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4.2.5 “O petróleo é nosso, não da Standard” A campanha em Cachoeiro de Itapemirim

Adentrando a leitura do jornal socialista, A Época, é notável um ambiente político mais ameno com relação à Campanha do Petróleo. É perceptível que as matérias, mesmo que ainda refutassem o argumento de que a campanha seria comunista, se dedicavam mais à formação didática dos leitores. O periódico buscava informar toda a história do petróleo no mundo, Estados Unidos e Brasil.

A crença de que o petróleo existia no Brasil era inegável segundo todas as matérias. Alvaro Carvalho, colunista de A Época dizia que “o Petróleo aí está! O que precisamos é de ação, mas que esta ação seja profícua e venha quanto antes para que possamos receber os resultados benéficos que por certo trará150. Contra isso os trustes se moviam, pois, como escrevia João Moulin, alguns “vendilhões” estudavam um “modo menos desmascarado de entregar nosso óleo mineral aos trustes estrangeiros” 151

. Era uma referência à Comissão presidida por Odilon Braga, que, segundo ele, estariam a serviço dos trustes. Esse autor especificava qual seria essa empresa, que era a Standard Oil. Dizia que “Cabe ao povo lutar pelo nosso petróleo. O petróleo é nosso, não da Standard” 152

.

Os autores que escreveram sobre o assunto são muitos, tendo o semanário uma preocupação grande e ativa com a campanha. Entre textos e transcrições também estiveram presentes no A Época: Rage Miguel, Deusdedit Batista, Hermes Lima (PSB- RJ) e Horta Barbosa. A filiação ao Centro de Estudos é bem marcada, assim como a posição monopolista. 150 A Época, 17/02/1948, p.7. 151 A Época, 06/04/1948, p.5. 152 A Época, 06/04/1948, p.5.

184 Rage Miguel, um dos que mais escreveu no jornal sobre o assunto, apontava para dois problemas existentes na presença das multinacionais no país: “a) os lucros e os benefícios que seriam do país, são levados para fora [...] b) a pressão e o aprisionamento desses países por essas empresas estrangeiras a fim de conservarem para elas fabulosa fonte de riqueza” 153

. A grande defesa em torno do petróleo, pautada por exemplos ocorridos em países vizinhos e debatidos da Conferência de Bogotá, davam subsídio à argumentação socialista sobre o petróleo. Refutando o argumento de que o país não teria dinheiro para investir, citava sempre o Plano Salte154, em análise no Congresso Nacional em 1948, que destinaria 2 bilhões e meio de cruzeiros para o “subsetor do petróleo”, assim como o empréstimo que o Brasil conseguiu para a Light no exterior. Ele encampava a argumentação de Hermes Lima, que chamava a atenção para os recursos que o Plano Salte ofertaria para o setor, assim como a efetividade do estado em conseguir dinheiro para outras empresas. Questionava se, mesmo com 400 milhões de cruzeiros de destinação constitucional, 750 milhões em conta de orçamento comum e 1.359 milhões de empréstimos em divisas, “será possível duvidar-se da capacidade econômica financeira do país para custear a organização de sua indústria petrolífera?” 155

.

Para convencer as pessoas, apelava em seu discurso para a história nacional, colocando o monopólio estatal como concretização da independência do Brasil, algo que havia se iniciado com aquela libertação de Portugal, mas não havia ainda se configurado no campo econômico: “É tempo de completar a nossa Independência política proclamada há 126 nos, efetivando a nossa independência econômica e material, mobilizando os nossos recursos naturais e nossa capacidade de ação” 156

. Esse argumento era utilizado para congregar os capixabas na história do país, como se fosse apenas uma comunidade, comprovando a existência daquela comunidade imaginária nos discursos de distintos militantes nacionalistas. O reforço de identificação de um inimigo externo prosseguia,

153 A Época, 20/04/1948, p.5. 154

O Plano Salte foi uma iniciativa do governo Dutra que sucedeu a iniciativas anteriores que visavam sanar problemas estruturais da economia nacional, como foram o Decreto-lei 1.058/37, o Decreto 6.144/43 e a Missão Cooke de 1942. Ele surgiu através do Departamento de Administrativo de Serviço Público (DASP) junto a uma comissão interpartidária PSD-UDN-PR, que iniciaram os trabalhos em 1947. Em 1948 foi submetido ao Congresso Nacional, tendo disso alvo de controvérsias sobre sua exequibilidade. Tramitou no Congresso até maio de 1950, quando foi aprovado. Visava direcionar recursos para Saúde, Alimentação, Transporte e Energia e remover entraves para o desenvolvimento nacional. FGV/ CPDOC.

155

A Época, 08/06/1948, p.3.

185 acusando os “exemplos incontestáveis das inconveniências que resultam da exploração, extração, beneficiamento e distribuição desse precioso combustível quando entregue a companhias e empresas estrangeiras, prejudicando e entravando os interesses nacionais” 157

.

Além dos membros do Centro do Petróleo, os socialistas homenageavam Monteiro Lobato, que “mexeu em primeira mão com a exploração do petróleo, provando ser sua extração a nossa dependência econômica” 158

. Essa homenagem é interessante, pois, os socialistas, assim como os demais participantes da campanha buscavam figuras notáveis para fortalecer a imagem do movimento, criando incentivos simbólicos para a população de grandes personalidades. Porém, Monteiro Lobato era um nacionalista que defendia a participação de empresas privadas na exploração do petróleo, tendo ele sido um empreendedor. Isso contrasta com o que o PSB defendia, que era o monopólio, excluindo qualquer participação privada no setor. Um dos motes dos socialistas era contrariar a atitude governamental em conceder refinarias compradas pelo estado a empresários. Isso pelo fato de estes poderem ser apenas testas de ferro de estrangeiros, assim como, dentro dos condicionantes do setor, muito dependentes da influência daqueles. Essa contradição, que é rememorar um empresário nacionalista indo contra a participação privada no negócio, demonstra o esforço em mobilizar as pessoas em torno da questão do petróleo, ligando a causa deles àquela de Lobato, que havia se tornado uma referência a nível nacional.

A busca no passado de ligações com o presente era constante nos discursos, demonstrando uma preocupação em tratar os assuntos historicamente, utilizando a experiência passada como espelho para o futuro. Como escrevia Rage Miguel, igualando o movimento abolicionista ao Petróleo é Nosso:

“Já foi dito que a campanha pelo nosso petróleo é idêntico ao movimento abolicionista. Depois da República é a primeira campanha nacional que se faz sem preocupações de política partidária, sem a disputa de cargos ou prebendas, mas somente no interesse do país” 159.

Encontramos aqui um dos únicos momentos em que a Central Brasileira cruza pela Campanha do Petróleo na argumentação dos militantes. Deusdedit Batista escreveu 3 matéria intituladas Explicação sobre o petróleo, que, seguindo a linha do jornal,

157 A Época, 22/06/1948, p.5-8. 158

A Época, 13/07/1948, p.1.

186 utilizava de uma forma bem didática para expor a questão. Após fazer um apanhado de toda a história do petróleo partindo do caso norte-americano, chegou à situação nacional para criticar o anteprojeto do Estatuto do Petróleo. Nestes, apontou para uma contradição na fala de Odilon Braga, o presidente da comissão, que teria dito que, com a exploração estrangeira “todo o lucro iria para fora do país de um modo ou de outro, como acontece com a Leopoldina, a Light, a Central Brasileira e não sabemos de qualquer país que tenha enriquecido por haver dado petróleo à exploração dos trustes estrangeiros” 160

. Provavelmente, Braga já se antecipava em dizer que seu projeto não entregava a indústria, mostrando conhecimento sobre os efeitos dos trustes. Batista utilizou esse argumento para reforçar a presença desse inimigo da soberania nacional, reconhecido por Braga. Esse foi um dos escassos momentos em que se falou dos trustes do Petróleo vinculados ao truste do setor de energia elétrica, ainda em referência à fala de outra pessoa, que não era militante da campanha. Em geral, essa desvinculação dos temas foi regra no Espírito Santo no recorte em questão.

O Partido Socialista Brasileiro se colocava oficialmente em prol da defesa do petróleo, mas identificava a campanha como apartidária. Parte daquela preocupação em desvincular o movimento da presença comunista. Seu engajamento a nível federal era constantemente demonstrado no jornal. No recorte dessa dissertação, o fim para esse tema é a aprovação do Plano Salte e o arquivamento do anteprojeto do Estatuto do Petróleo. A última batalha dos socialistas nesse espaço e tempo foi questionar o grande subsídio do estado às refinarias privadas. Hermes Lima solicitou informações ao governo Dutra, para esclarecer essa relação com as refinarias. O presidente respondeu às dúvidas, dando explicações sobre a forma com que foram concedidos contratos de refino para as empresas privadas. Com isso, o jornal reconheceu a honestidade do presidente, não sendo encontrado nada de ilegal, mas permaneciam na defesa da ação única e direta do estado nesse setor.

Portanto, os socialistas buscavam mobilizar a sociedade cachoeirense em prol do monopólio estatal, editando apoio às grandes personalidades, tanto aquelas ativas quanto as do passado, como foi Lobato. O Centro do Petróleo era a matriz daquela campanha, e a atuação de Hermes Lima a nível federal, o espelho a nível regional. As matérias informativas e com forte apego didático pintavam um quadro de possibilidades

187 governamentais para a exploração do petróleo item, que vale observar, era de inegável existência para os socialistas. O uso da história brasileira para ligar os homens do presente àqueles do passado, na busca pela libertação do país foi uma forma de mobilizar a população capixaba de Cachoeiro, configurando a construção da

comunidade imaginada, posta em ação na campanha. A presença estrangeira só poderia

ser maléfica ao desenvolvimento nacional, e a principal empresa apontada era a Standard Oil. Por outro lado, existia a defesa contra tentativa de deslegitimação do movimento por aqueles que chamavam os integrantes de comunistas. Indo contra qualquer iniciativa privada no setor, o movimento defendia aquela postura desenvolvimentista socialista pois, toda a argumentação estava preocupada com o processo de industrialização do país, e o abandono de uma estrutura arcaica e tradicional, que seria estimulada por investimentos na educação e no campo. O petróleo constituiria uma fonte de recursos para tal escopo, assim como para a defesa da soberania nacional.

Adotava uma postura diretiva, de organização de pessoas, mas , sempre adotando aquele padrão de equilíbrio democrático. Se reconhecia o desequilíbrio entre as nações, defendia o contrário a nível nacional, reconhecendo, por exemplo que Dutra poderia tomar uma decisão que marcaria a “glória” de sua administração, caso ele fosse pelo caminho da nacionalização das riquezas brasileiras. Uma postura distinta daquela adotada pelos comunistas, que identificava o governo, após a extinção da legenda, enquanto governo de traição nacional. Desse modo, as esquerdas agiam juntas, porém, de maneira diferente. O PCB estava fora do campo, e o PSB dentro.

4.2.6. “Um povo de pobretões” e o “bilhete premiado”. A ortodoxia liberal