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A viagem em questão: Capistrano de Abreu e Roquette-Pinto

As formas do fazer etnográfico no IHGB

1. A viagem em questão: Capistrano de Abreu e Roquette-Pinto

Capistrano de Abreu (1853-1927) ocupa um lugar de destaque na historiografia brasileira e pode ser considerado o mais importante historiador do início do século XX. Lugar certamente construído a posteriori187, mas também durante sua vida. Para muitos, o historiador que seria capaz de escrever uma nova História do Brasil em substituição à História Geral do Brazil de Francisco Adolfo de Varnhagen. E apesar de capaz, não teria correspondido aquilo que era esperado, pois, nunca publicara tal obra. No entanto, para outros essa obra de revisão da história do país não poderia ter sido feita por Capistrano, uma vez que o rigor metodológico e a necessidade de provas documentais para a escrita do passado realizada pelo autor não permitiriam a realização de tamanho empreendimento.

Suas principais publicações historiográficas foram O descobrimento do Brasil e seu desenvolvimento no século XVI188, de 1883, e Capítulos de História Colonial189, de 1907.

187Tal história, qual memória? Capistrano de Abreu na história da historiografia brasileira?. Projeto História

(PUCSP), v. 41, p. 491-526, 2010.;

188ABREU, Capistrano de. O descobrimento do Brasil e seu desenvolvimento no século XVI.Rio de Janeiro: Typ. de G. Leuzinger & Filhos, 1883.

Também teve diversas publicações em revistas e jornais, mas principalmente de documentos coloniais que foram divulgados e até mesmo descobertos por seu trabalho. Fernando Amed defende em seu estudo sobre o autor que o grande volume de correspondência - foram publicadas 1.035 cartas enviadas e 196 recebidas - deve ser visto não apenas como suporte para a pesquisa sobre sua trajetória, mas ela mesma como parte importante e necessária para um entendimento mais profundo de características que não podem ser observadas a partir dos livros e artigos. Nas palavras de Amed,

No segundo plano de tratamento das cartas - a correspondência como fonte de estudo - , buscamos operar com as informações que ela apresentava com profusão. E, ao nos encaminharmos nessa direção, encontramos elementos que permitiram conceber os interesses de pesquisa, os métodos de trabalho, as dificuldades apresentadas pelo historiador.190

Assim como Amed, Rebeca Gontijo ao se dedicar a essas mesmas cartas afirma que elas trazem uma série de informações que permitem ao historiador entender os bastidores desse fazer história e perceber como foi um trabalho coletivo de reflexão, troca de materiais e experiências. Portanto, ambos nos mostram possibilidades diversas ao abordar as cartas de Capistrano de Abreu, pelas particularidades que essa prática teve dentro do conjunto de sua produção como intelectual.

Embora nossa pesquisa não seja sobre a correspondência de Capistrano de Abreu, essas considerações iniciais se fazem necessárias porque utilizaremos as cartas, assim como alguns textos, com o objetivo de compreender como foi a escrita etnográfica do historiador. Além das citadas obras historiográficas e da divulgação documental que ocuparam um grande espaço nas preocupações de Capistrano, outra questão de seu interesse foi a etnografia. E, apesar de atualmente ter seu reconhecimento em larga medida ligado ao fazer historiográfico, foi também um importante etnógrafo do início do século, inclusive

189Idem. Capítulos de História Colonial.Rio de Janeiro : M. Orosco, 1907

190AMED, Fernando José. As Cartas de Capistrano de Abreu: sociabilidade e vida literária na Belle Époque

cultivando relações intelectuais com outros pesquisadores que se dedicaram à etnografia, em nível nacional e internacional.

Além de seus dois livros de história do Brasil, há um trabalho na área de etnografia que podemos considerar entre suas obras mais importantes. Rã-txa Hu-ni-ku-i – A língua dos caxinauás do Rio Ibuaçu, afluente do Murú (Prefeitura de Tarauacá) é o resultado de anos de dedicação a este ramo do conhecimento e veio a lume no ano de 1914. Por sinal, mesmo ano de realização do I Congresso de História Nacional e já naquela ocasião era apontado como um modelo de fazer etnografia de forma moderna. Capistrano de Abreu tornou-se referência tanto para historiadores, quanto para aqueles que quisessem estudar etnografia. Sua prática e influência foram legitimadas tanto pelas relações estabelecidas com outros intelectuais, como é possível observar em suas cartas, quanto por instituições como é o caso do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

A relação de Capistrano de Abreu com o IHGB pode ser caracterizada como em constante tensão. Por um lado mantinha laços estreitos com sócios importantes e atuantes do IHGB, mas por outro criticava e renegava a instituição da qual era sócio correspondente desde 1887, elevado a honorário em 1913 e benemérito em 1917191. Esse reconhecimento por parte do IHGB certamente estava ligado à relevância que o historiador atingiu para os estudiosos no período. O fato de também ser referência na área da etnografia, principalmente aquela praticada pelos membros do IHGB, certamente seria suficiente para justificar um olhar mais detido sobre suas pesquisas. Porém, o que consideramos em primeiro lugar foi a homenagem ofertada pelo IHGB em 1917 a seu livro Rã-txa Hu-ni-ku-i. Neste ano foi concedido o prêmio D. Pedro II - considerado o prêmio mais importante oferecido pelo IHGB no período - a três trabalhos: Rôndonia de Edgar Roquette-Pinto; Expansão geográfica do Brasil até fins do século XVII de Basílio de Magalhães; e, por fim, Rã-txa Hu-ni-ku-i de Capistrano de Abreu. Homenagem devidamente recusada pelo último, como demonstra em carta enviada a Afonso de Taunay:

191 OLIVEIRA, Maria da Glória de. Crítica, método e escrita da História em João Capistrano de Abreu (1853-1927). Dissertação de mestrado defendida no programa de Pós-graduação em História da UFRGS.

Vou hoje ao Instituto Histórico tomar notas para refazer o artigo sôbre os Guaianazes, que será reimpresso na revista de Alberto de Faria. Na mesma ocasião, redigirei um ofício ao Presidente sôbre o tal medalhão de ouro, entaladela bem desagradável, para quem como eu abomina a Satanaz com tôdas suas pompas e obras.192 Apesar da recusa, entendemos que o recebimento do prêmio era uma forma de legitimação de seu trabalho por parte do IHGB, assim como dos demais premiados. Dois estavam na categoria que chamamos de etnografia e antropologia e um de geografia. Podemos apontar algumas características comuns entre os vencedores que permitem justificar a repercussão que obtiveram. Paulo Iumatti e Júlio Vellozo, ao tratar do conhecimento produzido na Primeira República brasileira, apontam para a questão da modernização e da forma empírica de pesquisa que era valorizada no início do século XX:

Observamos que a demanda convergente por um espaço de legitimidade colaborou de forma decisiva para que se processasse uma mudança no paradigma predominante do que era tido como um conhecimento legitimamente reconhecido como verdadeiro. Tratava-se de modernizá-lo, de colocá-lo em consonância com métodos desenvolvidos na Europa e nos Estados Unidos. Com efeito, é possível constatar (e o fato tem sido constatado, mas não explicado pela bibliografia pertinente) que, em face das necessidades práticas, concepções deterministas e grandes sistemas biológicos, filosóficos ou sociológicos, que interpretavam a evolução total da humanidade ou fatos específicos a partir de prismas mais ou menos inflexíveis, dando pouca margem para o diálogo com o empírico, perderam espaço em todas as áreas: na medicina, na engenharia, nos estudos geográficos e geológicos, nos estudos linguísticos e etnológicos, na história etc.193

No mesmo texto os historiadores destacam estudos de Capistrano de Abreu e Basílio de Magalhães como exemplares desta forma de pesquisa empírica. É neste sentido que o uso da Geografia por Basílio de Magalhães pode ser comparado às pesquisas etnográficas 192ZEMELLA, Mafalda. Capistrano de Abreu, o historiador e o homem. Revista de História USP. Nº 17, vol,

VIII, ano V, pp-3-16, Jan-Março 1954, p. 14.

193 IUMATTI, Paulo Teixeira ; VELLOZO, Julio. . Conhecimento, politica e instituiçoes no Brasil (1889-

de Capistrano de Abreu e Edgar Roquette-Pinto. Ainda a respeito do prêmio, Vanderlei Silva relata no seguinte trecho as memórias de Roquette-Pinto sobre o evento e a reação de Capistrano de Abreu:

Em 1917, o IHGB havia conferido o prêmio "Medalha de Ouro Pedro II" a Capistrano, pela publicação de A língua dos Caximauás, e a Roquette, pela obra Rondonia: ethnografia-anthropologia. A propósito desta premiação, Roquette lembra que Capistrano tentou dissuadi-lo da idéia de comparecer ao IHGB no dia marcado para a concessão da referida medalha, tamanha sua indisposição em participar de homenagens e cerimoniais. Em narrativa bem humorada, Roquette-Pinto lembra que Capistrano chegou mesmo a inventar uma viagem ao Rio Doce, "a pretexto de visitar índios Botocudos". Queria de todo modo que Roquette-Pinto o acompanhasse, mesmo que isso significasse uma "descortesia à venerada casa". Para não receber a medalha de ouro, completava o antropólogo do Museu Nacional, Capistrano foi mesmo ao Rio Doce fazer pesquisa etnográfica. A partir daquela data, "passou a me chamar, por carta e de viva voz, Esaú ou Zaú. Queria dizer com isso que eu tinha trocado uma visita científica aos índios... por um prato de reles lentilhas".194

Memórias contadas em tom descontraído, mas que demonstram o contato entre os dois pesquisadores em torno de um interesse comum. O historiador e o antropólogo, ambos agraciados pela mesma premiação, representavam duas possibilidades de conhecimento etnográfico distintas em muitos pontos, mas que mesmo assim poderiam se aproximar em outros. Dentre os elementos de convergência podemos destacar a valorização de aspectos da pesquisa e apreço ao empirismo, busca por uma modernização do conhecimento e de uma identidade brasileira ligada ao interior e ao povo. Os dois métodos praticados especificamente nas obras agraciadas pela premiação giram em torno de uma questão central do fazer etnográfico: o contato com o indígena. Neste quesito, apesar de tomarem posições contrárias quanto à forma de coleta de informações convergem quanto à 194 SOUZA, Vanderlei Sebastião de; LIMA, Nísia Trindade . Memórias de um antropólogo na primeira

metade do século XX: as "Notas e Opiniões" de Edgard Roquette-Pinto nas páginas do Jornal do Brasil. Varia

necessidade de uma observação e proximidade com aqueles que forneceriam os elementos necessários para a realização da pesquisa.

Beatriz Protti Christino se dedicou ao livro Rã-txa Hu-ni-ku-i de Capistrano de Abreu a partir de dois níveis de análise. Em primeiro lugar, o nível externo, em que contextualizou a obra do historiador em uma rede internacional de sul-americanistas formada entre as décadas finais do século XIX e as iniciais do século XX. Em segundo lugar, o nível interno mais próximo de sua área de especialidade, historiografia linguística, em que analisou meticulosamente as escolhas, modelos e métodos empregados por Capistrano na coleta e descrição dos vocábulos da língua da família Pano dos Caxinauás. No nível externo, aquele que mais nos interessa, Christino demonstra que ao se inserir Capistrano em uma rede mais ampla de pesquisadores chamados de sul-americanistas, percebe-se que sua obra atende a preocupações e estabelece um diálogo diretamente com aqueles que se dedicavam no período ao fazer etnográfico destas populações. Neste sentido, Capistrano de Abreu estava inserido em um conjunto de regras que essa especialidade exigia. Dentre as mais importantes e relevantes para o grupo estava a interação com o informante. Esse item, segundo a autora, ocupava um grande espaço nas reflexões teórico-metodológicas dos pesquisadores e era alvo na crítica aos demais estudiosos do tema, configurando-se em uma medida de confiabilidade dos registros realizados em determinada pesquisa legitimando-a ou não.195

A busca por um modelo de análise empírica e moderno, apontado por Paulo Iumatti e Júlio Vellozo como característica de alguns pesquisadores de maior destaque no período, pode ser vista pelos historiadores nos métodos de crítica documental praticadas no período. Por sua vez, para aqueles dedicados à etnografia os métodos que conduziam essa interação entre pesquisador e informante ganhavam a relevância que os documentos possuíam para os primeiros. E, no caso de Capistrano de Abreu, acompanhava suas duas práticas. O conhecido rigor historiográfico que possuía também era presente em suas preocupações de coleta de informações com os indígenas. Assim como Roquette-Pinto, em suas análises de antropologia física atendia os parâmetros de cientificidade que a área exigia. No Prêmio D. 195CHRISTINO, Beatriz Protti. A rede de Capistrano de Abreu (1853- 1927): uma análise historiográfica do Ra-txa Hu-ni-ku-i em face da sul-americanística dos anos 1890-1929. 2007. Tese (Doutorado em

Pedro II ofertado pelo IHGB as três obras atendiam essa especificidade e se tornaram modelares para outros estudiosos. Capistrano de Abreu e Edgard Roquette-Pinto estabeleceram contatos próximos aos indígenas que foram seus informantes para a confecção das obras: um trazendo índios ao seu convívio e outro viajando ao convívio dos índios.

O modelo praticado por Capistrano de Abreu causa certa estranheza, pois o desenvolvimento da Antropologia e de seus métodos de pesquisa eliminaram a possibilidade de encomendar índios para o convívio pessoal a fim de estudá-los. No entanto, nas décadas em que o autor se dedicou a tal empreitada isso não foi um problema. Capistrano conviveu com Caxinauás para a escrita de seu Rã-txa Hu-ni-ku-i, e também com Bacaeris por um período longo de tempo. Essa prática de trazer o indígena não foi uma exclusividade de Capistrano e outros dois textos que aparecem em nosso levantamento da Revista do IHGB utilizam o mesmo método: Os Kraôs do Rio Preto no Estado da Bahia, de Theodoro Sampaio, e Vocabulario da língua dos Borôros-Coroados do Estado do Matto- Grosso, de Basílio de Magalhães. A diferença foi que Sampaio e Magalhães aproveitaram oportunidades que surgiram quando alguns indígenas estavam em situações que permitiram o trabalho. Mas ao menos Theodoro Sampaio não dispensava a possibilidade de encomendar indígenas assim como Capistrano:

Tenho muito desejo de continuar os estudos linguisticos de referencia às tribus não tupis, de que ainda ha alguns restos, perdidos nos sertões bahianos. Mas difficuldades são muitas, e eu nem sempre posso viajar até me por em contacto com aquella gente selvagem. Estou a empenhar-me com o Governo a ver se consigo delle que me mande conduzir para aqui, para a Bahia, um índio Patachó que desconfio subordinado ao grupo Gê, o qual fala regular. O português, e móra na comarca dos Ilhéos. Si o conseguir, será para mim uma fortuna.196

196Carta de Teodoro Sampaio a Theodor Koch-Grunberg. Pasta 19, Série “Correspondência”, ATKG Apud

O destinatário de Theodoro Sampaio também é revelador da aceitação do método. Theodor Koch-Grunberg (1872-1924) foi um dos principais exploradores estrangeiros que percorreram o Brasil entre os últimos anos do século XIX e primeiros do XX e, segundo Beatriz Christino, também se utilizava de informantes em cidades brasileiras para conseguir informações. Koch-Grunberg em carta enviada a Curt Nimuendajú aconselha o pesquisador a usar o mesmo modelo de Capistrano de Abreu:

Mas também no próprio Pará [Belém] o Sr. pode empreender estudos indígenas com toda a tranquilidade e conforto. Há certamente lá, assim como em Manaos, entre os criados algum índio do interior, que paralelamente ao Português ainda fala a língua de sua tribo. É preciso apenas levar essa gente a falar e contar e, para isso, o Sr. É o homem certo. Pense em Capistrano de Abreu, que também não reuniu no Alto Juruá sua obra maravilhosa e na América do Sul realmente singular!197

Fazer etnografia a partir do convívio com indígenas em cidades, fazendas de amigos ou até mesmo em casa, era uma possibilidade metodológica para o pesquisador que não poderia ou não queria estar entre os nativos. Vanderlei de Souza ao analisar a experiência etnográfica de Roquette-Pinto observa outra prática que teve início no Brasil com a viagem do antropólogo realizada junto à comissão Rondon, e que resultou no livro premiado pelo IHGB Rondônia. As características que o historiador aponta na obra de Roquette afastam o antropólogo daquela geração oitocentista ligada ao IHGB e até mesmo ao Museu Nacional, e principalmente de missionários e administradores que também escreveram etnografias. Uma preocupação metodológica com o contato que estabeleceria com os nativos diferenciava o trabalho realizado na expedição, embora ainda não pudesse ser associado à nova antropologia “cuja preocupação consistia, antes de tudo, no treinamento acadêmico dos modernos métodos de trabalho de campo e no estabelecimento da observação participante intensiva como uma norma profissional”.198Apesar de atender algumas dessas características, a etnografia de Roquette-Pinto ainda estava ligada ao olhar de um 197 Carta de Thodor Koch-Geunberg a Curt Nimuendajú-Unkel, 16 de setembro de 1920, Série

“Correspondência”, Pasta29, ATKG Apud CHRISTINO, Beatriz Protti, Op. Cit. p. 146.

naturalista e não de um etnógrafo profissional, motivo que leva Vanderlei de Souza a entendê-lo como mais próximo de uma geração intermediária, anterior a profissionalização da antropologia.

Essa preocupação descritiva e arquivística da realidade, tal qual um cientista natural, somado a uma análise articulada entre componentes empíricos e teóricos, estão presentes no relato de viagem publicado por Roquette-Pinto. De outro lado, é preciso destacar que sua permanência entre os indígenas, e o próprio esforço que fizera por aprender a linguagem nativa e com eles se comunicar, também colocava sua etnografia num caminho de transição para aquela que Malinowski inauguraria na década de 1920.199

Porém, se não podemos caracterizá-lo como um praticante da etnografia pós Malinowski, é necessário compreender que sua viagem, assim como as obras de Capistrano de Abreu, Theodoro Sampaio e Basílio de Magalhães, tinha o reconhecimento como obra etnográfica nacionalmente e até mesmo internacionalmente. Suas características mais evidentes foram apresentadas com o intuito de demonstrar duas formas de fazer etnográfico distintas, mas que contavam com um elemento comum: a necessidade do contato.

O trabalho realizado por Edgar Roquette-Pinto, em Rôndonia, demonstra uma preocupação com a questão do contato para a escritura da obra, como podemos ver em alguns trechos que autor explicita tal preocupação ainda na apresentação do livro:

Seria rematada prova de incapacidade imaginar que se póde colher, de uma vez, todos os segredos ethnographicos de um tal povo. Os Parecís foram descobertos em 1718. Foram visitados, desde então continuiamente, por sertanistas intelligentes, depois por naturalistas, e até por ethnologos de valor.

No entanto, so agora, por amizade de alguns velhos chefes influentes, pôde Rondon conseguir algumas lendas, tradições e explicações de maior alcance.

Para decifrar os engimas de um povo selvagem é preciso o concurso de muitos observadores. E ha enigmas que ficarão, eternamente, na sombra.200

Esta afirmação de Roquette-Pinto acompanha um agradecimento ao General Candido Rondon, responsável pela exploração da qual fizera parte. Um agradecimento que vai além da oportunidade de participar da exploração, uma vez que Roquette-Pinto atribui a ele a possibilidade de realização de sua pesquisa, ao possibilitar o seu acesso a informantes de valor. Portanto, para o autor, apenas a partir da interação assegurada por Rondon foi possível a produção de uma etnografia que tinha como objetivo expor um retrato da situação dos indígenas da Serra do Norte:

Em minha excursão á Rondonia, em 1912, procurei archivar esses phenomenos que se vão sumindo vertiginosamente.

Tentei tirar um instantaneo da situação social, anthropologica e ethnographica, dos indios da Serra do Norte, antes que principiasse o trabalho de decomposição que nossa cultura vai nelles processando.

Esta prova photographica, que deixal-a sem retoques: ella ahi está. É um cliché crú. As vezes, parece um pouco melhor porque me foi