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2 APORTES TEÓRICOS

2.3 A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA

Esta seção tem por objetivo definir, diferenciar e caracterizar expressões adotadas pela Sociolinguística, assim como apontar seu objeto de estudo. Traz ainda definições pertinentes e relevantes relacionadas à norma culta e à variação, além de apresentar a importância de trazer para o contexto da sala de aula estudos relacionados às variáveis linguísticas, proporcionando efetiva reflexão sobre a Língua Materna e oportunizando aos alunos o desenvolvimento de sua competência comunicativa.

É importante, para nortearmos a pesquisa, conceituar e delimitar a Sociolinguística. Segundo Mollica (2012), trata-se de uma das subáreas da Linguística e estuda a língua em uso no seio das comunidades de fala, voltando a atenção para um tipo de investigação que correlaciona aspectos linguísticos e sociais.

A respeito deste tema, Bortoni - Ricardo (2005, p. 20) afirma que

A escola sociolinguística se ocupa principalmente das diversidades nos repertórios linguísticos das diferentes comunidades, conferindo às funções sociais que a linguagem desempenha a mesma relevância que até então se atribuía tão somente aos aspectos formais da língua.

Isso significa dizer que identificamos os grupos sociais pelos usos linguísticos, pois sem a existência das comunidades não há interação, por isso é importante levar em consideração a relação existente entre língua, sociedade e cultura.

Entende-se por Sociolinguistas todos aqueles que concebem a língua como um veículo de comunicação, de informação e de expressão entre os indivíduos da espécie humana. (TARALLO, 1986, p. 7).

Como ciência, a linguística consolidou-se a partir dos estudos de Fernando de Saussure, na França. Entretanto, este estudo deixou lacunas, pois este teórico define a língua (langue) como objeto central de seu estudo em oposição à fala (parole) que é considerada algo individual.

William Labov, desde a década de 1960, iniciou o modelo teórico metodológico da Sociolinguística que se apresenta como uma reação à ausência do componente social no modelo gerativo. Este pesquisador insistiu na relação entre língua e sociedade e na possibilidade (virtual e real) de se sistematizar a variação existente e própria da língua falada.

Martins (2014, p. 10) elenca três grandes contribuições da Sociolinguística para o ensino de língua: (i) definição apurada de conceitos básicos para o tratamento adequado dos fenômenos variáveis; (ii) reconhecimento da pluralidade de normas brasileiras, complexo tecido de variedades em convivência; e (iii) estabelecimento de diversas semelhanças entre o que se convencionou chamar “norma culta” e “norma popular”.

Os estudos advindos da Sociolinguística certamente contribuem para melhorar a qualidade do ensino de Língua Portuguesa, uma vez que essa corrente considera a realidade linguística dos usuários numa frequência em um contínuo de uso.

Para elucidar quaisquer dúvidas que por ventura possam surgir neste estudo, é relevante apresentarmos os conceitos de variação, variável, variante e variedade, muito empregados pela Sociolinguística e de grande importância para este trabalho.

Conforme coloca Frangiotti (2014), quando se emprega o termo variação tem-se em mente o processo abstrato segundo o qual todas as línguas se modificam. No que diz respeito ao termo variável, fala-se em variável dependente e independente. A variável dependente refere-se ao fenômeno de variação em si, enquanto variável independente faz referência ao grupo de fatores internos à língua, tais como: fonológicos, morfológicos, sintáticos, semânticos, discursivos e lexicais, ou externos a ela como geografia, canal de comunicação, sexo, escolarização, classe social, grau de formalidade e tensão discursiva. Já variantes dizem respeito às formas linguísticas que se modificam e se transformam. Nesta pesquisa adotaremos a terminologia “variáveis linguísticas” por compreendermos que se refere a todo o conjunto de variantes de uma língua.

Conforme esclarece TARALLO (1986, p. 11-12), as variantes de uma comunidade encontram-se em relação de concorrência: padrão vs. não padrão, conservadoras vs. inovadoras; de prestígio vs. estigmatizadas. Em geral, a variante considerada padrão é, ao mesmo tempo, conservadora e aquela que goza do prestígio sociolinguístico na comunidade. As variantes inovadoras, por outro lado, são quase sempre não padrão e estigmatizadas pelos membros do grupo social.

Bagno (2007) apresenta o percurso da criação da norma padrão (modelo de língua, de uma construção artificial, baseada em algumas variedades regionais de prestígio). Nos estudos da linguagem, os pioneiros foram os filósofos que se dedicaram ao estabelecimento e fixação de regras gramaticais, haja vista que para eles, a variação era considerada um “defeito” da língua. Após a constituição das nações europeias como estados centralizados, surgiu a necessidade de instituir uma língua que servisse de comunicação entre o poder (os reis) e os cidadãos. Escolheram uma única língua dentre as variedades para receber o título de “língua oficial”, tendo sido escolhida aquela variável linguística do centro do poder, da zona geográfica mais rica e influente. Como toda seleção implica uma exclusão, as demais variedades passaram a ser vistas como “defeituosas” e “imperfeitas”.

Ainda segundo Bagno (2007), no plano da gramática, diante dos fenômenos da variação, os gramáticos e literatos optaram sempre pela variante que mais se assemelhasse, na forma ou na função, às descrições da gramática latina.

O processo de constituição da norma padrão clássica do português representou, portanto, ao mesmo tempo a seleção de algumas variantes e a exclusão de todas as demais alternativas de se dizer a mesma coisa (BAGNO, 2007, p. 94). Logo, formou-se então uma grande distância entre as formas normatizadas e os usos linguísticos reais, que fazem parte de nosso cotidiano, embora saibamos que nem mesmo pessoas altamente escolarizadas, em situações formais se utilizam efetivamente / exclusivamente da norma padrão. Nos estudos da linguagem (vista como expressão do pensamento), para um ensino real e eficaz da Língua Materna, faz-se necessário reconhecer e incorporar as variáveis e a mudança da língua. Dessa maneira, não estaria sendo priorizado um ensino engessado, que elege a chamada norma padrão como única correta, eficiente e necessária para se realizar o ensino de Língua Portuguesa na escola. Esta variável é importante e contribui para ensinar língua, entretanto, sozinha, não basta para dar conta das múltiplas manifestações da linguagem em contextos interacionais.

Os PCN de Língua Portuguesa são claros quando afirmam que a escola como um todo deve possibilitar ao aluno refletir sobre os fenômenos da linguagem, particularmente, os que tocam a questão da variação linguística, combatendo a estigmatização, discriminação e preconceitos relativos ao uso da língua.

Em contato diário com a diversidade de textos, observando-os, analisando-os, interpretando-os, fazendo uma satisfatória comparação entre textos orais e escritos nas mais variadas situações e contextos, o aluno vai percebendo a presença e o uso das variáveis linguísticas.

Camacho (2004, p. 35) em seu artigo intitulado “Norma culta e variedades linguísticas” afirma que “toda língua varia, isto é, não existe comunidade linguística alguma em que todos falem do mesmo modo”. O autor

afirma ainda que “um dos princípios mais evidentes desenvolvidos pela Linguística é que a organização estrutural de uma língua (os sons, a gramática, o léxico) não está rigorosamente associada com homogeneidade, pelo contrário, a variação é uma característica inerente das línguas naturais.”. (CAMACHO, 2004, p. 35). Com as mesmas ideias e fazendo afirmações bastante semelhantes, Bortoni-Ricardo (2004) ressalta que na sala de aula, como em qualquer domínio social, encontramos grande variação no uso da língua, com regras que determinam as ações ali realizadas.

Neste mesmo artigo citado anteriormente, Camacho (2004, p. 40) mostra que “a variação pode ser motivada por diferenças de origem geográfica (variedades geográficas ou diatópicas), de origem sociocultural (variedades socioculturais ou diastráticas) ou diferenças de origem estilísticas (ou diafásica).”.

Bagno (2007, p. 46-47) destaca ainda que a variação sociolinguística possui mais alguns adjetivos, como:

variação diamésica (a que se verifica na comparação entre a língua falada e a língua escrita) e a variação diacrônica (a que se verifica na comparação entre diferentes etapas da história de uma língua).

O autor aponta ainda que a variação ocorre em todos os níveis da língua, quais sejam fonético-fonológica, morfológica, sintática, semântica, lexical, estilístico-pragmática, conforme especificadas a seguir:

Quadro 1 – Variação e níveis da língua

Variação fonético-fonológica Relacionada às diversas possibilidades de pronúncia de uma determinada letra no português brasileiro Variação morfológica Palavras formadas a partir de sufixos diferentes, mas

que expressam a mesma ideia

Variação sintática Ocorre quando elementos estão organizados de maneiras diferentes nas orações, mas preservam o

mesmo sentido

Variação semântica Uma mesma palavra pode apresentar significados diferentes, dependendo da região do falante.

Variação lexical Palavras diferentes apresentam o mesmo significado Variação estilístico-pragmática Esta variação está relacionada às diferentes situações

de interação social, quando o falante dispensa grau maior ou menor de formalidade ao seu discurso, em situações de interação diferenciadas.

Fonte: Montado a partir de BAGNO (2007, p. 39- 40).

As variedades linguísticas são designadas ainda por algumas definições, a saber, como aponta Bagno (2007, p. 48):

Dialeto – Está relacionado ao modo característico de uso da língua num determinado lugar, região.

Socioleto – Designa a variedade própria de um grupo de falantes que compartilham as mesmas características socioculturais.

Cronoleto – Refere-se à variedade própria de determinada faixa- etária, de uma geração de falantes.

Idioleto – Designa o modo de falar característico de um indivíduo, suas preferências vocabulares, seu modo próprio de pronunciar as palavras, de construir as sentenças [...].

Em relação às variações linguísticas, os parâmetros trazem contribuições significativas em relação à pluralidade cultural, propõem que se respeite a bagagem e a linguagem trazida pelo aluno, possibilitando a conscientização dos elementos que fazem parte do processo de ensino e aprendizagem (professores e alunos) quanto à possibilidade de comunicação através destas manifestações da linguagem.

É decisivo propiciar um ambiente respeitoso, acolhedor, que inclua a possibilidade de o aluno trazer para a sala de aula seu próprio repertório linguístico e cultural. [...] Conhecer a si próprio, sua cultura, organizar seu conhecimento de forma que possa dar-se a conhecer, permitirá a integração entre o vivido e o aprendido. (BRASIL, 1997, p. 98)

Nosso estudo, associado às vozes desses autores mostram-nos que todas as variações obedecem às regras e não apenas a variedade culta do

português. As pessoas precisam refletir acerca das línguas e dos dialetos. (Entende-se por dialeto as variáveis inerentes a uma determinada língua). É preciso construirmos a consciência (alunos e professores) que todas possuem o seu valor e são eficientes no que diz respeito ao cumprimento de sua função comunicativa e não devem ser alvo de preconceito linguístico, um equívoco presente, que se mantém em nossa sociedade. Nenhuma forma de expressão é deficiente, devendo ser vista como “diferente”, apenas, quando não impõem limitações ou entraves na transmissão de sentido. É o caso das variedades populares que possuem conteúdo de alto nível, da mesma forma que as variedades cultas.

Em relação à norma padrão é papel da escola e do professor oportunizar ao aluno o seu conhecimento, sendo também de fundamental importância formar no estudante a consciência de que não existe variante melhor ou pior, a certa ou a mais bonita, a feia ou a errada. Necessário se faz que o educando saiba optar pela variante que precisa utilizar num momento de interação, levando em consideração o contexto dessa comunicação. (BRASIL, 1997).

Conforme Bagno (2002) é essencial que se reconheça as variedades linguísticas para o ensino de Língua Portuguesa, pois em nosso dia a dia o trabalho dever ir além daquele modelo engessado, preso às regras de uma gramática imposta para uso.

Antunes (2007), fazendo um questionamento em relação ao ensino da Gramática Normativa, enfatiza que os usos linguísticos revelam que a língua se manifesta de modos variados e isto passa a ser visto como marca da identidade de determinados grupos.

[...] a língua não pode ser vista tão simplistamente, como uma questão, apenas, de certo e errado, ou como um conjunto de palavras que pertencem a determinada classe e que se juntam para formar frases, à volta de um sujeito e de um predicado. A língua é muito mais que isso. É parte de nós mesmos, de nossa identidade cultural, histórica e social. É por meio dela que nos socializamos que interagimos, que desenvolvemos nosso sentimento de pertencimento a um grupo, a uma comunidade. (ANTUNES, 2007, p. 22)

Diante do que já foi colocado pelos autores anteriormente citados, ficou claro que o estudo das variáveis linguísticas deve estar inserido no ensino de línguas e não ser “trabalhado” como se fosse um conteúdo isolado, haja vista fazer parte do surgimento e transformação da Língua Portuguesa e ainda possuir tamanha importância, pois, além do que já foi exposto, tem a capacidade de conferir identidade às comunidades.

Martins (2014, p.118) em seu livro intitulado “Ensino de português e a Sociolinguística” destaca a importância e a capacidade da variação linguística em estabelecer pontes com outros espaços, atuar de modo a valorizar o outro e respeitar as diferenças.

Todos nós brasileiros somos falantes da Língua Portuguesa, independentemente da região, classe social, nível de escolaridade. Precisamos desfazer o mito de que não sabemos a Língua Materna, que Português é difícil, que em nosso país não se fala o português correto. (BAGNO, 1999).

A linguagem marca a identidade do falante que a utiliza, levando em consideração a circunstância em que o processo de comunicação ocorre. Dessa forma, o uso da língua pode mudar, sendo a partir dessa mudança quando percebemos a presença das variáveis linguísticas que são influenciadas segundo a idade, região, grau de instrução, profissão do falante e segundo a situação em que se encontra (num grau de monitoramento ou não).

As situações diárias permitem uma descontração para se comunicar através da produção verbal, com pouco ou nenhum grau de monitoramento. Essas situações permitem o uso da linguagem coloquial (informal). Entretanto, em algumas situações comunicativas, é preciso estar atento e adequar a linguagem à situação e ao contexto, fazendo uso de uma linguagem formal.

A gramática, compêndio que reúne as regras para a manutenção do idioma, é um instrumento importante que aponta caminhos, adequando sua necessidade de uso. [...] O termo gramática [...] seria equivalente às características de uma língua que nos são apresentadas em forma de regras e princípios que não se propõem a fornecer uma explicação, mas, antes, um modelo, que não conseguimos nunca abarcar e

dominar integralmente. Pode-se dizer que essa concepção corresponde a um só tempo à gramática descritiva, que pretende depreender o sistema de uma língua, através do estabelecimento de unidades no interior de cada sistema e de suas relações opositivas; gerativa, que constitui um sistema formalizado de regras correspondentes à competência linguística; funcional, que consiste em um conjunto de estratégias que o falante emprega com a finalidade de produzir comunicação coerente; e ainda normativa, que focaliza a língua como um modelo ou padrão ideal de comportamento compulsório em qualquer situação de fala ou escrita. (VIEIRA, BRANDÃO, 2008, p. 15).

É sabido por todos que o papel da escola é oportunizar ao aluno o acesso à variável culta, que é um fator de ascensão social e relevante para aquisição / disseminação da cultura. Porém, o trabalho escolar não pode restringir-se a essa variável, devendo explorar as variações que a língua apresenta como um todo, baseada no princípio de que se a sociedade muda, transforma-se, e, dessa maneira, apresenta sujeitos diferentes quanto à classe social, idade, sexo, em relação ao espaço geográfico onde vivem, época, etc., por conta disso mudam também as formas de expressão dos falantes, refletindo assim numa multiplicidade de linguagem. Sobre o caráter heterogêneo da linguagem, Bagno (2007, p. 36) revela que

[...] a língua, na concepção dos sociolinguistas, é intrinsecamente heterogênea, múltipla, variável, instável e está sempre em desconstrução e em reconstrução. Ao contrário de um produto pronto e acabado, de um monumento histórico feito de pedra e cimento, a língua é um processo, um fazer-se permanente e nunca concluído. A língua é uma atividade social, um trabalho coletivo, empreendido por todos os seus falantes, cada vez que eles se põem a interagir por meio da fala ou da escrita. [...].

Desse modo, entende-se a variação linguística como um fenômeno que acontece com a língua relacionada à sua capacidade e possibilidade de transformação de acordo com a necessidade e/ou realidade do falante.

Durante muito tempo o que se pôs em prática em relação ao ensino de Língua Portuguesa foi o trabalho pautado na gramática, acreditando como sendo o único ensino “válido”, “correto”, o ensino da norma padrão.

O que se ouve sobre o ensino de Português é que se constitui como o ensino privilegiando essa norma padrão é: “não entendo essa regra”, “para que tantas exceções?”. Este ensino não basta, tampouco é eficaz, já que os alunos passam por tantos anos escolares vendo os mesmos conceitos baseados em inúmeras teorias e continuam com dúvidas e angustiados em relação à própria língua.

Conforme Bagno (2002), o reconhecimento das variedades linguísticas é fundamental para o ensino da Língua Portuguesa, uma vez que em nosso cotidiano o trabalho com a Língua Materna vai muito além daquele preso a regras e modelos. O que há de real é a necessidade de interação e comunicação que os interlocutores possuem, cada um com sua intenção, fazendo diferentes usos dessa língua de acordo com a situação que se apresenta. Desse modo, constatamos que

[...] a escola não ensina língua, mas usos da língua e formas não corriqueiras de comunicação escrita e oral. O núcleo do trabalho será com a língua no contexto da compreensão, produção e análise textual. (MARCUSCHI, 2008, p. 55)

Tomar o ensino da norma padrão como único e exclusivo não garante o conhecimento nem permite ampliação do horizonte discursivo dos alunos. O estudo e a pesquisa realizados não são contrários ao fato de o aluno ter acesso ao ensino da norma padrão. Muito pelo contrário: a escola deve ensiná- la. Essa língua deve ser vista como um acréscimo ao conhecimento do aprendiz e não como um instrumento de anulação de seus valores.

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