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4 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

4.2 A BUSCA PELA REALIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA

4.2.2 A valorização da Honra e do Ser Humano no Brasil

O contexto de desvalorização da dignidade moral do ser humano avançou no Brasil ao longo de sua história. Desde sua descoberta, índios foram tomados para mão de obra e a escravidão perdurou por muito tempo por distinção de raça.

117 “Mesmo que parte da doutrina considere relativa e contestável, em termos gerais, a classificação

entre tratados-lei e tratados-contrato, pelo menos para a determinação dos critérios interpretativos aplicáveis a uma e outra espécie de tratado sua validade é afirmada”. Para maior aprofundamento ver OLIVEIRA, Renata Fialho de. Interpretação e Aplicação de Convenções Internacionais em matéria

Substantiva, Processual e Conflitual. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2014. p. 89-91.

118 “Em função das características dos tratados-contrato e da importância da identificação da vontade

das partes no processo interpretativo, aplica-se para interpretação critérios que valorizem a interpretação subjetiva”. Ibidem, p.90.

119 GABSCH, Rodrigo D’Araújo. Aprovação de Tratados Internacionais pelo Brasil: Possíveis

Por não serem facilmente subordinados, os índios não eram bons escravos, papel que ficou para os negros africanos que vieram em navios negreiros para serem explorados em nosso país.

De acordo com Lopes120, quando a escravidão estava acabando na Europa ocidental, iniciava-se na América. Na escravidão moderna, observa-se algumas marcas distintivas: quanto ao regime de produção ela se insere no pacto colonial de produção das grandes fazendas de produtos de exportação. Quanto aos sujeitos da escravidão sua marca mais forte será a exclusividade étnica: negos africanos e indígenas.

Os negros eram tratados como propriedade e não tinham qualquer tipo de respeito quanto ao seu aspecto moral e, sendo vistos como “coisa”, eram sujeitos a trabalhos não remunerados, sofriam humilhações, estupros, torturas, chibatadas e sequer podiam demonstrar sua insatisfação com o tratamento desumano que lhes era direcionado para não sofrerem penas maiores.

Por conseguinte, mesmo com a abolição da escravatura em 13 de maio de 1888, isso não significou que essa parte do povo brasileiro passou a ter sua dignidade moral respeitada em todos os aspectos. No geral, governo após governo, instalou-se no país a ditadura militar, inspirada no pós-guerra, quando buscou-se a tomada do poder e para tanto, práticas de torturas e perseguições não foram poupadas, desprezando assim os aspectos morais do povo.

No período pós-guerra, o Brasil também viveu à sombra da ditadura e, de acordo com Rezende121, as liberdades foram cerceadas dos indivíduos. Perseguições, torturas, toque de recolher, tudo isso fez parte das ações do governo militar objetivando coibir o livre exercício dos direitos da população no chamado terror em nome de uma suposta democracia.

Em 13 de dezembro de 1968 passou a vigorar o Ato Institucional nº 05, o qual significava a implantação do estado de terror em nome da continuidade e do aprimoramento da ordem institucional. O executivo passava a ter poderes para

120

LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 322.

121 “No ano de 1968 a partir do AI-5 – verificou-se a implantação de uma estratégia de terror

implantada pelo Estado com o endurecimento político do Governo Costa e Silva e da preponderância cada vez maior da linha dura no interior do aparelho de Estado. [...] Prevalecia o arbítrio para tanto, valia o uso da repressão e da tortura”. Para um maior aprofundamento do tema verificar em REZENDE, Maria José de. A Ditadura Militar no Brasil: Repressão e Pretensão de Legitimidade. 1964-1984. Londrina : Eduel, 2013. p.89.

intervir em todas as esferas da sociedade. Institucionalizava-se a tortura e outras formas de repressão.

Conforme relata Rezende122, foram muitas as limitações sofridas pelo povo que lutou pela concretização de uma nova Constituição Federal que abraçasse os verdadeiros anseios do povo, dignificando o indivíduo e reconhecendo seus valores morais e, após muitas lutas e muito sofrimento, finalmente foi realizada a Assembleia Geral Constituinte que promulgou a Constituição Federal de 1988.

Nela, as liberdades agora eram trazidas de forma que o povo, por exemplo, através do impeachment poderia inclusive retirar o Presidente da República que não estivesse atendendo aos anseios do povo.

A Constituição de 1988 traz como centro não mais o patrimônio e os contratos que eram bastante valorizados no Código Civil de 1916, mas sim o ser humano em si, e a dignidade da pessoa humana passou a ser um vetor de onde irradiam todos os demais princípios.

Nessa esteira, assevera Soares123 que o sistema constitucional do Brasil foi influenciado por tendências abolicionistas buscando emancipar o ser humano mediante sua dignidade intrínseca, mormente com o advento da Constituição Federal de 1988, concebida no contexto político-social de redemocratização do país, após o longo período autocrático da ditadura.

Nesse novo paradigma, os princípios passam a ter um valor muito maior e a lei uma interpretação voltada para a dignidade humana, ou seja, não basta o que está escrito simplesmente na lei, é preciso interpretá-la, de forma que, até a Segunda Grande Guerra Mundial, a teoria jurídica vivia sob a influência do Estado Legislativo, onde a Lei e o Princípio da Legalidade eram as únicas fontes de legitimação do Direito, na medida em que uma norma jurídica era válida não por ser justa, mas sim, por haver sido posta por uma autoridade.

É o que deixa claro Lassale, o mesmo elucida que não adianta o que está escrito em uma folha de papel e que por mais leis que existam, são as aspirações de

122

Ibid., p. 93.

123

SOARES, Ricardo Maurício Freire. Elementos da Teoria Geral do Direito. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 255.

um povo que devem criar a lei, e se assim não for, a Constituição de um país nada mais será que uma mera folha de papel124.

Nessa esteira, conquistas sociais foram alcançadas na busca pela democracia e com a Constituição Federal de 1988; os anseios sociais foram atendidos de forma que foram superadas muitas explorações que eram cometidas até então fruto da ditadura militar.

Com o Neoconstitucionalismo, a Constituição passa a ser o centro de onde irradiam os parâmetros de todas as demais normas, além do que, os princípios passaram a ser efetivamente reconhecidos e a dignidade da pessoa humana traz um norte valorativo aos direitos morais do indivíduo.

Até a concretização desse sonho, muitos movimentos foram realizados e rechaçados pelo governo que limitava a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa, a liberdade de locomoção e muitos movimentos que vivenciamos nos tempos atuais eram tidos como agrupamentos criminosos.

Como o exemplo dos movimentos grevistas e estudantis, que de acordo com Rezende125, eram tidos como clandestinos e ilegais pelo Estado Militar. Greves bancárias, movimentos de sem terra e de metalúrgicos em Minas Gerais em outubro de 1968, eram vistas como atentados à ordem institucional.