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3 OS PORTAIS DE RELACIONAMENTO SOCIAL

3.1 O Orkut

3.1.2 Observações e experiências com o Orkut

Minha constatação do crescimento da popularidade das redes sociais no Brasil veio informalmente, quando percebi que o Orkut passou a ser objeto de revistas de notícias. Além disso, houve o disse-me-disse de amigos que possuíam perfis publicados no portal. O conhecimento das estatísticas oficiais ratificou minha

17 No blog oficial não é divulgado o total de usuários em números absolutos, apenas em

porcentagem.

percepção apriorística, e fez com que aflorasse em mim o desejo de investigar a dimensão sócio-cultural desse fenômeno.

Além dessas primeiras constatações, em minha pesquisa para o trabalho de conclusão do curso de Ciências Sociais, trabalhei o tema dos diários íntimos publicados na Internet, os blogs. Em 2005, no início da pesquisa sobre o diarismo virtual, a utilização do Orkut ainda era incipiente, mas, ao longo do estudo, fui percebendo sua ascensão e rápida difusão entre o público adolescente e adulto. Essa percepção se deu pelo fato de que os informantes da pesquisa passaram a me questionar se eu participava do Orkut para que pudesse manter um contato mais “facilitado”19

com eles. Foi então que decidi participar do site de relacionamentos, e pude, a partir disso, constatar sua dinâmica de interatividade social.

Depois da conclusão do estudo sobre o diarismo virtual, o perfil que mantinha no Orkut ficou inativo, pois não costumava acessá-lo, e quando o fazia não publicava muitas informações a meu respeito. Uma imagem da poetisa Florbela Espanca era utilizada para identificar meu perfil, além do meu e-mail, e algumas comunidades sobre sociologia. Porém, ao iniciar a pesquisa atual, tive de reativar o uso do meu perfil, e realizar observações ao portal, o que se daria mediante participação mais efetiva no site.

Durante o desenvolvimento da pesquisa, adotei um diário de campo, visando registrar os acessos que fazia ao site de relacionamentos alvo do meu recorte empírico. E a partir de novembro de 2008 dei início às observações ao portal de relacionamentos. Essas observações foram adquirindo um caráter sistemático, e através da adoção do diário de campo, pude registrar ações que mereciam destaque, bem como atitudes corriqueiras de seus usuários. Nesse diário também registrei impressões acerca do campo, notícias que eram publicadas a respeito do portal e conversas que tenho com pessoas que utilizam o site. Todos esses procedimentos estão metodologicamente ancorados no método da etnografia, o qual posteriormente será discutido.

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Os participantes da pesquisa sobre o diarismo virtual consideravam mais rápido retornar recados e comunicações postadas no Orkut, pois o acessavam com maior freqüência do que a seus e-mails pessoais. Era comum eu lhes enviar e-mails e passar de três a cinco dias sem resposta, ao passo que quando passei a deixar-lhes recados via Orkut a resposta vinha após alguns minutos.

Durante essa observação atenta e (des)atenta, que se deu através de vivências e experiências no campo virtual e fora dele, pude constatar que o método etnográfico permite, de acordo com a visão de Laplantine, “dar lugar também a uma atitude de deriva [...], de disponibilidade e de atenção flutuante que „não consiste apenas‟ em ficar atento, mas também e, sobretudo em ficar desatento, a se deixar abordar pelo inesperado e pelo imprevisto”. (LAPLANTINE, 2004, p.18).

E foi a partir dessa participação que pude constatar, e vivenciar, alguns dos relatos e experiências dos informantes da pesquisa; assim como perceber melhor de que forma se dão as interações no site. A partir de então, passei a publicar informações mais detalhadas no meu perfil, como estado civil, filmes preferidos, atividades, paixões etc. Também vi a necessidade de colocar minha foto para identificar meu perfil, assim como publicar alguns álbuns com fotografias pessoais, a fim de minimizar, junto aos participantes da pesquisa, possíveis dúvidas com relação a minha identidade, que poderia correr o risco de ser confundida com um perfil falso.

Todas essas publicações serviram para me tornar uma participante mais atenta à dinâmica do Orkut, podendo captar suas funções e usos mais corriqueiros. Quando passei a publicar fotografias, notei que várias pessoas, das que estavam relacionadas à minha rede de amigos no site, passavam a visitar meu perfil a fim de conferir as fotos postadas. Isto porque o Orkut avisa quando alguém que faz parte de sua rede de contatos publica algo novo. Percebi que essa simples ação trazia pelo menos um grande impacto: o aumento dos visitantes ao meu perfil. Um outro impacto que pode ser apontado é o número de comentários que a fotografia postada recebe, pois é possível realizar comentários nas fotos publicadas no portal.

Foram situações como estas que me tornaram uma participante mais efetiva do site, assim como me habilitaram a analisar melhor as situações de interação e publicização que a todo momento impulsionam as relações por ele mediadas. Além das observações realizadas no ambiente virtual, através da participação no site, não fugiram à minha percepção situações ocorridas em meu cotidiano, provenientes dos círculos sociais que frequento. É comum notar comentários que surgem sobre o Orkut na conversa dos amigos, como: “você já

colocou aquelas fotos no Orkut?”; “me procura no Orkut e me adiciona”; “me manda um recado, que a gente combina”.

Publicar informações ou registros fotográficos dos detalhes e acontecimentos de minha vida pessoal era uma atividade que não me interessava, até a realização da pesquisa. Apesar de estar inserida numa cultura gestada sob o fascínio das novas tecnologias, minha conduta pessoal oferecia certa resistência a esse tipo de expressão. Entretanto, é válido observar que o pesquisador, essencialmente aquele que faz uso da etnografia, “deve ser capaz de viver no seu íntimo a tendência principal da cultura que está estudando”; assim como “impregnar- se dos temas obsessivos de uma sociedade, dos seus ideais, de suas angústias”. (LAPLANTINE, 2004, p. 22).

A experiência de Evans-Pritchard evidencia bem essa atitude dos antropólogos face sua leitura e vivência em campo:

[...] Quando estive com os Nuer, não me interessava de forma particular pelo gado, mas eles sim, de tal forma que, de bom ou mal grado, tive que me interessar pelo gado também. Precisaria eventualmente adquirir uma manada pessoal para que me aceitassem ou, pelo menos, que me tolerassem. (EVANS-PRITCHARD apud LAPLANTINE, 2004, p. 23).

Desta forma, fazer parte do contexto que observava era necessário à pesquisa e ao entendimento dos valores, motivações e interesses daqueles que ora participam de recursos de interatividade e expressão, como os portais de relacionamento social.

A forma de interação proporcionada pelo site dá às pessoas, muitas vezes distantes em tempo e espaço, uma forma de relacionamento até então não vista em termos de rapidez e acesso às informações. Mesmo que esse modelo não se perpetue e seja suplantado por outra tecnologia, ele redimensionou sobremaneira o modo como as pessoas se relacionam. Tendo como suporte essa vivência, pude descrever e compreender de maneira mais aprofundada as principais funções do portal, assim como sua estrutura visual. Com base nessa experiência, o próximo item traz a descrição das principais funcionalidades do site.