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7 SOCIABILIDADE: INTERAÇÃO E VIDA SOCIAL NA

7.4 O papel da confiança no desenvolvimento das relações

Sennett definiu que as relações sociais no contexto das grandes cidades exigiam do cidadão a revelação de características de sua personalidade para efetivar vínculos com os outros. Diante disso, surge a necessidade de introduzir no teor da discussão uma leitura à respeito da categoria confiança, e como ela está relacionada com o desenvolvimento das relações sociais contemporâneas. Por isso, é necessário incluir aqui a interpretação que Giddens (1991) nos fornece a respeito do seu desenvolvimento, e como a confiança é um elo importante para estabelecer as relações sociais que passaram a ser formadas no contexto das sociedades modernas.

De acordo com Giddens (1991), os modos de vida advindos com a modernidade proporcionaram um rompimento com os modos de vida tradicionais. Segundo o autor, estas transformações trouxeram consigo mudanças tanto do ponto de vista extensional como intensional. Extensional porque trouxeram formas de interconexão social em nível global. Intensional porque modificaram padrões de vivência cotidiana nos níveis íntimo e pessoal. Conforme o autor, estas mudanças fazem parte de um processo de descontinuidade, o qual separa as instituições sociais tradicionais das modernas. Para Giddens,

Devemos olhar com alguma profundidade como as instituições modernas tornaram-se “situadas” no tempo e no espaço para identificar alguns dos traços distintivos da modernidade como um todo. [...]. Temos que dar conta do extremo dinamismo e do escopo globalizante das instituições modernas e explicar a natureza de suas descontinuidades em relação às culturas tradicionais. (GIDDENS, 1991, p. 28).

Giddens definiu características importantes dentro do processo de descontinuidade que implicou na ruptura com os modos de vida tradicionais. Em sua leitura, essas relações estavam assentadas em contextos locais, e dependentes do tempo e do espaço para acontecerem. Com o advento da modernidade, as transformações dela provenientes trouxeram uma reestruturação dessas relações, possibilitando sua independência em relação a tempo e espaço. Por esse motivo, Giddens (1991) classifica como “desencaixadas” as relações formadas sob o signo da modernidade porque são distanciadas dos contextos locais de interação.

Desta forma, o desenvolvimento das instituições modernas, para Giddens (1991), se deu em virtude do que ele denomina de “mecanismos de desencaixe”. Para ele, são dois os mecanismos responsáveis pela reestruturação dessas relações: sistemas peritos e fichas simbólicas. O primeiro relaciona-se à divisão do trabalho nas sociedades modernas, cuja complexidade demanda um maior nível de diferenciação e especialização das atividades. Já o segundo “são meios de intercâmbio que podem ser „circulados‟ sem ter em vista as características específicas dos indivíduos ou grupos que lidam com eles em qualquer conjuntura particular” (GIDDENS, 1991, p. 29). Como principal exemplo desse mecanismo Giddens cita o dinheiro.

Diante dessa caracterização, importa ressaltar que ambos os mecanismos de desencaixe citados por Giddens como diretamente envolvidos no desenvolvimento das instituições modernas dependem da confiança. Conforme Giddens,

[...] em condições de modernidade, a confiança existe no contexto de: consciência geral de que a atividade humana é criada socialmente, e não dada pela natureza das coisas ou por influência divina; e do escopo transformativo amplamente aumentado da ação humana, levado a cabo pelo caráter dinâmico das instituições sociais modernas. (GIDDENS, 1991, p. 32)

A categoria confiança, no pensamento de Giddens, está relacionada à ausência no tempo e no espaço, tendo em vista que o desenvolvimento das relações, na modernidade, foi mantido em função deste distanciamento, a confiança torna-se fonte necessária para que os mecanismos de desencaixe desenvolvam-se plenamente. “Em condições de modernidade, relações de confiança são básicas para o distanciamento espaço-tempo”. (GIDDENS, 1991, p. 89).

Como foi dito, com o desenvolvimento das instituições modernas, as relações entre as pessoas necessitam da confiança para se firmarem. Giddens também afirma que nas relações de cunho pessoal, a confiança também ganha papel específico e prioritário. Conforme o autor esclarece,

A confiança pessoal torna-se um projeto, a ser “trabalhado” pelas partes envolvidas, e requer a abertura do indivíduo para o outro. Onde ela não pode ser controlada por códigos normativos fixos, a confiança tem que ser ganha, e o meio de fazê-lo consiste em abertura e cordialidade demonstráveis. Nossa preocupação peculiar com “relacionamentos”, no sentido em que a palavra é agora tomada, é expressiva deste fenômeno. Relacionamentos são laços baseados em confiança, onde a confiança não é pré-dada mas trabalhada, e onde o trabalho envolvido significa um processo mútuo de auto-revelação. (GIDDENS, 1991, p.123).

Por isso, o entendimento desse processo é parte importante para a compreensão das relações mútuas de intimidade entre os participantes dos sítios de relacionamento virtual. Inseridos num contexto em que possuem a possibilidade de se apresentar ao conhecimento dos outros numa nova plataforma de interação – independente de tempo e espaço para se firmar – e que combina rapidez e

disposição das informações em esfera mundial, uma análise que leve em consideração o desenvolvimento das instituições modernas é necessária.

Ainda de acordo com Giddens (1991, p. 176), todas as características envolvidas nessa transformação não são “[...] uma expressão de fragmentação cultural ou da dissolução do sujeito num „mundo de signos‟ sem centro. Trata-se de um processo simultâneo de transformação da subjetividade e da organização social global [...]”.

As relações efetivadas na dimensão virtual e a consequente publicação da personalidade do sujeito neste ambiente é um reflexo da enorme importância da categoria confiança nesse processo de mútua revelação. E a interpretação do significado dessa mostra de personalidades no contexto atual é por demais relevante. Cabe, portanto, pensar de maneira mais detida sobre os processos que envolvem a transformação da subjetividade do sujeito contemporâneo. A estrutura da análise fornecida por Giddens sobre o processo de transformação que moldou a sociedade moderna torna-se fonte indispensável para se pensar na evolução das plataformas de interação existentes na sociedade atual, tendo em vista o fluxo global de informações que faz parte, cada vez mais, do cotidiano de um número crescente de pessoas.

O estudo de Giddens sobre o desenvolvimento das instituições modernas, o qual se relaciona com a transformação das relações que outrora eram efetivadas nas sociedades tradicionais, viabilizou uma melhor interpretação das relações não mais situadas em contextos de co-presença. Além disso, a introdução da categoria confiança permite que se possa compreender o elo que estabelece o desenvolvimento das relações atuais, as quais transcendem os limites espaço- temporais, que eram condição indispensável ao desenvolvimento das relações tradicionais.