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4.2.6 “Um povo de pobretões” e o “bilhete premiado” A ortodoxia liberal e a “ameaça comunista”

Como observamos, os liberais udenistas seguiam o caminho nacionalista, mais próximos daquela corrente desenvolvimentista empresarial, enquanto os socialistas optavam pelo desenvolvimentismo socialista. O jornal A Tribuna em seu período governista, mais especificamente no recorte de apoio à Lindenberg, claramente opta pela ortodoxia Liberal, que dentro da conceituação de Bielschowsky, eram os desenvolvimentistas neoliberais. Portanto, uma das principais lideranças capixabas, o pessedista Lindenberg dava apoio ao anteprojeto do Estatuto do Petróleo, se alinhando à direita, encaixando na corrente dutrista do PSD. Aqui se notará o motivo pelo qual

188 tantos os udenistas quanto os socialistas tanto se defendiam da acusação de comunistas. A ação dos liberais ortodoxos era dual, assim como a de seus opositores. Enquanto se preocupavam em defender uma fórmula desenvolvimentista liberal, que seria mais adequada, tentavam desmoralizar o movimento pró-monopólio na tentativa de demonizar aquela organização. Uma intensa propaganda anticomunista alvejou de críticas a campanha O Petróleo é Nosso. No campo estudantil, conflitos entre estudantes acerca do tema disputaram a legitimidade de lideranças no ato de ter o direito de falar sobre o assunto. Por fim, será demonstrado que, dentro do campo político capixaba, muito estreito, as autoridades não viram com bons olhos a campanha vinda dos centros decisórios do país, agitando sua zona de influência. Com isso, a criminalização do movimente ocorreu sem violência policial. As agressões ficaram no nível simbólico. Porém, em 1949 notamos uma fala que demonstra claramente que, para poder falar no “curral dos coronéis”, era necessário pedir permissão.

O principal escritor do jornal era importado. Raimundo Padilha era um antigo militante da Ação Integralista Brasileira (AIB), sendo um dos seguidores de Plínio Salgado. A Tribuna, dirigida por Reis Vidal, e base de apoio a Lindenberg, importava colunas do intelectual, que posteriormente, como mostrou Smith, se filiou à UDN, em 1954. O conjunto de matérias que falavam sobre o petróleo incluía este autor, notícias de agências, e a opinião do jornal. Sobre Padilha, é notável sua escolha pela ortodoxia liberal, na defesa do mercado e da taxa marginal de lucro. Sua concepção geral sobre o desenvolvimento brasileiro se encaixa perfeitamente na corrente desenvolvimentista neoliberal descrita por Bielschowsky. Defendia o livre mercado, a capital estrangeiro, o aumento salarial conforme o crescimento da economia, um estado enxuto. Por outro lado, criminalizava os comunistas, que seriam “agitadores demagógicos”. Esse autor defendeu fortemente o anteprojeto do Petróleo, o que debatia em alternância com outras questões, como aquela referente ao Banco Central e a questão monetária. Para esse autor, a inflação era um problema de “supersalários” e pouca produtividade, acusando as leis trabalhistas de reduzirem a produtividade do trabalhador. Em um país “descapitalizado”, cuja “maquiagem” era a melhoria imediata das condições e vida do brasileiro através da CLT, mas que mantinha crônico seu problema econômico. A causa, aumento salarial e pouca produtividade. Defendia, como a corrente liberal, que a industrialização não deveria ser realizada de maneira acelerada, sendo mais importante dinamizar a produção no campo. Sua defesa é daqueles interesses ligados às grandes

189 propriedades agrícolas, aos grandes latifundiários. O investimento estatal deveria ser direcionado para isso, e não para a industrialização. Muito menos para um ramo tão custoso quanto aquele do petróleo. Por isso, defendia a participação estrangeira nesse setor. Vamos observar alguns pontos básicos da argumentação do autor, para perceber a articulação que o petróleo tinha dentro de seu raciocínio.

Na matéria Trabalho e progresso social, o autor afirmava que um dos grandes problemas que o governo Dutra enfrentaria eram aqueles causados pelas leis de proteção ao trabalhador. Segundo o autor, o Brasil, na contramão de países civilizados, reduziu o ritmo de trabalho, com o aumento dos salários e a redução do tempo de trabalho, assim como a vigência de feriados. Dizia que a legislação estava aniquilando a capacidade de trabalho, defendendo aquela fórmula de que o trabalhador deveria criar uma reserva para as gerações futuras. Para ele, as melhorias de vida para os trabalhadores não afetavam positivamente a vida deles, pois a estrutura do país ficava atrasada e as benesses seriam apenas artificiais. Era preciso que se trabalhasse mais, se produzisse mais, para que se criasse um “superávit social”, sanando a descapitalização do país. Acusa as “teorias socialistas”, pouco amparadas na ciência, de serem as responsáveis por tal estado de coisas. Dizia:

“Onerando o trabalho, nunca se beneficia o trabalhador. Da-se-lhes a impressão enganadora, mas no final desta corrida para o empobrecimento nacional as primeiras vítimas são as classes assalariadas, as quais se prometeu como definitivo um benefício que só o trabalho intensivo e organizado é capaz de proporcionar. Ao lado da inteligência criadora e das capitais produtivas, a riqueza das nações jamais teve outra origem” 161.

Além do trabalho, a falta de investimento no campo era um problema grave, que era percebido por ele segundo as premissas liberais. Outras correntes viam distintas soluções para o mesmo problema. A importância do petróleo para resolver as deficiências econômicas do Brasil seria ofertar para o campo tecnologia e energia suficientes para aumentar a produtividade e fixar o homem no campo. Apontando sempre para o êxodo rural, dizia que era necessário se criar formas de manter os homens no campo.

Articulando essas concepções, apoiava o capital estrangeiro para a exploração do petróleo, sem onerar um estado descapitalizado, prejudicado por reformas trabalhistas,

190 para que, no futuro, esse combustível auxiliasse no reerguimento da economia nacional. Sua postura com relação aos opositores do anteprojeto de Estatuto do Petróleo era criminalizá-los. Dizia na matéria Petróleo e Capital que, o tema do petróleo poderia ser facilmente levado “para o terreno da agitação demagógica”.

“[...] no fundo, porém, de todo o debate que se tem travado em torno do petróleo, desde a serena dos verdadeiros patriotas até o chauvinismo

artificial dos nossos esquerdistas, mal se dissimula a causa de toda essa

inquietação, que é a tragédia de nossa miséria atual em comparação com essa coisa ainda impalpável e misteriosa que se denomina nossa riqueza potencial. Miséria presente e riqueza futura – realidade acabrunhante e perspectiva gloriosa – tais os polos em que se debate o nosso espírito, já tão referto de abusões e de falsas crenças” 162.

O autor desqualifica a esquerda, se coloca como verdadeiro patriota e aponta para o motivo da agitação em torno do assunto: A miséria do país. Com a perspectiva do petróleo nacional, o autor aponta para a sensação que o povo brasileiro teria sentido: aquela de “um povo de pobretões, a quem se acena com um bilhete premiado” 163. Existe uma contradição na fala do autor, que acusa as reformas imediatas para os trabalhadores como um problema para o Brasil, e o investimento estatal imediato por piorar a economia do país, inclusive prejudicando o consumo dos trabalhadores164.

Só economias com o consumo saturado poderiam investir diretamente no setor, através daquele “superávit social”. Como o Brasil não tinha, deveria pedir ao capital estrangeiro, “aos velhos povos”. Era isso ou esperar “longos anos o esforço civilizador”.

Padilha dizia que a renda nacional era baixa pelo pouco desenvolvimento da técnica. O aumento da renda nacional teria sido “meramente simbólica para o patrimônio individual, pois em todo esse longo período declinou enormemente o poder aquisitivo da moeda”. As causas disso, dizia: “[...] são métodos distributivistas do socialismo e do humanismo econômico, a última das panaceias que nos trazem no bico as pombinhas anunciadoras do milagre post diluviano” 165

. Com uma baixa renda nacional, não era possível se investir em petróleo a partir do estado, nem através da sociedade civil.

162 A Tribuna, 11/03/1948, p.4. 163

A Tribuna, 11/03/1948, p.4.

164 Segundo o autor, existia no país um nível de consumo, tanto de capital quanto de trabalho. A

descapitalização do país causada pela criação da legislação trabalhista teria gerado esse problema. Assim, nem empresários nem trabalhadores estariam dispostos a abrir mão de seu consumo.

191 Desse modo, partia em defesa do estatuto do petróleo. Para ele, “o estatuto pode ser considerado quase perfeito”, pelo fato de manter as jazidas sob controle da União, podendo ser concedidas a terceiros, a pesquisa, lavra, transporte, refinação e exportação, por sistema de autorização ou concessão. A isso acrescido a natureza de “utilidade pública” desses serviços, o que iria designar um papel social às atividades. Ficaria estabelecido, com a aprovação da mudança:

“A conciliação dos poderes decorrentes da soberania nacional com a plasticidade característica do empreendimento particular resulta, em última análise, na proteção do sistema de livre concorrência no qual a intensidade da produção e as exigências do consumo mais facilmente são resolvidas” 166.

Para ele, os oposicionistas dessa medida seriam “jansenitas: tão exageradamente ortodoxos que acabamos mergulhados na heresia” 167

. Em outro trecho percebe-se o enquadramento das medidas possíveis como poder das autoridades, característica do campo político brasileiro e capixaba. Segundo o autor, a transformação do Brasil aconteceria “pela técnica e o capital alienígena, conjugados à nossa própria energia [...] cabendo ao estadista resolver os problemas jurídicos e políticos implicados nessa coparticipação” 168

. Seus argumentos eram sempre feitos em referência a Juarez Távora, inspirador de suas intervenções intelectuais para o setor.

Não haveria riscos de os estrangeiros tomarem o petróleo do Brasil para si, pois o subsolo, segundo o anteprojeto, continuaria sendo brasileiro. Quem administraria as permissões a terceiros seria o estado. As empresas estrangeiras poderiam extrair o petróleo somente subordinado às leis brasileiras através de empresas organizadas no Brasil, tendo no máximo 40% de capital estrangeiro. Além disso, argumentava, as empresas teriam obrigações fundamentais, como: 1) garantia de uma reserva de três vezes o consumo anual do país; 2) refinação em usinas nacionais de ¼ do produto exportado” 169

.

A partir de setembro, o jornal A Tribuna passou a intercalar matérias de Raimundo Padilha com uma coluna chamada Pensamos assim..., em referência ao petróleo e diversos temas. Também ganham mais espaços as matérias de agências, noticiando sobre a capital federal. Começa um esforço maior em qualificar a campanha O Petróleo 166 A Tribuna, 24/03/1948, p.4. 167 A Tribuna, 19/05/1948, p.4. 168 A Tribuna, 18/06/1948, p.4. 169 A Tribuna, 20/07/1948, p.4.