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Após observar a Central Brasileira por dentro (origem) e por fora (publicidade), passa- se a analisar o que falavam dela, a partir dos jornais capixabas, os colunistas e políticos. Isso feito para caracterizar o confronto de ideias acerca da existência dessa empresa no Estado, observando os discursos das mais importantes posições político partidárias do Espírito Santo. Desse modo será possível perceber o quanto a empresa internacional presente em solo capixaba suscitou o debate de viés nacionalista dentro de um território ainda grandemente marcado por relações tradicionais e por uma economia-agrário exportadora.

3.2.1. A C.C.B.F.E. em debate

Segundo o acordo firmado entre o governo do Estado do Espírito Santo e a General Eletric, em 8 de julho de 1927, a empresa ficara responsável pelo fornecimento de força elétrica e iluminação, transporte de bondes e ônibus, transporte através de lanchas e pelo serviço telefônico circunscrito à região de Cachoeiro de Itapemirim e Vitória.

Logo a outorgada, G.E., representada por G.B. Marean, procurador do presidente da empresa no Brasil, Herman Greenwood, passou sua concessão para o grupo Amforp, que assumiu o controle dos serviços da empresa. A partir de então, todos os setores primordiais para o desenvolvimento urbano do Espírito Santo, assim como ocorreu em outros estados da federação, ficaram nas mãos do capital multinacional americano40.

Não só assumiria, segundo o contrato, os serviços já existentes, mas deveria zelar por estes, de modo a atender a população e também expandir os serviços por novos núcleos de povoamento que surgissem na capital e interior.

Porém, desde cedo, a empresa não só descontentou seus trabalhadores com baixos salários e várias disputas em torno de aumentos, como passou a ser um alvo constante de reclamações por parte de seus consumidores.

Em torno da Central Brasileira formou-se um campo discursivo marcado por indagações acerca da sua atuação no Estado, e se esta condizia com o contrato firmado em 1927. Desse modo, ela foi inserida no debate acerca do desenvolvimento capixaba, estando na ordem do dia para a população e para diversas correntes políticas.

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117 O que logo foi percebido através relatos depreendidos das colunas de opinião, colunas de reclamações, matérias especiais e debates políticos na Câmara dos vereadores de Vitória, Cachoeiro e Assembleia Legislativa foi uma diversidade de falas a respeito da empresa.

Alguns discursos remetiam a uma ideia de equilíbrio, o qual seria conseguido através do cumprimento das regras contratuais estabelecidas com o Estado, sem um questionamento a presença de uma multinacional em tão importante setor. Se a empresa era ruim, que se colocasse outra, mesmo que fosse estrangeira. Importante era que cumprisse seu papel contratual. Outros defendiam a empresa, disseminando a defesa da gerência norte-americana no estado, em combate às frequentes acusações. Por fim, uma fala que identificou a Central Brasileira como um agente externo ao Brasil, intencionado a atravancar o desenvolvimento do país em detrimento de uma dominação econômica estrangeira também se fez presente.

As elites, tradicionais e modernas, em suas falas, determinavam um tipo de ação política e social características de um campus fundado da defesa do sistema institucional, na qual a autoridade seria a responsável por tomar medidas relativas às questões públicas, sem uma participação ativa da sociedade. A elite moderna representada pela UDN e seus partidos satélites participavam de mobilizações políticas, porém, carregados por uma pauta moralista e com duração limitada. Sua referência à ação da população apontava para uma espera pela ação das autoridades, e, em casos extremos, reclamações pelas vias institucionais.

Por outro lado, estavam aqueles que identificavam um desequilíbrio econômico internacional e conservador dos Estados Unidos com relação ao Brasil, que tinha por fim se manter através da influência em desenvolvimento. Apontavam, portanto, para a existência de interesses escusos aos da nação, representados pelo capital estrangeiro.

Este, segundo essa linha política, tinha de ser enfrentado pelo povo, que deveria tomar a frente na ação de forçar as autoridades a resolver problemas. A população não seria passiva diante a justiça ou apenas uma reclamante distante.

Esses distintos posicionamentos foram se delineando conforme o rol de eventos da realidade urbana se desenrolava, ligados aos sucessivos problemas dos serviços públicos e aos aumentos tarifários da empresa.

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3.2.2. Jornais e linhas editoriais

Lembrando o capítulo II, dos partidos não diretivos, têm-se duas das posições acima citadas: por um lado a UDN e de outro o PSD, aqueles que estruturaram o campus

político. Essas duas agremiações se alternaram entre os jornais A Gazeta e A Tribuna,

principais órgãos diários do Estado.

Dos partidos diretivos, os comunistas tinham o Folha Capixaba e os socialistas o jornal A Época, de Cacheiro de Itapemirim. Os petebistas não tinham um instrumento de divulgação, publicando nos jornais de partidos aos quais se aliava, oscilando entre a UDN e o PSD.

A Gazeta foi fundada em 1919 por Ostílio Ximenes, dono da imobiliária Cambury. O órgão foi criado para fazer propaganda de lotes de imóveis em Vitória. Porém, sempre foi marcado pela sua ligação ao governo, sendo um jornal oficial até 1942, quando foi vendido para Aurino Quintaes e Oscar Guimarães (MARTINUZZO, 2005). A venda não alterou o conteúdo, pois foi mantida a linha política de apoio ao governo oficial.

Em setembro de 1945, Eleosippo Cunha, coronel de São Mateus, comprou o jornal para fazer campanha política pró Eduardo Gomes, o que fez a linha editorial do jornal dar um giro de 360 graus. Da defesa do Governo Vargas e de seus interventores no Estado, o jornal passou a fazer críticas aqueles e propagandear a candidatura de seu principal oposicionista, o brigadeiro Eduardo Gomes. A linha liberal moderna de A Gazeta foi comandada por Rosendo de Souza e Eurico Rezende até março de 1948, e posteriormente por José Olympio, que se manteve na direção pelo menos até o final de 1949.

O jornal foi então comprado por Carlos Lindenberg, em 1948, através de uma negociação que necessitou de um “testa de ferro”. A natureza da transação provavelmente fez com que, mesmo ele matinal propriedade do governador cachoeirense, não tivesse mudado logo sua linha editorial. Portanto, a direção de José Olympio se fez já com o jornal sendo propriedade do então governador.

Por outro lado, o jornal A Tribuna fazia o caminho inverso. Fundado em 1938, já no Estado Novo, por Reis Vidal, seguia uma linha ideológica fascista (MARTINUZZO, 2005), sendo também apoio ao governo. De 1948 até abril de 1949, fez coro à

119 administração de Carlos Lindenberg, expondo uma leitura extremamente alinhada ao ambiente internacional, da Guerra Fria, marcada por um forte anticomunismo.

Logo deu o giro de 360° inverso ao de A Gazeta e 1945, saindo de uma leitura fascista da realidade, e de apoio ao PSD, para a oposição liberal. Em 4 de abril de 1949, na assembleia de acionistas da Gráfica A Tribuna S.A. o controle do jornal passou de Reis Vidal para as mãos dos membros do PR e PDC, membros da Coligação Democrática. Eram seus acionistas e novos donos: Elosippo Cunha (PR), com a maior quantidade de ações (6.600 mil ações entre ordinárias integralizadas e não intergralizadas, preferenciais integralizadas e não integralizadas); Fernando Duarte Rabelo (PDC), com 100 ações; Aristides Campos (PR); Wilson Neves Cunha (PR); Pietrângelo Di Biase; Manoel Viváccqua, e Leosilo Gomes 41.

O mesmo Rosendo de Souza que havia assumido A Gazeta até março de 1948, tomou a frente de A Tribuna, dando características do prisma liberal, típico de partidos satélites da UDN, como bem observou Benevides (1989).

Portanto, quando se for tentar traçar uma linha de oposição e outra situacionista, será necessário “pular” de jornal em jornal, conforme suas mudanças. Vale a pena observar que a leitura de mundo liberal é comungada por ambos, UDN e PSD, porém, o primeiro está mais ligado a um liberalismo moderno, com uma preocupação social, enquanto o PSD, politicamente autoritário, defendia uma política econômica liberal ortodoxa, ou seja, clássica, segundo a conceituação de Heywood (2010). Esses eram os órgãos de imprensa dos partidos não diretivos e estruturantes do campus político.

Os partidos diretivos, por sua vez, tinham o jornal A Época em Cacheiro de Itapemirim e o Folha Capixaba, veículo do PCB em Vitória. O primeiro era um jornal comandado pelo grupo mais forte dos socialistas no estado, cuja liderança era o professor Deusdedit Batista, redator do semanário cachoeirense. Este operava com certas dificuldades, tendo cessado suas publicações por cerca de um ano, de agosto de 1947 até setembro de 1948. Tinha uma linha social democrática marcada pelo liberalismo (Ver Capítulo II).

O Folha Capixaba representava os antigos militantes da ANL e tinha como diretores do jornal em 1945 João Calazans, Érico Neves e Aldemar Neves, com a gerencia ocupada

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120 por Moisés Calma42. A maior dificuldade com relação ao estudo desse jornal é a sua ausência física de 1946 até 1954, que retira do foco de análise anos importantes com relação ao tema, com alterações da estratégia comunista significativas. Porém, os discursos de Hermógenes Lima Fonseca na Câmara dos vereadores de Vitória auxiliaram a compor essa lacuna, tanto com o auxílio do trabalho de Pittol (2014), quanto com as colunas publicadas em A Gazeta e A Tribuna com relação aos debates da casa municipal. Com o PTB a situação é mais complicada, pela falta de um veículo próprio, o que faz dos debates da Ales e Câmaras publicados nos jornais também uma forma de sanar a ausência de fontes.