• Nenhum resultado encontrado

7 SOCIABILIDADE: INTERAÇÃO E VIDA SOCIAL NA

7.5 Consumo, identidade e relação social

7.5.1 O indivíduo na sociedade contemporânea

Segundo Lipovetsky (2004), a crítica e condenação que se faz ao presente não é recente e desde a antiguidade já se contestavam quaisquer formas de agir e pensar que pudessem provocar um rompimento com os valores tradicionais. Para os antigos, o resgate do passado era tido como substancial à devida socialização do sujeito e era no passado que estes deveriam se referenciar à construção de seus valores.

Entretanto, a modernidade surge, rompendo com o passado e apostando no futuro como lugar de satisfação e plenitude – ao contrário da concepção antiga de condenação do porvir e elogio ao passado. Era o progresso, advindo das conquistas da razão e da ciência, o fiador desse crédito dado ao futuro, na modernidade. Esse caráter otimista da sociedade moderna foi herdado da filosofia das Luzes, mas os acontecimentos catastróficos do século XX fizeram com que a razão perdesse grande parte de sua dimensão positiva.

Na modernidade, além da exaltação da técnica e do liberalismo comercial, outro grande aspecto que decorreu do legado iluminista foi a extrema subjugação burocrática e disciplinar, consequências que contribuíram mais para aprisionar a humanidade em códigos e regras que para concretizar os ideais da filosofia das Luzes.37 O sujeito encontrava-se fortemente atrelado às instituições sociais; e a tradição, através de suas normas, impunha aos indivíduos seus devidos lugares na sociedade.

37 Ver Lipovetsky (2004).

Mas, com o passar do tempo, essas estruturas sociais foram perdendo grande parte de seu domínio sobre o sujeito, este, cada vez mais autônomo, desprende-se dessas instituições e passa a exercer um maior controle sobre suas decisões e atitudes perante a sociedade. A partir das análises de Lipovetsky (2004), foi possível perceber a mudança existente no paradigma dessas relações. Para ele, tais mudanças estão inter-relacionadas ao processo de expansão do consumo no capitalismo e dos valores por ele propagados. E em seu estudo, o fator responsável pela passagem da modernidade à pós-modernidade foi a difusão do consumo em massa, permitida pelo desenvolvimento industrial e a produção em série. É essa passagem o que demarcaria a primeira fase do consumo no capitalismo moderno – final do séc. XIX e primeira metade do séc. XX – e daria à modernidade seu sentido pós-moderno.

O sentido que Lipovetsky atribui à “pós-modernidade” é que esta seria apenas um curto momento de transição, em que serviu para nomear o período de transformações por que passava a sociedade no último meio século. Para ele, o que se convencionou chamar pós-moderno, sinalizava a descompressão social com o enfraquecimento das estruturas institucionais. Segundo ele, hoje, o rótulo pós- moderno está caduco e o período que se anuncia solicita um novo prefixo: a hipermodernidade. (LIPOVETSKY, 2004, p. 52).

Nesse momento, segundo Lipovetsky (2004), novos referenciais são estabelecidos ao sujeito e a conduta disciplinadora da modernidade perde pouco a pouco seu espaço. Com a lógica do consumo difundida na sociedade, o sujeito ganha autonomia e uma revolução cotidiana toma conta das esferas sociais como um todo. A queda dos regimes totalitários, as duas grandes guerras, e os demais acontecimentos que marcaram, principalmente, a primeira metade do séc. XX, não dão conta de explicar toda a transformação sofrida no conjunto da sociedade.

Segundo o autor,

As desilusões, as decepções políticas, não explicam tudo: houve simultaneamente novas paixões, novos sonhos, novas seduções que se manifestaram dia após dia, sem grandiloqüência, é verdade, mas onipresentes e afetando o maior número de pessoas. Eis o fenômeno que nos modificou: é com a revolução do cotidiano, com as profundas convulsões nas aspirações e nos modos de vida estimuladas pelo último

meio século, que surge a consagração do presente. (LIPOVETSKY, 2004, p. 59).

Para Lipovetsky (2004), a lógica da moda, essencialmente mutante e efêmera, é um elemento primordial para a compreensão da difusão e permanente busca pelo consumo que move a dinâmica capitalista. Mas essa lógica só se expandiu ao conjunto da sociedade na segunda fase do capitalismo moderno, de onde emergiu uma cultura cada vez mais voltada ao presente. O consumo é alimentado pela lógica da produção e a busca pelo novo, sendo propagado pelo refinamento dos meios de comunicação, do marketing e da publicidade. Além disso, com essa difusão, entramos num momento muito preciso em que se vê,

[...] ampliar-se a esfera da autonomia subjetiva, multiplicarem-se as diferenças individuais, esvaziarem-se de sua substância transcendente os princípios sociais reguladores e dissolver-se a unidade das opiniões e dos modos de vida. (LIPOVETSKY, 2004, p. 19).

É precisamente nesse período que a modernidade ganha seu sentido pós-moderno, época em que as estruturas disciplinares vão perdendo autonomia para o sujeito, o qual encontra-se desprendido e apto a desfrutar de uma maior liberdade individual. Atualmente vê-se, em boa medida, uma liberação e flexibilização dos costumes, o que garante ao sujeito maior autonomia em face às estruturas socializantes de outrora.

A pós-modernidade representa o momento histórico preciso em que todos os freios institucionais que se opunham à emancipação individual se esboroam e desaparecem, dando lugar à manifestação dos desejos subjetivos, da realização individual, do amor próprio. (LIPOVETSKY, 2004, p. 23).

Entretanto, é válido ressaltar que a pós-modernidade para Lipovetsky não passa de um período de transição, o qual estava longe de romper em definitivo com as máximas modernas. Para o autor, os pilares em que se assentava a modernidade: o mercado, a eficiência técnica e o indivíduo, se encontram consumados nos dias de hoje. Estes três axiomas da modernidade estavam restritos, de certa forma, às grandes estruturas que regiam a modernidade, como o Estado, a Igreja e a família, por exemplo. Atualmente, as máximas de flexibilização e

autonomização dos indivíduos fazem com que aqueles pilares se efetivem, saindo do plano utópico ao prático. “Tínhamos uma modernidade limitada; agora, é chegado o tempo da modernidade consumada”. (LIPOVETSKY, 2004, p. 54).

É por esse motivo que o momento que vivenciamos atualmente, na leitura de Lipovetsky, é a hipermodernidade. Passada a descompressão do sujeito, proclamada pela pós-modernidade, o que se anuncia hoje é, em suas palavras, a “modernidade elevada à potência superlativa”. (LIPOVETSKY, 2004, p. 53). Nas palavras do autor,

Ao clima de epílogo segue-se uma sensação de fuga para adiante, de modernização desenfreada, feita de mercantilização proliferativa, de desregulamentação econômica, de ímpeto técnico-científico, cujos efeitos são tão carregados de perigos quanto de promessas. (LIPOVETSKY, 2004, p. 53).

Lemos (2002, p. 66) também enxerga a modernidade como expressão “da existência de uma mentalidade técnica, de uma tecno-estrutura e de uma tecnocultura que se enraíza em instituições, incluindo toda a vida social na burocratização, na secularização da religião, no individualismo e na diferenciação institucionalizada das esferas da ciência, da arte e da moral”. Para ele, a ideia de uma pós-modernidade também culmina na segunda metade do século XX, mediante a expansão da sociedade de consumo e das mídias de massa (mass media), estando todos esses fatores associados à queda das meta-narrativas modernas, da noção de razão e de progresso.

No decorrer do estudo foi observada a relação existente entre a publicidade dos sujeitos possibilitada pela Internet e o crescente processo de personalização a que foram submetidos, desde o enfraquecimento das instituições normativas que regiam as relações entre os indivíduos, na modernidade.

Dando continuidade a essa discussão, tem-se que, Maffesoli (2004) define o conceito de socialidade em oposição ao conceito de sociabilidade, onde, para o autor, a socialidade é característica das relações sociais efetivadas no ambiente cibernético, as quais são desprovidas de institucionalidade. Já na sociabilidade, conforme sua acepção, as relações seriam pautadas pelo regramento

institucional e pela fixação do sujeito em torno de uma função, e estas estruturas estariam conformadas ao contexto da modernidade.

No ambiente da Internet, vê-se a manifestação de subjetividades, as quais revelam gostos, atitudes e preferências dos sujeitos que interagem no ciberespaço, bem como a difusão de novas formas de relação social. Estes indicadores se dão em consequência da perda de autoridade das antigas estruturas socializantes – como a família, por exemplo – em face da crescente autonomia do indivíduo. Não que a perda de autoridade daquelas instituições tenham ocasionado na difusão dessas novas formas de relação. O que se pretende expor é que as mudanças paulatinas que vieram transformando a sociedade no transcurso do tempo, mediante a expansão do consumo, da globalização e, inclusive, do esboroamento das instituições tradicionais de socialização, possibilitaram uma maior autonomia do sujeito. Daí o caráter desinstitucional ser atribuído às formas de inter- relação no âmbito das novas tecnologias, por possibilitarem aos sujeitos laços fluídos e sem uma maior dependência significativa – as estruturas socializantes encontram-se diluídas, não mais centralizadas na figura da família, da escola, ou do Estado.

Ao tomar-se o fenômeno dos portais de relacionamento social da Internet como referência, verifica-se uma forte evidência desse ganho de autonomia por parte do sujeito. Esses portais veiculam conteúdos subjetivos de seus mantenedores e, além disso, são espaços de construção de vínculos afetivos, ainda que virtuais. Estas relações independem de uma norma institucional pré-estabelecida, e os vínculos são mais fluidos e flexíveis.

Estas prerrogativas servem para contextualizar a mudança sofrida nos códigos de conduta e valoração da sociedade no decorrer do tempo, tendo como elemento fundamental o caráter institucional e disciplinador que regia a sociedade moderna, ao contrário das relações desinstitucionalizadas e flexíveis em que se baseiam as relações atuais, sobretudo no contexto das novas tecnologias de comunicação.