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Ambiguidades do liberalismo brasileiro na esfera pública capixaba – UDN e Eurico Rezende

Partidos não diretivos e partidos diretivos

2.2. Ambiguidades do liberalismo brasileiro na esfera pública capixaba – UDN e Eurico Rezende

Nessa seção serão expostas as concepções e crenças gerais do liberalismo brasileiro através da UDN e por fim, a caracterização da prática udenista no Espírito Santo, através da leitura do Jornal A Gazeta. É importante fugir de esquemas explicativos idealistas e observar a atuação desses atores nas conjunturas, dentro de um campo de possibilidades e de limitações da ação. Os liberais na década de 1940 foram bem elásticos com relação ao que estabeleciam oficialmente em sua agremiação, estrategicamente.

2.2.1. UDN e Udenismo

Maria Victória Mesquita Benevides tem um trabalho clássico sobre a UDN e o

Udenismo, que versa sobre a trajetória do partido liberal brasileiro. Fundado em 7 de

abril de 1945, foi uma agremiação que surgiu em torno da candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes, configurando-se na maior oposição ao projeto de nação do Governo Vargas. Com isso, sua constituição social teve por característica aglutinar os inimigos de Vargas, seja aqueles desalojados do poder em 1930, 34 ou 37, desde antigos aliados aos antigos líderes presentes na Primeira República. A UDN teve por característica conclamar para si um estado de espírito próprio, reivindicando uma tradição civilista

64 inaugurada por Rui Barbosa. Seriam representando de um modelo de civilização, seus defensores, devendo, em uma missão de sacrifício, fazer política. Com isso, a agremiação seria marcada por características elitistas e moralistas.

Partido de matriz ideológica liberal, não estava engessado dentro de uma fórmula econômica. Dentro de suas ambiguidades e conforme a conjuntura, seus cálculos políticos fizeram com que o partido oscilasse entre a solução efetiva e monopolista estatal do petróleo, o ataque a uma empresa estatal como a CVRD e a crítica a uma empresa privada clamando a ação das autoridades para efetivar o cumprimento dos contratos (A C.C.B.F.E.). Obviamente, não se leva em conta que partido algum siga estritamente um programa, nesse caso, o programa liberal, pois necessidades organizativas identificadas como necessárias pelas lideranças levam a posturas que distam de seus fins ou objetivos finais (PANEBIANCO, 2005).

A agremiação era extremamente facciosa, de maneira semelhante ao PSD, e, apesar de conhecido como partido dos bacharéis era um partido de coronéis. Segundo Benevides (1984), o PSD talvez tivesse a mesma quantidade de advogados ou até mais na agremiação que sua adversária, porém, a “capa” da UDN era bacharelesca, que representava o referido espírito udenista. Sua descentralização e formação por difusão, assim como legitimidade interna, proporcionou ao partido a mesma característica que o PSD, pois era faccioso e dividido enquanto questões internas. Porém, a liberdade organizacional permitia a acomodação dessas diferenças. Desse modo, e sendo o segundo partido mais importante do país no período, contribuiu para a formatação do campo político brasileiro, caracterizado pelo sentido vago dado ao nacionalismo. Isso se configurou de maneiras diferentes nos estados, como já foi dito, sendo alguns mais vagos, outros mais estruturados, dependendo do ambiente político. No Espírito Santo, a agremiação seguiu a tendência nacional, e uniu toda a oposição ao partido base de Vargas. Porém, estava afastada do debate intelectualizado, selecionando um mote principal para sua ação: o moralismo. Em críticas a ação de Israel Pinheiro e Dermeval Pimenta, os primeiros diretores da estatal CVRD, em suas gestões, Eurico Rezende direcionou seus textos escritos em A Gazeta para problemas morais e administrativos da empresa, sempre apontando para a corrupção e ineficiência destes. Lembrando que os criticados eram quadros do PSD. Seu Veículo de informação foi A Gazeta, desde outubro de 1945 até o início de 1949, quando foi comprado por um grupo ligado a Lindenberg.

65 Em seu período liberal, o editor chefe foi Eurico Rezende e o diretor do jornal era Rosendo de Souza. Ambos marcadamente moralistas no sentido político, afastados de debates mais acabados e estruturados sobre os temas: Estado, Nação e Indústria. Essa característica se alterou, porém, com a campanha O petróleo é Nosso, pois o partido migrou do habitus estabelecido pelo campo político, marcado pelas reclamações e acusações às autoridades, para um diferente, caracterizado pelo nacionalismo econômico e organização da sociedade de maneira diretiva. Havia críticas às gestões dos pessedistas na CVRD, assim como a gestão de Lindenberg. Chegou a ocorrer uma aliança entre o PSD e a UDN no Espírito Santo. Nas eleições para governador, em 1947, houve a escolha de participar das eleições em aliança com seu adversário, o que não ocorreu sem divergências. O grupo de Eurico protestou e não prestou solidariedade à Lindenberg, que acabou se elegendo (SILVA, 1995). Mesmo o acordo interpartidário PSD – UDN – PR não segurou a aliança. A linha editorial udenista era, portanto, a mais radical do partido no que concerne aos acordos políticos, diferente do realistas.

Em linhas gerais, tinha-se por estruturantes do campo político capixaba o PSD, partido que formulou o código eleitoral e que tinha, para além das máquinas eleitorais coronelísticas, um longo percurso administrativo frente ao aparelho de Estado. Por outro, as elites desalojadas do poder nos eventos posteriores a Revolução de 30, e que, imbuídos de um estado de espírito se opunham ferrenhamente a Vargas e a seu projeto, utilizando-se predominantemente de uma linguagem moralista e elitista, apesar de mostrar aspectos de um liberalismo moderno.

Esses partidos tiveram a maioria na Constituinte e mantiveram expressivos contingentes de políticos nos núcleos decisórios. Tendo uma composição social semelhante, não se aproximaram mais pelo fato de o PSD fornecer uma das bases política de Vargas.

No Espírito Santo eram os partidos mais fortes, e a política capixaba foi marcada pela breve aliança deles, na candidatura de Lindenberg, o que, porém, logo ruiu. A UDN e seus partidos satélites, como o PDC e PR, fizeram oposição ao governo, com a formação da Coligação Democrática, porém, em um campus político comum aos dois. Agremiação marcada pelo bacharelismo, o apelo à legislação e às instituições do Estado, delimitava como a política podia ser feita, cuja força legítima eram as autoridades, os detentores do poder do aparelho de Estado. À população cabia apenas

66 reclamar, caso fosse necessário. Os apelos jornalísticos eram um meio de expressar as insatisfações populares com relação a questões que envolviam o público. A esfera pública do tipo liberal era o que defendiam. A apropriação que a UDN fez do debate sobre o desenvolvimento também foi parcial e adequado à restrita esfera pública capixaba. Com isso, o debate sobre: Estado, Nação e Indústria permaneciam vagos, presos, ou a ideia de hierarquia social e autoridade, ou a esse fator somado ao moralismo udenista. Apenas com relação ao petróleo o partido mostra a sua elasticidade, mudando de atitude em relação ao acordo de poder estabelecido. Seguindo o debate iniciado no Rio de Janeiro, encamparam as teses de Horta Barbosa e do Centro do Petróleo, defendendo o monopólio estatal do petróleo, utilizando uma propaganda nacionalista para mobilizar a sociedade. Junto aos socialistas, petebistas e comunistas passaram a organizar a sociedade em prol da defesa do petróleo, organizando comícios, conferências, efetivando a propaganda. Encaixava-se, portanto, dentro de uma linha moralista crítica ao estado, mas adotaram a linha desenvolvimentista do tipo empresarial, na defesa da presença do Estado em setores estratégicos.

Outras forças políticas eram diferentes dessas, apesar de participar desse campus, seja por força da conjuntura, acreditar firmemente em sua efetividade. O próximo capítulo aborda os partidos de maior rigidez organizacional, cujos discursos eram mais diretivos à participação da sociedade.