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Um projeto de escrita etnográfica para o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro no início do século

1. O desenho de um programa etnográfico em dois Congressos

97ALBURQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. História: a arte de inventar o passado. Bauru, SP: Edusc, 2007, p.

Em sessão realizada no IHGB em 1913, Manuel de Oliveira Lima98 (1867-1928) pronunciou uma conferência intitulada o Actual Papel do Instituto Histórico na qual discutia quais desafios deveriam ser enfrentados por seus sócios naquele momento. Mobilizando sua vasta experiência internacional, propôs a realização de um Congresso nos moldes dos que eram organizados na Europa e nos Estados Unidos, “em que fossem representados todos os institutos históricos estaduaes, formando-se assim uma federação intellectual e affectiva” com o objetivo de “reforçar entre nós o sentido nacional”99.

O papel do Instituto defendido por Oliveira Lima, evidenciado diversas vezes em seu texto, é o de “divulgador maximo das informações relativas ao nosso passado commum”100. A escrita da história desejada nesta conferência tinha como perspectiva um forte componente patriótico, que no entender de Oliveira Lima deveria ser o fio condutor desta produção e da realização de um Congresso organizado pelo IHGB.101

A proposta oficial de realização do Primeiro Congresso de História Nacional foi pronunciada na sessão seguinte do mesmo ano por Max Fleiüss (1868-1943), historiador e secretário perpétuo do Instituto. Fleiüss retoma o discurso de Oliveira Lima e coloca em votação a proposta que foi aprovada por unanimidade.

Realizado no Rio de Janeiro entre 7 e 16 de setembro de 1914, o I Congresso de História Nacional foi dividido em 9 seções de trabalho que contemplavam variados 98 Manuel de Oliveira Lima nasceu em Recife no ano de 1867 e morreu em 1928 em Washington. Foi

embaixador durante a Primeira República e um dos intelectuais de maior prestigio do país. Sua produção abrange as áreas de história, crítica literária e diplomacia. Teve uma importante participação no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e foi um dos membros fundadores da Academia Brasileira de Letras. Sua carreira diplomática, apesar do sucesso, teve fim precocemente no ano de 1913. Quando já havia passado por Portugal, Inglaterra, EUA, Alemanha, Japão, Venezuela e Bélgica. A partir de então, e até sua morte, passa a se dedicar com mais intensidade a escrita, preocupado em um primeiro plano com temas que giravam em torno da questao da nacionalidade. Alguns elementos que marcaram a obra do historiador foram a valorização do iberismo, uma ausência de rupturas em sua interpretação histórica e uma defesa do pacifismo e da neutralidade brasileira perante a guerra. Para maiores detalhes sobre a trajetória e obra de Oliveira Lima consultar: MALATIAN, Teresa . Oliveira Lima e a construção da nacionalidade. Bauru: Edusc/FAPESP, 2001. v. 1. 443p; VELOZZO, Júlio César de Oliveira. Um Dom Quixote gordo no deserto do esquecimento: Oliveira Lima e a construção de uma narrativa da nacionaldade. O livro de Teresa Malatian possui um recorte que cobre a sua carreira diplomática, ou seja, o livro termina em 1913 enquanto que a disertação de Júlio Velozzo privilegia aspectos de sua atuação intelectual e percorre toda a produção do autor.

99LIMA, Manuel de Oliveira. Actual Papel do Instituto Histórico. Revista do IHGB, Tomo LXXVI, parte II,

1913, p. 489.

100Idem,p. 489.

aspectos da história pátria. Cada seção possuía um relator e eram apresentadas teses oficiais e avulsas, sendo as primeiras escritas por convite do próprio Instituto e as outras que deveriam passar por aprovação dos organizadores da seção. Segundo Lúcia Maria Paschoal Guimarães, o evento foi responsável por promover a “sistematização do conhecimento histórico disponível conferindo-lhe unidade e coerência”.102

As reuniões preparativas para a realização do I Congresso de História Nacional tiveram seu início ainda em 1913, tomando como conclusão dividir o mesmo em nove seções em que cada uma teria um nome escolhido para desempenhar a função de relator. O relator tinha a incumbência de organizar toda a seção: a escolha dos temas que seriam apresentados, quem apresentaria as teses oficiais e quais teses avulsas seriam aceitas. Consequentemente, as seções trouxeram características marcantes de seus organizadores.

Edgard Roquette-Pinto (1884-1954) 103foi o escolhido para a seção de História das explorações archeologicas e ethnographicas e propôs sete pontos que deveriam ser abordados pelos expositores. Foram selecionados os respectivos responsáveis para cada tema, segundo suas especialidades:

3ª Secção - Historia das Explorações Archeologicas e Ethnographicas104

Tese Título Autor

1.ª Distribuição geographica das tribusindigenas na época do AffonsoA. de

Descobrimento Freitas

2.ª Troncos linguisticosindigenas do Brasil e sua influencia recíproca Rodolpho

102GUIMARÃES, Lúcia. OpCit, p .167.

103Além de Edgard Roquette-Pinto, outros nomes foram selecionados para compor a seção após a escolha dos

apresentadores que, seguindo a orientação da organização do evento, deveriam acompanhar os trabalhos nos dias de exposição, assim a seção ficou com a seguinte composição: Dr. Edgar Roquette-Pinto (presidente), Dr. José Vieira Fazenda, Dr. Benjamin Franklin Ramiz Galvão, Dr. Theodoro Sampaio, Dr. Affonso A. de Freitas, Dr. Nelson de Senna, Dr. Domingos Jaguaribe, Dr. Affonso Claudio e Barão de Studart. Anais do Primeiro

Congresso de HIstória Nacional, Rio de Janeiro, IHGB, Imprensa Nacional, 1915-1917, v. 1, p. 83.

104Anais do Primeiro Congresso de HIstória Nacional, Rio de Janeiro, IHGB, Imprensa Nacional, v.2, 1915-

durante os tempos históricos. Modificações dos idiomas. Schuller 3.ª A contribuição etnographica dos padres da Companhia de Jesus e Nelson deSenna

doschronistas leigos dos primeiros séculos.

4.ª Os naturalistas viajantes dos séculos XVIII e XIX e o progresso da TheodoroSampaio ethnographia indígena no Brasil

5.ª As tribus indígenas extinctas nos tempos históricos. Sergio deCarvalho

6.ª As tribus negras importadas. Estudo ethnographico, suadistribuição regional no Brasil. Os grandes mercados de escravos. AffonsoClaudio

7.ª A immigração branca sob o ponto de vista ethnographico JulianoMoreira

As sete propostas temáticas de Roquette-Pinto seguiram as preocupações apresentadas em seu discurso de posse meses antes. Naquela ocasião, o autor demonstrou conhecer o lugar social105 em que estava se inserindo e quais eram as pesquisas que

ocuparam seus sócios desde a fundação do Instituto. Mas também trazia as indagações que deveriam ocupar os etnógrafos naquele momento segundo sua formação como antropólogo do Museu Nacional.

Formado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1905, ingressou nos quadros do Museu Nacional naquele mesmo ano como assistente da Seção de Antropologia, Etnologia e Arqueologia. Seu interesse pelos estudos em antropologia física teve início durante o curso de medicina quando frequentou a disciplina de anatomia do professor 105Refiro-me aqui à noção de operação historiográfica formulada por Michel de Certeau, na qual desenvolve

o argumento de que a história é a articulação entre um lugar social,práticas“científicas”e uma escrita. O IHGB é compreendido aqui como uma “instituição [que] se inscreve num complexo que lhe permite apenas um tipo de produção e lhe proíbe outros”. CERTEAU, Michel de. A escrita da história, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010, p. 76-77.

Augusto Brant Paes Leme (1963-1943) interessando-se pela “ciência do homem” e das “raças humanas”. A própria formação em medicina contribuiu para a carreira escolhida por Roquette-Pinto, pois, o curso tinha uma concepção próxima às ciências naturais e ao estudo comparativo entre as raças humanas. Outra característica importante na profissão médica foi a relevância adquirida pelo seu discurso como intervenção política e social dando aos “homens de ciência” do início do século XX um novo estatuto intelectual. Já como integrante do Museu Nacional defendeu sua tese de doutorado em medicina com o trabalho Ethnographia Americana: o exercício da medicina entre os indígenas da América, a partir de informações coletadas em relatos de viajantes e naturalistas “acompanhava a tradição antropológica francesa e norte-americana do final do século XIX, como também apresentava uma proximidade com as preocupações que mobilizavam a antropologia no Museu Nacional”.106

Fundado em 1818, o Museu Nacional inaugurou uma seção dedicada à antropologia em 1876, após uma reforma realizada pelo então diretor Ladislau Neto (1838-1934) que instituiu a 1ª seção de Antropologia, zoologia geral e aplicada, anatomia comparada e paleontologia animal. Essa divisão que colocava a antropologia ao lado da zoologia seguia as concepções europeias e o modelo da Sociedade de Antropologia de Paris “que entendia esta atividade como a história natural do homem com uma ou mais espécies no mundo animal”. 107Em 1880 Ladislau Neto propõe novas mudanças para o Museu que resultaram na criação do Laboratório de Fisiologia inaugurando os estudos fisiológicos na América do Sul e começou “o rompimento com a tradição naturalista anterior e o desenvolvimento dos estudos antropológicos” 108, novamente em consonância com os estudos franceses que tinham na figura de Paul Broca o defensor de que a base dos estudos antropológicos eram a fisiologia e anatomia. Em 1882 João Batista Lacerda e José Rodrigues Peixoto encaminharam uma carta ao diretor no Museu Nacional argumentando a necessidade de uma reforma na 1ª seção conferindo-lhe autonomia dentro das ciências naturais. Reforma 106SOUZA, Vanderlei Sebastião de. Em busca do Brasil: Edgard Roquette-Pinto e o retrato antropológico

brasileiro (1905-1935). 2011. Tese (Doutorado em História das Ciências) – Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz, Rio de Janeiro, p. 67

107 KEULLER, Adriana T. Os estudos físicos de antropologia no Museu Nacional do Rio de Janeiro:

cientistas, objetos, ideias, e instrumentos (1876-1939). São Paulo: Humanitas, 2012, p. 73.

que ocorreria em 1888, com Lacerda como diretor interino, quando criou a 4ª seção de Antropologia, etnologia e arqueologia que seria a responsável por estes estudos até a década de 1930.

Ladislau Neto permaneceu à frente da instituição até o ano de 1892, quando foi substituído por Domingos José Freire (1842-1899) que exerceria a função por apenas três anos. A partir de 1895 a direção do Museu Nacional seria assumida por João Batista Lacerda (1846-1915), que continuaria no cargo até 1915 promovendo uma série de reformas administrativas e conferindo ao Museu as características do início do novo século. Interessante lembrar que foi ao lado de Lacerda que Edgard Roquette-Pinto realizou sua viagem à Londres no ano de 1911 e que muitas de suas questões eram compartilhadas entre os dois pesquisadores. Desde 1899, a 4ª seção era ligada ao professor Domingos Sérgio de Carvalho que entre 1905 e 1912 contou com Roquette-Pinto como seu assistente. Adriana Keuller definiu a prática de Carvalho à frente da seção de Antropologia, etnologia e arqueologia da seguinte forma:

Como engenheiro agrônomo e defensor da causa agrícola no país, ele se dedicou ao estudo dos povos indígenas por meio de relatos de viajantes e de pesquisas nos sambaquis de forma a conhecer, entre outros, a aplicabilidade de plantios e produtos dos silvícolas. Domingos S. de Carvalho detinha conhecimentos de antropologia, mas voltou-se aos estudos etnográficos e etnológicos que estavam ao seu alcance.109

Desde seu ingresso como antropólogo do Museu Nacional – que pode ser entendido como muito mais que um cargo: como o início de sua carreira em antropologia – Edgard Roquette-Pinto começara a desenvolver seus próprios questionamentos relativos às pesquisas que pretendia realizar. Se sua tese de doutorado em medicina tinha uma característica muito próxima do universo de questões dos pesquisadores do Museu que buscavam as origens do americano, aos poucos passou a preocupar-se com o estado dos indígenas do Brasil e, principalmente, com a mestiçagem ocorrida no país e a formação de tipos raciais decorrentes destes cruzamentos.

Se Edgard Roquette-Pinto desenvolveria durante as décadas de 1910 e 1920 uma ampla pesquisa sobre os tipos brasileiros, naquele primeiro momento de ingresso no Museu Nacional demonstrou estar conectado às exigências para sua aprovação. O concurso pelo qual passou é exemplar do esperado para a ocupação do cargo com questões que abrangiam história e origem do homem americano, conhecimentos a respeito das tribos indígenas no Brasil e suas classificações, estudos das raças, crânios e outras técnicas antropológicas. O que podemos observar com os pontos pedidos para o cargo é que o rol de questões desenvolvidas no Museu Nacional compartilhava muitos aspectos que faziam parte do universo de preocupações dos sócios do IHGB, a maior distância estabelecida nesse caso foi referente aos métodos antropológicos pedidos no concurso, porém, não podemos reduzir a prática do MN ao que ficou conhecido como Antropologia física, uma vez que as fronteiras entre as áreas estavam em definição e redefinição desde fins do século anterior.110 Seu ingresso como sócio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro aconteceu alguns anos depois em 1913. No parecer emitido pela comissão encarregada de avaliar a obra de Roquette-Pinto para admissão como sócio do Instituto, em Sessão ordinária realizada em 15 de Julho de 1913, foram destacados os seguintes textos do autor apresentados em congressos: Ethnographia Indigena do Brasil, exposto no Quarto Congresso Médico Latino Americano; Notas sobre os Indios Nhambiquaras, as primeiras anotações apresentadas após a Comissão Rondon no XVIII Congresso de Americanistas em Londres no ano anterior; e Note sur la situation des Indiens du Brésil, exposta no 110Os pontos pedidos para o concurso de antropólogo do Museu Nacional foram: conhecimento arqueológico

das cavernas e a sua fauna; a origem da arte cerâmica e sua evolução (principais centros produtores na antiguidade); demonstração arqueológica, antropológica e etnográfica da alta antiguidade da América; indústria, arte e civilização do homem quaternário na Europa, na América e no Brasil; idade do bronze e idade do ferro na Europa – período neolítico no Brasil; restos humanos pré-históricos na Europa, na América e no Brasil; coexistência do homem e dos mamíferos quaternário; o homem terciário e o homem quaternário na América – migrações pré-colombianas; o estudo dos sambaquis e do processo de deformação dos crânios; análise dos diversos sistemas de classificação das raças humanas – classificação das tribos indígenas da América e do Brasil. Para a prova oral, os pontos estabelecidos consistiam no conhecimento da idade préhistórica na Europa, América e Brasil; estudos críticos comparativos dos métodos antropológicos – biometria americana e suas deduções; principais centros de civilização da America pré-colombiana – estudo das tribos mais importantes da bacia do Amazonas; história geral da cerâmica, sua origem pré-histórica, cerâmica americana e do Brasil; o valor antropológico da craniometria; antiguidade do homem americano – sua civilização, classificação e distribuição geográfica das tribos da América e do Brasil; a idade da pedra na Europa – classificação dos diferentes períodos; deformações patológicas e étnicas do crânio – sua influência sobre o cérebro; as cavernas de ossos na Europa e na América – os sambaquis e paradeiros. SOUZA, Vanderlei Sebastião de. Op. Cit. p 55.

Congresso Universal de Raças também em Londres no ano de 1911. Neste parecer, ao invés da erudição comumente evocada no Instituto, outras qualidades foram utilizadas para justificar seu ingresso, tais como sua juventude e a cientificidade. O perfil traçado nas poucas páginas da justificativa era de um cientista atuante e jovem, com formação em medicina, preocupado com os rumos da pátria e capaz de propor inovações.111

No trabalho Ethnographia Indigena do Brasil Roquette-Pinto realizou um balanço dos estudos realizados sobre os indígenas no país, destacando os nomes de Karl von Martius, Alcide d’Orbigny, Henry Coudreau, Karl von den Steinen, Paul Ehrenreich, Charles Frederick Hartt e Couto de Magalhães com o objetivo de demonstrar as limitações da classificação lingüística e defender uma classificação geográfica das tribos, pois, no seu entender o conhecimento a respeito das línguas indígenas não seria suficiente para uma sistematização correta desses grupos. Para ele seria necessária a construção de uma obra referencial sobre as populações brasileiras nos moldes da realizadas pela etnografia norte- americana.112 Vanderlei Sebastião de Souza aponta que Edgard Roquette-Pinto demonstra seu desejo como pesquisador em realizar esse projeto:

Apesar de tudo, acreditava que “um esforçado naturalista” poderia um dia produzir, ao modo dos estudiosos da América do Norte, um guia etnográfico sobre os grupos indígenas do Brasil. Aqui, Roquette-Pinto possivelmente fazia menção ao seu próprio desejo de, no futuro, ser autor desse guia etnográfico. Sua própria posição como revisionista dizia, talvez, muito sobre o lugar que o jovem antropólogo almejava ocupar como estudioso da antropologia do Brasil.113

Os outros destaques da comissão foram Note sur la situation des Indiens du Brésil exposta no Congresso Universal de Raças de 1911 e Notas sobre os Indios Nhambiquaras apresentada no Congresso de Americanistas de Londres de 1912. Mais que o conteúdo dos dois trabalhos a intenção foi marcar a participação do antropólogo em eventos internacionais que adquiriram grande repercussão entre os meios intelectuais do período. Também é evidente a importância que a participação de Roquette-Pinto na Comissão 111Revista do IHGB. Tomo LXXVI, parte II, 1913, 538-540.

112SOUZA, Vanderlei Sebastião de.Op. Cit. pp..76 – 78. 113Idem, p. 78.

Rondon teve em sua trajetória. Vanderlei Souza mostra que ao retornar dessa viagem proferiu conferências na Biblioteca Nacional, no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, na Sociedade Brasileira de Dermatologia, no Conservatório Dramático de São Paulo, na Associação Médica e Cirúrgica do Rio de Janeiro, no Grêmio Euclides da Cunha de São Paulo, na Sociedade Nacionalista de São Paulo e no Museu Nacional.114Em outras palavras, mesmo antes da publicação de Rondônia em 1917, Edgard Roquette-Pinto colhera os frutos da expedição científica realizada em 1912 conferindo-lhe autoridade e prestígio em assuntos relacionados à etnografia e antropologia.

Tomou posse no mês seguinte à sua aprovação, na Sessão realizada em 30 de Agosto, e seguindo os rituais acadêmicos do IHGB foi conduzido por uma comissão composta por quatro sócios para o recinto em que prestou compromisso legal e pronunciou seu discurso. Nesse discurso Roquette-Pinto propôs se apresentar para o Instituto e mostrar que seus interesses eram coincidentes. Como nos lembra Angela de Castro Gomes,

Tais discursos [...] eram enunciados por quem de direito, para quem de direito, em condições de direito, inclusive em uma ocasião ritualizada, isto é, definida para consagrar aquele que diz e o que diz. Dessa forma, pode-se defender que o conteúdo do discurso, mesmo não sendo necessariamente consensual, era entendido como legítimo.115

Podemos concluir que sua posse significou além do ingresso a delimitação de um programa de pesquisa em etnografia no IHGB. Seu trabalho conciliava questões, fontes e métodos, que desde o século anterior compunham os estudos etnográficos do Instituto, com a abordagem da antropologia física e das problemáticas biológicas que faziam parte de suas perspectivas intelectuais. Citando o trabalho iniciado por Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878), com a proposta de criação de uma seção de etnografia em 1840116, se 114Idem, p. 123.

115GOMES, Angela de Castro. A República, a História e o IHGB, Belo Horizonte, MG: Argvmentvm, 2009,

p. 66-67.

116Na sessão realizada no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro em 1º de Agosto de 1840, o historiador e

diplomata Francisco Adolfo de Varnhagen(1816-1878) propunha a criação de uma seção dedicada aos estudos de etnografia indígena. Objetivo que seria alcançado anos mais tarde em 1847, quando era criada a Seção de

Etnografia e Arqueologia, neste momento definia-se “de maneira concisa, o objeto da etnografia (os índios),

posiciona como o continuador desse trabalho e assim como no Quarto Congresso Médico Latino Americano defende a ideia de confecção de uma grande obra sobre os indígenas brasileiros.

Procurando reunir, por intermedio do Instituto, material e informações elle sentira a necessidade de remover um dos escolhos que encontram ainda hoje os que se entregam a esses estudos: a dispersão dos dados e noticias.

O grupamento de uma série de monographias dedicadas ás tribus estudadas formaria o tractado de Ethnographia que todos nós desejamos.

Tentarei, talvez, a escalada dessa montanha, forte do vosso auxilio, si um outro mais bem apparelhado antes o não fizer.117

No entanto, o objeto da etnografia não se limitaria mais as “tribus” estudadas nos oitocentos, pois, “interessado nas questões da Anthropologia, no que se não separa do ponto de vista social, não póde deixar de se occupar com os problemas que encontra no seu