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4.2.3 “O Escandaloso câmbio negro da gazolina” O PCB dentro do campo

4.2.4. Os liberais e a campanha O petróleo é Nosso

Se ser comunista é querer o petróleo brasileiro para os brasileiros [...] comunistas serão todos os que amam verdadeiramente a sua pátria.

Sergipense Penna.

Dentro do campo político capixaba, o assunto do petróleo se tornou relevante em consonância com o debate feito a nível nacional. As coisas esquentaram em 1948, quando os estudantes e setores da sociedade civil começaram a se organizar em torno da Comissão do Petróleo, transformada em Centro de Estudos e Defesa do Petróleo. É perceptível através da leitura das fontes, uma aliança entre setores liberais, socialistas, petebistas e socialistas em torno do monopólio estatal do petróleo. O Jornal A Gazeta em seu recorte liberal dizia serem os militantes de Cachoeiro sua “sucursal”. Uniram-se para, por um lado, defender a tese de Horta Barbosa, e, por outra, se esquivar dos ataques simbólicos desferidos contra os participantes da campanha O Petróleo é Nosso.

Quando um tema amplo da sociedade chegou ao estreito campo e esfera pública capixaba, os detentores do poder não deixaram de se incomodar. Houve uma intensa

139

Folha Capixaba, 27/07/1945, p.4.

178 campanha em prol do monopólio estatal, tanto por parte dos liberais modernos, quanto por parte da esquerda. Mas, por outro, existiu uma constante criminalização da organização capixaba filiada ao Centro do Petróleo carioca. Esta se dava através da identificação da presença comunista naquela instituição. É possível observar que, quando a sociedade começou a se organizar sem o aval da liderança local, contrapondo- se ao que esta apoiava enquanto medida cabível, a ampliação do campo político gerou uma reação conservadora. Portanto, aqueles que defendiam o monopólio estatal, estariam, dentro do argumento reativo, se aliando a comunistas, ou, se fossem de boa fé, enganados ou correndo riscos de serem. Esse discurso, como se verá, vinha da base de Lindenberg, assim como do próprio líder pessedista. Porém, é essencial observar a defesa feita pelos liberais udenistas e pelos socialistas, que sempre apontavam para o caráter amplo da campanha, que congregava diversas posições políticas, inclusive aquelas comunistas.

Uma primeira demonstração disso é percebida através da transcrição feita em A Gazeta do perrepista Segipense Penna, na Câmara dos vereadores de Vitória. O edil, ao apontar o caráter de necessidade de tal campanha, dizendo que “a única solução para este problema será a solução nacionalista”, acusava a estratégia dos opositores da campanha, que repetiam aqueles atos utilizados no Estado Novo:

“[...] chamar a todos os que não concordam com os interesses de determinado grupo de comunistas, como pretendem fazer a todos aqueles que querem dar ao problema do petróleo brasileiro uma solução nacionalista...” 141.

Criticando esse tipo de argumento, enfatizou que:

“Se ser comunista é querer o petróleo brasileiro para os brasileiros, como efetivamente deve ser, e como fazem o General Horta Barbosa, o deputado Arthur Bernardes, etc. Se ser comunista é querer um Brasil livre da influência estrangeira, se ser comunista é querer um Brasil forte econômico, político e militarmente, então, ele, o orador, será comunista e comunistas serão todos os que amam verdadeiramente a pátria” 142.

Esse discurso é um bom começo para a entrada no roteiro liberal. É notável a defesa que o edil perrepista fez com relação à campanha, das acusações dela ser comunista. Os governistas chamavam a todos os participantes de comunistas, sem muita distinção, e a acusavam de conter elementos subversivos. Essa atitude é deslegitimadora não só dos próprios comunistas, mas a todos aqueles que se organizaram na sociedade civil sem a

141

A Gazeta, 10/05/1948, p.4.

179 autorização da liderança local. Nesse aspecto, a ampliação do espaço da esfera pública pela sociedade civil organizada foi acompanhada da deslegitimação governamental, e o álibi, o comunismo. Também é perceptível a disputa pelo título de nacionalista, abalizado pelos pressupostos de alguém que “ama verdadeiramente a pátria”. Aqueles que não defendiam o monopólio não amariam o país de verdade.

Mas a campanha prosseguia. Anúncios de Conferências com lideranças cariocas em Vitória e Cachoeiro de Itapemirim eram noticiadas, assim como a arrecadação de fundos para os eventos. Aliado a isso, o jornal A Gazeta liberal transcrevia discursos do secretário da Comissão Executiva do Petróleo de Cachoeiro de Itapemirim. O socialista Rage Miguel teve vários textos transcritos em A Gazeta. Esse autor, ao defender a iniciativa exclusivista do estado, rebatia alguns argumentos contrários ao monopólio, como a falta de dinheiro. Uma das justificativas para a participação estrangeira no setor seria exatamente o capital, fator que o Brasil não disporia. Miguel contrariava esse argumento mostrando possibilidades de financiamento do empreendimento pelo país, através de empréstimos, como o que fora feito pelo governo federal à Light, assim como através do Plano Salte, que estava em avaliação no Congresso Nacional. Sua indicação é de que, se o referido planejamento disponibilizasse 2 milhões e 500 mil contos para esse fim, logo o Brasil gastaria valores superiores àqueles investidos no México, Venezuela, Colômbia e Uruguai, países que tiveram êxito nesse setor. Porém, finaliza seu discurso se defendendo da mesma acusação a que se referia Sergipense Penna, de que seriam os defensores do petróleo nacional comunistas. Dizia que era:

“[...] desmoralizado e burríssimo o argumento de ser uma campanha... comunista. Continuará tendo a mesma justeza e acerto [...] É evidente que não se replicará chamando-se indiscriminadamente os que optam por concessões a companhias estrangeiras de „vendidos ou antipatriotas‟” 143

.

Após fazer a defesa de seu ponto de vista, o socialista defendeu os militantes da campanha do petróleo do título de comunista, chamando tal adjetivo de “desmoralizado e burrísssimo”. Apontou para o fato de não agirem como os acusadores, “indiscriminadamente”, os chamando de “vendidos ou impatriotas”. Ou seja, saberiam identificar aqueles que eram ou não entreguistas e aqueles que apenas não eram patriotas. O que se observa é uma disputa pelo conceito de patriota, e, ao mesmo tempo,

180 a busca de legitimidade junto à esfera pública através da tentativa de rebater os argumentos desqualificadores.

Outro jornalista de A gazeta, Solimar Leite, apontava para o lugar do Espírito Santo na campanha nacional. O trecho que segue demonstra a construção da comunidade

imaginada capixaba, e seu lugar dentro dela. Falava sobre duas conferências que

aconteceriam no estado, e a importância da participação de todos:

“As duas conferências públicas que serão realizadas nesses próximos dias no Estado, sobre a questão do petróleo, não devem passar olvidadas aos espírito santenses que vêm no seu Estado não apenas de um pequeno espaço muito poético do nosso imenso Brasil, mas principalmente de uma célula muito ativa da alma nacional laborando incansavelmente pela grandeza da pátria”

144.

No anúncio de um Comício em que palestraria o professor Hugo Regis, representando o Centro do Petróleo, a conclamação do povo capixaba utilizava lembranças de lideranças históricas do estado. Segundo o anúncio, os capixabas eram necessários:

“na qualidade de bravos descendentes dos líderes da história de nosso pequenino, mas heroico Estado, Domingos Martins e Maria Ortiz” 145.

Ou seja, dentro do todo nacional o Espírito Santo tinha sua importância, e cada cidadão, descendente de heróis regionais, deveriam participar da campanha nacionalista.

Mas a propaganda negativa, estimulada pela oposição, prosseguia sendo rebatida em A Gazeta, dando o teor das disputas por espaço na esfera pública capixaba. Enquanto Mesquita Neto escrevia em sua coluna Hoje que “Não! Não se trata de um movimento comunista [...] Não! O petróleo é nosso”, em defesa da juventude engajada no movimento, Solimar Oliveira chamava a propaganda contra o Petróleo é Nosso de “nefasta” e “totalitária”, “como toda atividade totalitária, destituída de senso, descabida, inútil”. Rebateu os argumentos de que a indústria estatal seria totalitária, como o fascismo e o comunismo, assim como campanha não estaria a serviço de Moscou. Esse argumento é importante. Os militantes do petróleo, defensores do monopólio estatal eram acusados de, ou estar a serviço de Moscou, ou serem enganados pelos comunistas, ou seja, iriam contra a pátria, consciente ou inconscientemente. Essa argumentação é em qualquer um dos casos, criminalizante e desqualificadora, pois põe o adversário no erro em qualquer uma das hipóteses, já que contrariam aquela considerada correta. A isso Solimar respondeu:

144

A Gazeta, 15/07/1948, p.3.

181

“Não há comunismo, não há socialismo, não há plinismo nem há prestismo, nem barbosadas nesta admirável Campanha do Petróleo. O que há, sobrepairando acima de tudo, numa esperança aos horizontes incendidos de azuis de nossa pátria é propriamente imagem viva do Brasil, grande e poderoso” 146.

Além de rebater as acusações deslegitimadoras, defende o Brasil “grande e poderoso”, demonstrando o caráter brasileiro da campanha, e sua autonomia frente a qualquer influência externa. É perceptível que, os adversários do Petróleo é Nosso passaram a utilizar o imperialismo para desqualificá-los, combatendo o discurso de imperialismo norte-americano com o imperialismo russo. Portanto, além da disputa feita em torno do que era ser um patriota, a luta contra o inimigo estava em disputa, entre a ameaça norte- americana e a suposta ameaça russa.

O apelo feito pelos contrários à campanha é claramente percebido na menção feita por Geraldo Costa, presidente do CNDPE, que apontava para o argumento que deslegitimava as ações do Centro e seus participantes. Aqueles que defendiam o anteprojeto de Dutra diziam que “Quase ninguém entende de petróleo. O problema é muito sério” 147

. Ou seja, além de comunistas, não sabiam nem o que estavam dizendo, sendo o petróleo um problema sério. Esse argumento é totalmente pretensioso, desqualifica o outro a partir de uma generalização ampla que visa impedir que outras falas tenham validade dentro da esfera pública. Desse modo, o petróleo deveria ser assunto de quem entende. E quem resolveria o problema? A mesma autoridade que resolveria os problemas da Central Brasileira. Como as coisas não estavam indo do jeito que o governo queria (nacional e capixaba), a criminalização foi o meio de mitigar a posição monopolista e a organização tanto da oposição quanto dos recém-alijados do sistema político, os comunistas.

Uma coisa era certa e, como se observará, presente em todas as posições políticas: O petróleo existia. A questão era como explorá-lo. Os liberais da UDN defendiam o monopólio pautados na ideia de Barbosa, de que os trustes internacionais eram poderosos e poderiam espoliar as riquezas nacionais. Setembrino Pelissari, estudante pupilo de Eurico Rezende, escrevia em A Gazeta. Além de fazer a mesma defesa da campanha, dizendo que não era comunista, em seu artigo Petróleo, comunismo e

incompreensão (GRANDSON, 2014), apontava para a presença dos trustes, se referindo

ao anteprojeto de Dutra como Shoppista, ou seja, ligado aos interesses dos trustes

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A Gazeta, 23/07/1948, p.3.

182 internacionais. Na coluna A propósito, de Mesquita Neto, ele abordava a questão do petróleo, dizendo que:

“Falar em petróleo é expor-se às observações „policiais‟ dos „patriotas‟, dos que acreditam na possibilidade de a Rússia vir afetar os destinos do Brasil, porque há um grupo de moços simpatizantes do comunismo ou comunistas militantes que também tomam parte na Campanha Nacional do Petróleo” 148.

Novamente a oposição ao movimento taxava-os de agentes da Rússia, mas a novidade está no fator policial. A referência a „observações policiais‟ aponta para uma forma de controle e repressão por parte do governo do estado.

Enquanto a luta de conceitos e argumentos prosseguia, os liberais se mantinham apontando a força dos trustes. Na coluna Nota Carioca, de Victor do Espírito Santo, o jornalista apontava para a Força dos trustes. Em sua concepção:

“Os trustes internacionais do petróleo são tão poderosos, tem garras tão fortes, que muitas vezes, lograram derrotar o próprio Estado Maior dos Estados Unidos. A sua força é tão grande que remove embaixadores e provoca guerras. E quantas mortes misteriosas ficariam completamente elucidadas se o poderio dos trustes não fosse tão imenso” 149.

Portanto, podemos fazer uma breve avaliação da atuação liberal em A Gazeta, para prosseguir a dissertação. Os colunistas defenderam a posição monopolista, ou seja, se colocaram contra a posição desenvolvimentista liberal, assumindo o desenvolvimentismo empresarial, corrente desenvolvida na década de 40. Com isso, defendiam para a indústria petrolífera a necessidade de intervenção do estado, por se tratar de um setor estratégico e importante para outros setores. A forma de ação seguiu aquela defendida pelos partidos diretivos, de organização e mobilização da sociedade. Disputavam o conceito de patriota com seus adversários, assim como o que seria uma ameaça real à soberania nacional, a Rússia ou os EUA. Em sua concepção, o patriota defenderia o monopólio estatal do petróleo, e a ameaça real ao Brasil era norte- americana. Junto a isso, somava-se o papel capixaba na campanha nacional, demonstrando que na visão dessas elites militantes chamavam a população a fazer parte da comunidade imaginada brasileira. Ou seja, os militantes buscavam mobilizar os capixabas dentro de uma abstração ampla de sociedade brasileira, que congregaria, por sua vez, os brasileiros sob os mesmo interesses, que seriam os mesmos para todos que estivessem em território nacional. Com isso buscavam mais aqueles pontos de encontro

148 A Gazeta, 27/01/1949, p.8. 149 A Gazeta, 19/09/1949, p.3.

183 e semelhança entre os cidadãos do que suas diferenças culturais e territoriais. Então uma estratégia de defesa e ataque (no sentido de propaganda) caracterizaram os reclamos dos liberais udenistas de A Gazeta, que enfrentaram a reação dos donos do poder no “curral dos coronéis”. Fazia-se a luta de posições, pois, dentro de um campo político estreito, diversas posições políticas buscavam conquistar espaço na esfera pública e no próprio campo, de forma a obter bases de apoio na sociedade civil.

4.2.5. “O petróleo é nosso, não da Standard”. A campanha em Cachoeiro de