes da equipe e dos acompanhantes. É uma coisa assim, bem característica (Jean, Enfermeira).

A dependência da pessoa idosa tem sido utilizada como fator motivador de falsos conceitos como o de que os idosos são como crianças.

[...] a criança nasceu, vai crescendo e vai se desenvolvendo, até chegar a fase adulta e o idoso cada dia mais vai se debilitando. Então, são as doenças que vão chegando com mais agressividade, precisa mais de cuidados, porque ele volta a ser criança, só que é uma criança adulta, e aí requer mais cuidados (Virgínia, Técnica de enfermagem).

A dependência passa a ter significado quando existem condições fisiológicas para um viver independente, ou quando já se viveu algum grau de independência e há expectativas de desenvolvimento de papéis pessoais e sociais. Mas, com frequência, é com algum grau de maturidade, já na vida adulta ou na velhice, que se tem plena consciência das implicações da

dependência e isso ocasiona profundo temor e sensação de inutilidade. A dependência pode ser visualizada como fio condutor para a realização dos cuidados de enfermagem, pois esta