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A transformação da Internet numa tecnologia de uso doméstico

2 SOCIEDADE E NOVAS TECNOLOGIAS

2.3 Do ciberespaço à cibercultura

2.3.1 A transformação da Internet numa tecnologia de uso doméstico

“[...] O surgimento da cibercultura não é só fruto de um projeto técnico, mas de uma relação estreita com a sociedade e a cultura contemporâneas”. (LEMOS, 2002, p. 28).

Na década de 1960, os computadores eram utilizados para processamentos e cálculos complexos. As primeiras máquinas tinham sua função técnica e utilitária precisamente definidas e estavam restritas aos usos das grandes empresas, indústrias, instituições financeiras e do Estado, além de serem instrumentos destinados a estratégias militares e largamente utilizados nas universidades. (LEVY, 1999).

Porém, com as inovações tecnológicas dando-se num ritmo acelerado e com alcance indefinidos, os computadores foram, progressivamente, transformando os setores produtivos da sociedade. E o conjunto dessas evoluções técnicas atingiu níveis sociais mais amplos, propagando o uso dos computadores ao domínio doméstico.

A partir de 1980, a informática passou a confluir com os diversos meios de tecnologia da informação já existentes: televisão, cinema, telecomunicações etc. O computador tornava-se uma nova ferramenta à disposição de uma parcela crescente da população. Seus usos tomariam outras instâncias do cotidiano, como criação de textos, fotos, aplicativos de desenvolvimento de desenhos, manipulação de dados, simulação, diversão, dentre outros.

Cada vez mais utilizados como suporte de projetos individuais e compondo redes de bancos de dados das mais variadas instituições, foi surgindo um movimento sócio-cultural em fins dos anos 1980 – conforme abordado anteriormente –, alavancado por estudantes universitários americanos, que desenvolveram a interligação dos diversos terminais (computadores), resultando na criação de um sistema de troca de informações interfaceado pelo computador. Foi essa infra-

estrutura tecnológica e social que serviu de base para o surgimento da Internet, o chamado ciberespaço. Este com o potencial de uma nova plataforma de fluxo de informações, conhecimentos, sociabilidade e de transações econômicas (LEVY, 1999).

Esse meio complexo de interconexão e interligação de equipamentos é o que permitirá a denominação de ciberespaço11. O prefixo “cyber” é proveniente da ciência proposta pelo matemático Robert Wiener, a cibernética, que estuda todo o campo de controle e da comunicação, quer seja no homem, quer seja na máquina (PAVELOSKI, 2004). Daí a íntima relação entre os conceitos da cibernética e o espaço de comunicação e interligação entre máquinas gerado pela Internet, o qual possibilita uma ampla forma de relações e acesso aos meios nela dispostos. A partir dessa relação é que se tem uma gama de novas expressões que estão diretamente ligadas aos modos de ser e fazer de quem se utiliza de algum dos recursos disponibilizados pelo moderno sistema de comunicação da Internet, como cibercultura, cibersexo, ciberdiários, ciberpunk, ciberjornal, dentre outras.

O ciberespaço é a interconexão mundial dos computadores via sistema de comunicação eletrônica. Um sistema aberto e universal de transmissão de conhecimento e informação, sem dependência de localização e com quantidades ilimitadas de acesso. Daí emerge uma nova órbita de produção, troca e circulação da informação, com precisão de cálculo e instantaneidade. (LEVY, 1999).

A Internet torna-se uma mídia caracterizada por seu hibridismo, a qual possibilita a convergência dos meios anteriores, como o rádio analógico e a televisão, por exemplo. Porém, o sistema de comunicação da Internet possui especificidades que a diferenciam das mídias tradicionais. Nela, as informações são privadas de um centro e seus conteúdos são dispostos de forma a possibilitar a interação direta de seus usuários, ao contrário dos meios de comunicação de massa. É aí que se encontra a diferença crucial entre a Internet e os meios clássicos de comunicação: seu sistema de difusão da informação não é unilateral, mas sim sustentado por um alto grau de interatividade e essencialmente plurilateral. (PAVELOVSKI, 2004).

11 O termo cyberespaço foi cunhado pela primeira vez pelo escritor de ficção científica William Gibson

O sistema de comunicação proposto pela Internet dispõe aos seus usuários uma ampla possibilidade de inserção de conteúdos. Em sua estrutura, o chamado “receptor” pode, a qualquer tempo, interagir sobre o que foi publicado e estabelecer relações com o emissor, através de e-mails, chats, fóruns, listas de discussões etc.

É importante ter em mente que, ao analisar a natureza das comunicações que são desenvolvidas no ambiente da Internet, não se tem a reprodução do esquema tradicional de comunicação, constituído por emissor-receptor, mas sim uma multiplicidade de variação e alternância dessas formas. Nos meios de comunicação mais tradicionais, a transmissão das informações dá-se através de um agente que transmite a mensagem e outro que a recebe, como no rádio ou na televisão, por exemplo. A partir da ampliação da interatividade, advinda com a Internet, o receptor de uma mensagem pode também ser seu produtor, ou vice- versa. Na Internet, essas relações entre transmissor/receptor não são mais tão polarizadas.

A troca de informações no ambiente da rede de computadores dá-se num novo contexto, o qual põe em sinergia as mídias já existentes, estimulando contatos em que é possível reciprocidade, percepções que convocam vários sentidos e uma independência das coordenadas espaço-temporais, ou seja, um novo ambiente de comunicação, diferente do proporcionado pelas mídias clássicas. Trata-se, portanto, de um novo espaço de socialização virtual, onde os sujeitos encontram-se para atividades variadas através de suportes e interfaces de acesso.

Desta forma, o ciberespaço torna-se um meio portador de expressões das esferas políticas, econômicas, culturais e humanas. E é nesse sentido que ele, consequentemente, trará implicações culturais, provenientes do desenvolvimento das tecnologias de comunicação e informação, ao lado da difusão da cibercultura, definida por Pierre Levy (1999, p. 17) como “o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço”.

Além disso, depreende-se daí que a cibercultura é um fenômeno amplo, situado na relação entre técnica e sociedade, e compreendê-la unicamente pelo viés

técnico seria adotar uma perspectiva reducionista. Para Lemos, a cibercultura deve ser compreendida como “uma nova relação entre a técnica e a vida social”. (LEMOS, 2002, p. 18).

O avanço tecnológico foi e é a base fundamental para a construção da infra-estrutura do ciberespaço, proporcionando o surgimento simultâneo de novas formas de interatividade que trazem conteúdos e meios específicos de apropriação. É a partir desse ambiente interligado que os sujeitos encontrarão diversas maneiras de usufruir das informações e possibilidades de entretenimento à disposição na rede mundial, disseminando entre suas práticas de interação os valores que configuram a cibercultura.