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4 A PESQUISA NA INTERNET: DESAFIO E CRIATIVIDADE

4.3 A leitura do campo e o contato com os informantes

4.3.1 Procedimentos metodológicos

As primeiras observações realizadas no portal de relacionamentos selecionado ainda não possuíam um caráter sistemático. No entanto, a partir da adoção de um diário de campo e de uma participação mais ativa no portal, percebi a necessidade de ouvir o que os usuários tinham a dizer sobre o Orkut. Foi então que decidi, entre o final do mês de dezembro de 2008 e início do mês de janeiro de 2009, realizar algumas entrevistas com o objetivo de colher informações e impressões preliminares sobre o campo, baseadas na experiência de possíveis sujeitos da pesquisa.

Nesse primeiro momento, visando uma coleta segura de informações pertinentes acerca do universo investigado, e condizentes com os objetivos da

pesquisa, dei início às abordagens aos informantes, tendo como base um roteiro de entrevista semi-estruturado, ainda preliminar25.

Esses depoimentos iniciais e a coleta de opiniões a respeito do site foram bastante proveitosos para que pudesse preencher lacunas em minha observação, e poder elaborar o roteiro definitivo para as próximas entrevistas. Essa “escuta” do campo permitiu tornar mais clara a leitura inicial que estava fazendo, abrindo caminhos e possibilidades de uso do portal que me eram desconhecidas.

A opção por realizar entrevistas em profundidade se deu por entender que este recurso seria o mais adequado à captação dos depoimentos dos informantes, tendo em vista que estes seriam indagados sobre suas práticas, atitudes e opiniões acerca do uso que fazem do portal de relacionamentos alvo do recorte empírico da pesquisa.

Duarte (2004) entende que as

Entrevistas são fundamentais quando se precisa/deseja mapear práticas, crenças, valores e sistemas classificatórios de universos sociais específicos, mais ou menos bem delimitados, em que os conflitos e contradições não estejam claramente explicitados. Nesse caso, se forem bem realizadas, elas permitirão ao pesquisador fazer uma espécie de mergulho em profundidade, coletando indícios dos modos como cada um daqueles sujeitos percebe e significa sua realidade e levantando informações consistentes que lhe permitam descrever e compreender a lógica que preside as relações que se estabelecem no interior daquele grupo […]. (DUARTE, 2004, p. 215).

A seleção dos primeiros informantes foi realizada a partir da indicação, por pessoas que eu já conhecia, de participantes que utilizavam o portal de relacionamentos Orkut. A primeira entrevista que realizei foi com uma jovem de 27 anos, amiga de minha irmã, que utiliza bastante o portal. Sei de seu frequente uso devido a sua convivência com meus parentes, e também por escutar de minha irmã que sua amiga está sempre na expectativa de receber algum recado novo ou verificar as visitas que foram feitas ao seu perfil.

Através desse primeiro contato, visando ouvir dos sujeitos as opiniões que tinham sobre o portal, pude dirigir melhor meu olhar ao site de relacionamentos.

A partir de então, agendei outra conversa com uma pessoa de meu círculo de amizades, escolhida devido ao meu conhecimento de sua utilização frequente do

site.

Depois disso, pedi que uma outra colega me indicasse dois de seus amigos para que pudessem me conceder uma entrevista. Pedi a indicação de dois homens pelo fato de já ter conversado com duas mulheres. Ela me passou os e-

mails deles e entrei em contato para agendar uma conversa sobre o Orkut através

do aplicativo de conversas instantâneas MSN Messenger.

As duas primeiras entrevistas, realizadas no local de trabalho das informantes, não foram gravadas, pois elas não concordaram com a gravação. Deste modo, à medida que iam falando eu anotava. Já as duas últimas, realizadas pelo MSN, possuem a vantagem de poder ser salvas no computador, preservando as falas integrais dos informantes, e sem a necessidade de posterior transcrição. Para a realização das entrevistas não presenciais, tive o cuidado de agendar com os informantes um horário para sua realização, explicando-lhes que se tratava de uma entrevista e que a conversa necessitaria de uma atenção bem direcionada ao assunto tratado.

O Orkut foi reconhecido pelos primeiros quatro informantes como sendo uma ferramenta para reencontrar amigos e reaproximar amizades já existentes, definições estas que não se distanciaram das que foram obtidas nas entrevistas posteriores. Também afirmaram ser possível conhecer melhor uma pessoa através do perfil publicado no site. Selecionei a fala abaixo como exemplo dessa afirmação:

Esses sites de relacionamento proporcionam que seja mantido contato a qualquer hora do dia e da noite com o amigo ou a pessoa procurada..., permite ainda que se conheça melhor o outro, seus interesses etc. [...] Depois observando os interesses e características que a pessoa declara em seu perfil. A partir das informações declaradas e comunidades participantes é possível de uma certa forma presumir algo quanto à personalidade da pessoa e o estilo de vida que ela leva. (Daniel26, 31 a 35 anos).

A falta de privacidade e exposição excessiva da vida pessoal é a maior desvantagem em ter um perfil publicado no Orkut, segundo os entrevistados. Um dos informantes, Mateus, considera mesmo que haveria “invasão de privacidade”. Por mais contraditória que pareça, essa opinião é recorrente entre os entrevistados. Houve apenas uma exceção: Carolina, cuja opinião foi bastante enfática: “quer privacidade, saia do Orkut!”

Uma informação que obtive de dois dos informantes foi o uso do portal de relacionamentos para fins comerciais. Por exemplo, Carolina contou-me que possuía um “Perfil Brechó” que compartilhava com duas outras amigas. Conforme sua experiência no assunto, perfis desse tipo são comuns no portal, e ela afirmou que possuía uma clientela razoável na rede. Um outro caso foi o de Mateus: iniciante no negócio de Lan houses, criou uma comunidade voltada para donos desses estabelecimentos a fim de trocar experiências sobre o ramo. Segundo ele, rapidamente a comunidade cresceu e despertou o interesse de uma loja de produtos de informática. Mediante esse interesse, a loja lhe fez uma proposta de compra dos direitos de moderação da comunidade27, visando ter um acesso a potenciais

clientes. Apesar do portal proibir a realização de atividades comerciais em sua rede, é fácil constatar que essa prática é comum entre seus usuários.

Como já foi mencionado, no Orkut também existem recursos que permitem aos seus usuários controlar o acesso aos seus perfis, evitando que pessoas alheias aos seus círculos de amizade tenham acesso a fotografias, recados, vídeos etc. Uma das perguntas que fiz aos informantes se referia à utilização desses recursos. Todos disseram não utilizá-los, mas a maioria disse considerar útil essa tecnologia oferecida pelo portal. Também perguntei-lhes sobre suas opiniões ao se depararem com perfis restritos; não foi surpresa a revelação do sentimento de frustração que eles disseram ter quando encontravam restrição ao acesso de maiores detalhes sobre o perfil da pessoa que estavam procurando.

A possibilidade de realizar esses contatos prévios foi essencial para que eu pudesse, a partir de então, traçar estratégias de abordagem junto aos futuros

27 Segundo Mateus, a compra se dá pela oferta de uma quantia, pelo interessado. Havendo

concordância no valor, a senha de acesso à comunidade é fornecida, para que o comprador possa, a partir de então, moderá-la.

informantes da pesquisa, bem como aprofundar pontos e questões carentes de respostas mais nítidas. Essa primeira abordagem também possibilitou a elaboração do roteiro de entrevista definitivo, o qual contemplou, de forma mais específica, os objetivos da pesquisa.

b) Segundo momento da pesquisa

Após a obtenção dos primeiros depoimentos para a pesquisa, parti para a identificação de novos informantes, os quais seriam submetidos a entrevistas com base no roteiro definitivo. Como critério para seleção desses informantes, utilizei a técnica da “bola de neve”: a partir da seleção de “pessoas-chave”28 para o

fornecimento de primeiros contatos, selecionei os participantes da pesquisa, os quais indicaram novos participantes. Neste segundo momento, foram abordadas seis pessoas: três homens e três mulheres. E todas as entrevistas foram realizadas presencialmente, mediante autorização da gravação da conversa pelos informantes.

A quantidade de participantes da pesquisa, por se tratar de uma abordagem qualitativa, foi definida com base no critério de saturação dos dados, obtidos através dos depoimentos e falas dos sujeitos investigados; tendo em vista que “a finalidade real da pesquisa qualitativa não é contar opiniões ou pessoas, mas ao contrário, explorar o espectro de opiniões, as diferentes representações sobre o assunto em questão”. (GASKELL, 2003, p. 68).

Para a análise do material empírico obtido através do depoimento dos informantes há que se atentar para o cuidado com o tratamento dado às falas, bem como com a interpretação que o pesquisador dará a esses discursos. Sendo assim, é necessário deixar claro que há o reconhecimento da interferência da subjetividade do pesquisador nesse processo, o que, entretanto, não inviabiliza a confiabilidade dos dados obtidos, nem prejudica o conteúdo de sua análise. De acordo com Duarte (2004, p. 216), “precisamos estar muito atentos à interferência de nossa

28 Denominei “pessoas-chave”, aqueles com quem mantenho contato e que utilizam o Orkut com

subjetividade, ter consciência dela e assumi-la como parte do processo de investigação”. Faz-se pertinente ressaltar que

A subjetividade, elemento constitutivo da alteridade presente na relação entre sujeitos, não pode ser expulsa, nem evitada, mas deve ser admitida e explicitada e, assim, controlada pelos recursos teóricos e metodológicos do pesquisador, vale dizer, da experiência que ele, lentamente, vai adquirindo no trabalho de campo. (ROMANELLI, 1998, p. 128 apud DUARTE, 2004 p. 216).

Na realização de uma pesquisa estão envolvidos diversos pressupostos, tanto teóricos como metodológicos, que orientam a postura do pesquisador diante do contexto que analisa. No que se refere à pesquisa qualitativa, a noção de que sujeito e objeto fazem parte de uma relação tensional e compartilham experiências mútuas acerca do campo é uma premissa para a qual o pesquisador deve estar atento. Deste modo, é imprescindível assumir a autoria de seu trabalho, uma vez que é ele o responsável pelo tratamento analítico do material obtido; isso não significa, porém, minimizar a importância do olhar dos informantes em relação ao contexto observado. Duarte (2004) ressalta que o ponto de partida do pesquisador

[…] será sempre aquilo que o informante lhe diz, pois isso é sua matéria- prima. Porém, produtos da cultura, sejam industriais, acadêmicos ou artísticos, não são apresentados enquanto matérias-primas – para que sejam produto, tem que haver trabalho, investimento, modificações, supressões, manufatura. Portanto, não cabe supor que relatórios de pesquisa ou teses de doutorado devam funcionar tão somente como 'caixas de ressonância' de falas alheias, cadeias de transmissão de idéias e reivindicações de grupos 'sem voz' no meio acadêmico. (DUARTE, 2004, p. 218).

É necessário, portanto, deixar claro os procedimentos e pressupostos que me guiaram na condução deste estudo, objetivando explicitar os caminhos percorridos na árdua, porém prazerosa, estrada da pesquisa.