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2.4 O trabalhismo, os sindicatos e o PTB

2.4.2. Populismo e trabalhismo

O conceito populismo foi bastante utilizado para configurar um tipo de relação entre o Estado e o povo, especificamente os trabalhadores. Seu uso conota ação governamental e passividade do povo, manipulação por um lado, e manipulados por outros. Alguns autores deram atenção a esse uso, que, por exemplo, é refutado pela análise acima exposta por Ângela Maria de Castro Gomes. A consolidação da corrente interpretativa seu deu no capítulo do livro organizado por Jorge Ferreira, O populismo e sua história:

debate e crítica, no debate feito pelo organizador em O populismo e as Ciências Sociais no Brasil.

Nas palavras de Cardoso:

“[...] a investigação histórica da classe trabalhadora no Brasil levou-o a concluir que tal classe teve um papel de sujeito, não passivo, que realizava “escolhas segundo um horizonte de um campo de possibilidades”, o que, por si só, já invalidaria o uso do conceito populismo [portanto] contrapõe-se ao

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uso da categoria cooptação e manipulação para descrever a relação entre classe trabalhadora e Estado no populismo, uma vez que ela defende uma relação de pacto trabalhista, em que havia negociações, concessões e resistência entre os atores em que, mesmo admitindo-se que estes eram desiguais, não havia, segundo ela, “um Estado todo poderoso e nem uma classe passiva porque fraca e numérica e politicamente” (CARDOSO, 2014, p.27).

Daniel Aarão Reis filho, também em capítulo no livro organizado por Ferreira, chamado

O colapso do colapso do populismo, aponta para o mesmo caminho, identificando o

trabalhismo enquanto defensor do nacionalismo, estatista e popular, com independência internacional, interventor e regulador da economia, assim como promotor de bem-estar financeiro para os trabalhadores, através de planos de carreira, sindicatos, Iap‟s, justiça do trabalho e do assistencialismo. Porém, com o golpe de 1964, atribuiu-se a essa relação os termos de demagogia, paternalismo, permeados de corrupção, fisiologismo, irresponsabilidade, irrealismo, peleguismo, em um processo de demonização do trabalhismo, feita por uma posição liberal (CARDOSO, 2014).

Jorge Ferreira em seu capítulo, O nome e a coisa, argumenta que o nome populismo foi a forma encontrada por alguns para chamar aquela relação entre Estado e sociedade, uma categoria histórica, que foi, porém, distinta nas concepções sobre a coisa, por exemplo, como a visão udenista e a petebista. No ano após 64, os atributos dados ao populismo foram simplificados, diluindo as diferenças existentes, sobrevivendo a concepção de que o populismo era baseado na manipulação das massas, em que o Estado todo poderoso trataria de uma relação ativa o povo passivo, enganado ou confundido, por motivos demagógicos. Se opondo a essa concepção e a esclarecendo melhor, diz que o sucesso do trabalhismo se deu pelo retorno material e simbólico dado aos trabalhadores, o que, porém, não deslegitima a formação da classe trabalhadora, pois é a “consciência de classe, legítima porque histórica” (CARDOSO, 2014).

Outros estudos demonstram que essa passividade dos trabalhadores não correspondeu a realidade, pois, mesmo que limitados pelo sistema corporativo sindical, os trabalhadores realizavam cálculos políticos, negociações, concessões e resistências, e até adaptações do nacionalismo de Estado a concepções próprias, não aceitando passivamente o sentido de politização promovida pelo Estado, como demonstram os trabalhos de Fernando Teixeira e Hélio Costa, Trabalhadores urbanos e populismo e de Eliana G. da Fonte Pessanha, Classe trabalhadora e populismo (CARDOSO, 2014).

81 Sobre o projeto construído pelo governo Vargas, o trabalhismo entrou no sistema democrático burguês e obteve vantagens, gerando enorme incômodo por parte da oposição liberal, que atribuiu a relação que colocou o trabalhador como ator político decisivo na cena política como demagogia, além de desqualificar as escolhas dos trabalhadores, que não seriam dotadas de cálculo ou validade, mas apenas de incapacidade. Essa visão a qual se contrapõe os autores acima citados foi dominante e ainda tem existência em discursos políticos, ocultando a complexidade da questão, porém, recebendo um tratamento no sentido de mostrar uma leitura alternativa.

2.4.3. O PTB

O projeto feito pela assessoria de Vargas tinha a pretensão de manter o Estado Novo, implementando a nova relação entre Estado e sociedade, porém, a previsão de uma possível eleição gerou o Plano B, e mesmo esse não deu conta dos acontecimentos gerados pelo surgimento de uma forte oposição. O escopo amplo desse projeto teve de ser adequado ao curso da redemocratização, e a participação eleitoral antes marginalizada se tornou central. Mesmo o surgimento do PTB em 15 de maio não havia o colocado enquanto signatário político do projeto ou mesmo ator relevante no processo eleitoral. A classe trabalhadora representada pelo PTB estava em suspenso. Foi no final de 1945, em 3 de novembro, que o registro final do partido ocorreu e que então o partido ganhou existência e força, com o direcionamento de Vargas para o apoio a Dutra. O trabalhismo ganhou sua forma partidária através do PTB, surgido nos desdobramentos mais inesperados para o projeto estado novista (GOMES, 2005).

O partido buscou se instalar primeiro em centro urbanos, onde tinham mais trabalhadores industriais, mais propensos a cultura trabalhista, sendo, porém, sua posterior inserção em áreas rurais feita de maneira estratégica, no aproveitamento das cisões entre elites regionais para conquista de posições nos governos, mas, para além disso, no ganho do eleitorado rural. A consolidação de coligações encontrou no primeiro momento a possibilidade de se entrar em municípios fechados a influência petebista, o que era um fato importante para o partido, haja vista a predominância da política de tipo municipal rural no Brasil no período de 1945 a 1964.

Segundo Glaúcio Ary Dilon Soares, no artigo democracia interrompida, o PTB surgiu como um partido centralista, no qual as sedes regionais deviam obediência à sede nacional, demonstrando não haver autonomia interna, sendo autoritário e hierárquico,

82 além de, como salienta Maria Victória Mesquita Benevides em Disputas do PTB em

São Paulo, não ser um partido necessariamente composto por trabalhadores, ao

contrário, era mais um partido para os trabalhadores que um partido dos trabalhadores (CARDOSO, 2014).

Maria Andréa Loyola, no livro O PTB e os sindicatos, em um estudo de caso em Juiz de Fora, demonstra como os trabalhadores organizados na base sindical tiveram dificuldades de participar do partido como candidatos, pois a elite partidária dentro da rígida hierarquia tornava a possibilidade de participar algo dependente de cálculos e manobras políticas. Confirma o que Soares diz sobre alianças com elites, pois, mesmo sendo Juiz de Fora um município relativamente industrializado desde a virada do século, para lançar um candidato de base sindical de uma fábrica de tecidos, as lideranças tiveram de trocar favores com Tancredo Neves para conseguir seu objetivo. Infelizmente a pesquisa não fala o nome de trabalhadores ou da empresa, haja vista que o espírito inicial da pesquisa paga pela empresa era sondar os trabalhadores, pois ali estava em vias de implantação um projeto de modernização (LOYOLA, 1980). Desse modo, as informações sobre os agentes sempre se dão de maneira incompleta. Outro detalhe a se ressaltar era a força que o trabalhismo de Vargas tinha sobre as lideranças sindicais, sempre se referindo as falas de Vargas, assim como o papel que eles próprios tinham que ter frente aos comunicados e orientações daquele.

Dentro do partido, segundo Lucília Neves Delgado, que escreveu o livro PTB:

Getulismo e Reformismo existia uma diferença de posições políticas desde a fundação

do partido, que se dividia em duas: os getulistas pragmáticos e os doutrinários

reformistas. De um lado, aqueles que reforçavam a mística de Vargas e se preocupava

com as alianças a fazer com outros partidos de modo a expandir o eleitorado e participar de governos. De outro, aqueles que defendiam a uma postura mais independente da figura de Vargas, assim como mais atentos à um programa de governo doutrinário, ligado ao reformismo. Dentro do período em questão, são essas duas correntes que vigoram dentro do PTB, porém, vale a pena destacar que, na história do partido surgiu outra linha de grande importância para o partido, que foi a dos pragmáticos reformistas, surgidos do tipo de ação política instrumentalizada por João Goulart, a partir do momento em que foi ministro do trabalho de Vargas, em 1952. Essa vertente iria buscar o reformismo e se radicalizaria nos anos seguintes.

83 Por fim, fora as disputas internas do partido, no âmbito de concorrência eleitoral e de formação de bases se encontravam os partidos que disputavam os trabalhadores, que eram o PCB, o PSP, a Igreja e mais posteriormente – 1957 em diante – a UDN, com uma mudança de diretrizes. Benevides demonstrou como não se pode atribuir ao fato de o PTB ser um partido para os trabalhadores e não dos trabalhadores à falta de inserção no meio operário, isso porque, além de não ser uma marca do PTB em todo o país e ter crescido, também ignora os concorrentes de público, que dependendo da efetividade da propaganda dentro do contexto social e conjuntural, poderia enfraquecer o ganho de eleitores. No caso de São Paulo, os petebistas não tiveram êxito, pois o Adhemarismo e o Janismo eram fortes, assim como a presença do PCB. Em Minas Gerais, Juiz de Fora, o PTB teve relevância e deixou o PCB em segundo plano, mantendo-o como aliado. No Espírito Santo, o PTB estava nas mãos de elites, e na classe trabalhadora o PCB era mais efetivo.