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Os estudos etnográficos no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro no início do Século XX

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OS ESTUDOS ETNOGRÁFICOS NO INSTITUTO HISTÓRICO E

GEOGRÁFICO BRASILEIRO NO INÍCIO DO SÉCULO XX

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OS ESTUDOS ETNOGRÁFICOS NO INSTITUTO HISTÓRICO E

GEOGRÁFICO BRASILEIRO NO INÍCIO DO SÉCULO XX

Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências e Letras de Assis – UNESP – Universidade Estadual Paulista para a obtenção do título de Mestre em História (Área de Conhecimento: História e sociedade).

Orientadora: Dr.ª Karina Anhezini de Araujo

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Souza, Breno Sabino Leite de

S729e Os estudos etnográficos no Instituto Histórico e Geográ-fico Brasileiro no início do Século XX / Breno Sabino Leite de Souza. – Assis, 2015

143 f . : il.

Dissertação de Mestrado - Faculdade de Ciências e Letras de Assis - Universidade Estadual Paulista

Orientadora: Drª. Karinha Anhezini de Araujo

1. Brasil – Historiografia. 2. Antropologia. 3. Brasil – His-tória – República Velha, 1889-1930. 4. Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. I.Título

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protocolar e prazer em colocar o ponto final e agradecer aqueles que fizeram parte do tempo em que esse trabalho se desenvolveu.

Sem a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) essas pesquisa dificilmente seria completava. Graças a bolsa concedida pela instituição pude me dedicar aos estudos integralmente.

Também indispensável foi o apoio de minha família - Antonio (pai), Nalda (mãe) e Afonso (irmão). Apesar de distantes geograficamente desde o início de minha graduação se fazem presentes e próximos todo o tempo, apoio que me foi de muita valia.

Sem orientação essa dissertação não terminaria. Esse trabalho demonstrou que além de competência como pesquisadora, professora e orientadora, Karina Anhezini possui uma compreensão muito grande com essa delicada relação que é estabelecida entre orientando e orientador. Devo meu ingresso na pós-graduação ao ensinamento que me deu e as possibilidades que me abriu desde a graduação. Sou muito grato.

Agradeço também as leituras atentas e cuidadosas de Wilton Carlos Lima Silva e Vanderlei Sebastião de Souza que contribuíram muito com um trabalho ainda insipiente. E ao aceite de Hélio Rebello como suplente na qualificação e na defesa deste trabalho. Assim como do aceite de Diogo Roiz como suplente externo.

Essa dissertação foi realizada com pessoas que muito ajudaram em diferentes lugares para que eu conseguisse o material necessário. Os funcionários da Biblioteca da UNESP/Assis sempre foram muito solicitos aos mesmo pedidos, assim como das Bibliotecas da FFLCH e da FEA na USP, sem as quais não conseguiria ter acesso a parte da documentação que necessitava.

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Faço um agradecimento especial a Bruno Celso Sabino e Fernanda França que sempre apoiaram que mais um da família seguisse um caminho semelhante ao deles.

Muitos amigos que hoje se distanciaram participaram de alguma forma na graduação ou na pós-graduação desse processo de aprendizado. A todos meus sinceros agradecientos: Camila Schmidt, Filipo Umbrico, Rafael Vinícius, Vinícius Peres, Finazzi(in memoriam) e Victor Hugo. Outros com o tempo se aproximaram e participaram mais efetivamente desse trabalho como Renan Rivaben e Filipe Carino.

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Universidade Estadual Paulista, Assis, 2015.

RESUMO

Esta dissertação tem como objetivo a análise dos estudos etnográficos no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro no início do século XX. Partindo de um mapeamento da Revista do IHGB - sua principal publicação - e de uma série de empreendimentos organizados por seus sócios - I Congresso de História Nacional, I Congresso Internacional de História da Américae oDicionário Histórico, Geográfico e Etnográfico do Brasil - procuramos avaliar o panôrama de tais estudos no período. As preocupações que nortearam a pesquisa foram em um primeiro plano a respeito dos temas e autores que abordaram a questão, assim como sua relação com outras áreas do conhecimento, especialmente a história. Em um segundo momento nossa preocupação recaiu sobre as formas que essa etnografia poderia assumir, seja como viagem, linguistica ou preocupação biológica. Em resumo, esse trabalho pretende atuar na intersecção entre história da historiografia e história da antropologia para refletir sobre a relação dessas disciplinas que tiveram seus desenvolvimento intrinsicamente ligados por um longo período.

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Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Assis, 2015.

ABSTRACT

This thesis has as objective the analysis of the ethnographic studies in the Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro at the beginning of the century XX. Leaving of a mapping of the magazine of the IHGB - its main publication - and of a series of enterprises organized for its partners - I Congresso de História Nacional, I Congresso Internacional de História da América e o Dicionário Histórico, Geográfico e Etnográfico do Brasil - we look for to evaluate the panorama of such studies in the period. The concerns that had guided the research had been in a first plan regarding the subjects and authors who had approached the question, as well as its relation with other areas of the knowledge, especially history. In a second moment, our concern focused on the forms that this etnography could assume, either as trip, linguistics or biological concern. In summary, this thesis intends to act in the crossroads between history of the historiography and history of the anthropology to reflect on the on relation of these disciplines that had had its development inextricably linked for a long period.

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Capítulo 1. Um repositório de civilização e identidade: a escrita etnográfica na

Revistado IHGB...19

1.1 A etnografia indigena na Revista: temas e autores...22

1.2 Outros objetos da escrita etnográfica...30

1.3 Uma memória para o IHGB: o relato de Claro Monteiro de Amaral...39

1.4 O estatuto do etnográfo: o caso de Couto de Magalhães...49

Capítulo 2. Um projeto etnográfico para o Instituto Historico e Geográfico Brasileiro no início do século XX...57

2.1 O I Congresso de História Nacional (1914)...60

2.2 O I Congresso Internacional de História da América (1922)...77

2.3 O Dicionário Histórico, Geográfico e Etnográfico do Brasil (1922)...87

Capítulo 3. As formas de fazer etnográfico no IHGB...104

3.1 A viagem em questão: Capistrano de Abreu e Roquette-Pinto...105

3.2 A etnografia indígena em Rodolfo Garcia...117.

3.3 A mestiçagem em Oliveria Vianna...124

Conclusão...131

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I Congresso de História Nacional - ICHN

I Congresso Interncional de História da América - ICIHA

Dicionário Histórico, Geográfico e Etnográfico do Brasil - DHGEB Museu Nacional - MN

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INTRODUÇÃO

Não é gratuitamente que cada vez mais ela [a História] se interessa por si própria e concede um lugar cada vez mais importante e privilegiado à história da história. Produto, ela se pergunta igualmente a respeito de seu produtor, o historiador.

Jacques Le Goff e Pierre Nora.1

O aumento de interesse por uma história da história foi um fenômeno que também ocorreu no Brasil. Publicado em 1988, na revista Estudos Históricos,Nação e Civilização nos trópicos: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o projeto de uma História Nacional escrito por Manoel Luiz Salgado Guimarães2 pode ser considerado um marco

nesse sentido. Nesse artigo, Guimarães analisou a fundação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) no momento de construção de um Estado brasileiro no século XIX. Partindo de perspectivas teóricas de Michel de Certeau, o autor apreende a instituição como um lugar social.Essa perspectiva permitiu ao historiador ir além da relação entre IHGB e Estado e pensar a constituição própria de uma escrita do passado da nação brasileira.

Colocar Manoel Guimarães como um marco não significa, no entanto, considerá-lo um pioneiro nos estudos sobre essa história da história. Pois, estudos sobre historiografia já eram realizados e tinham nomes de destaque, mas que observavam a questão sobre outros pontos de vista. O mesmo Guimarães em outro artigo reflete sobre a questão ao observar as obras de José Honório Rodrigues, Carlos Guilherme Mota, José do Amaral Lapa. Para Guimarães esses historiadores, que trabalharam de formas distintas, não elevaram ao primeiro plano problemas relacionados ao autores e suas obras, problemas que seriam próprios da escrita da história. Alguns colocando os historiadores analisados em classificações que limitavam o possibilidade de analisá-los e outros que como Mota e Lapa partiam de questões contextuais para interpretar as obras e seus autores, mas de forma que colovam em segundo plano características internas das mesmas.3 Queremos destacar aqui

1 LE GOFF, J.; NORA, P. Apresentação. In: _____. (Dir.). História: novos problemas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995. p. 14.

2GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. Nação e civilização nos trópicos: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o projeto de uma História Nacional. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 1, p. 5-27, 1988 3 GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. Historiografia e cultura histórica: notas para um debate. Revista

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essa produção historiográfica que tem início a partir de então que, a partir da critica aos modelos anteriores, desenvolveu uma análise guiada por problemas historiográficos, como afirma Temístocles Cezar:

Tradicionalmente orientados pela exterioridade dos pressupostos de investigação, os estudos historiográficos privilegiaram uma démarche mais descritiva de autores e obras, na qual os aspectos ideológicos ou econômicos dos contextos de produção sempre foram evocados como princípio explicativo preponderante da interpretação histórica. Mais recentemente, algumas pesquisas na área passaram a propor problemas historiográficos, ancorando-se em uma preocupação epistemológica de historicizar os pressupostos teóricos e as práticas da escrita da história.4

Esses questionamentos sobre a história da historiografia que me levaram ao desenvolvimento desta dissertação. Meu interesse foi inicialmente voltado para o período que corresponde à Primeira República e aos principais historiadores do período, como Capistrano de Abreu, Afonso de Taunay e Rodolfo Garcia. A maior parte da bibliografia que se dedicou ao IHGB cobriu o século XIX com algumas exceções, das quais destaco os trabalhos de Lúcia Maria Paschoal Guimarães, Lilia Moritz Schwarcz e Hugo Hruby. Essas obras permitiram a delimitação do meu objeto de pesquisa.

Em O espetáculo das raças Lilia Schwarcz insere o IHGB dentro de uma série de instituições brasileiras que se dedicaram a pensar a questão racial nacional. A respeito do IHGB, Schwarcz descreve em linhas gerais o desenvolvimento de uma preocupação nesta direção desde os primeiros momentos após sua fundação com Von Martius, até algumas preocupações surgidas no início do século XX com textos de Euclides da Cunha, Silvio Romero e Pedro Lessa. A respeito do textoO Brasil Social presente naRevistado IHGB, a autora demonstra como a questão estava em voga e os intelectuais do período se preocupavam em discutir referenciais teóricos sobre raça:

Fazendo um balanço da moderna literatura antropológica da época -que ia de Le Play e Preville e H. Spencer -, Silvio Romero trazia para as páginas da revista do instituto suas conclusões sobre as caracteríticas deterministas prepoderantes na formação de cada raça. Tomando como suposto inicial que ao elemento branco cabia o papel fundamental no

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processo civilizatório, Romero, em vez de lamentar a “barbárie do indígena e a inépcia do negro”, partia para soluções originais: estava na mestiçagem a saída ante a situação deteriorada do país e era sobre o mestiço - enquanto produto local, melhor adaptado ao meio - que recaíam as esperanças do autor.5

O mérito deste trabalho está justamente nessa visão ampla sobre uma questão, colocando instituições de naturezas diversas lado a lado para compor um mosaico. No entanto, pela natureza da proposta o estudo carece de informações mais detalhadas sobre a dimensão que a questão racial ganhou dentro do IHGB e qual o seu impacto para a escrita da história. Mais recente outros estudos se dedicaram de forma exaustiva a compreender a questao indígena e etnográfica na instituição durante o século XIX, especialmente no período de fundação do IHGB. Desses trabalhos destacamos o realizado por Kaori Kodama e por Rodrigo Turin6. Esses trabalhos me permitiram observar como a etnografia esteve em

pauta desde as primeiras sessões realizadas no IHGB e que comporam a discussão sobre o passado nacional no período com grande destaque. Também permitiram compreender o desenvolvimento de uma etnografia que não poderia ser desvinculada da história, pois, ambas formariam um mesmo plano de inteligibilidade. Essa etnografia teria o papel de documentar populações que não possuiam documentos nos moldes da história, como bem lembra Kodama utilizando-se de Michel de Certeau,

O que denomino de ‘etnografia do instituto’ liga-se a uma operação historiográfica - no sentido dado por Michel de Certeau -, que metamorfoseia os índios do antigo território do Império português e as percepções que havia sobre eles, traduzidos em nomes como índios ‘bravos’ e ‘tapuias’, em ‘documento’ para a história do Brasil, separando e reunindo o conhecimento sobre os índios antes percebidos por outras filtragens, redistribuindo-os por um novo espaço e tranformando-os em uma nova unidade de compreensão. Mas ao mesmo tempo que, como em uma operação historiográfica, tratava-se de uma ‘técnica’ na qual as fontes sobre os índios eram recolhidas das crônicas do periodo colonial, dos relatos de viajantes, dos antigos documentos acerca das aldeias e dos mais recentes relatórios de presidentes de província e de dirigentes de aldeias, a etnografia do instituto pressupinha a construção de uma imagem e de um valor sobre os índios do território, transformados nos ‘índios

5SCHWARCZ, Lilia Moritz.O espetáculo das raças:cientistas, instituições e questão racial no Brasil, 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. 151

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brasileiros’.7

Esse período da etnografia no IHGB dedicado pelos autores é anterior a formatação que a área ganharia décadas mais tarde com Franz Boas e Bronislaw Malinowski. Em seu livroAprender Antropologia8Fraçois Laplantine traz um grande panôrama sobre a questão.

Denominado por ele como a pré-história da antropologia está o século XVI com a descoberta das diferenças por parte dos viajantes ao novo mundo, esse movimento representaria o início de um pensamento antropológico - mas ainda não seria o início de uma disciplina antropológica. Ao analisar Jean de Lery, um dos primeiros viajantes responsáveis por esse novo olhar Wilton Silva tece um comentário no mesmo sentido de Laplantine sobre ocorpusda literatura de viajantes:

Tal corpus é integrado por obras escritas por participantes ou testemunhas presenciais dos acontecimentos narrados, que se identificam por temas característicos: a descrição da alteridade geográfica e humana que a experiência ultramarina proporcionou, a revelação pela escrita de uma paisagemexótica (oriental e tropical) e da imagem do Outro, de uma humanidade diferente, com culturas, crenças, governos e costumes próprios.9

Ainda que distante de nosso objeto de pesquisa, é importante olhar para a literatura de viajantes, pois, a etnografia como uma operação historiográfica presente na fundação do IHGB e que se mantinha no início do século XX utilizava-se exatamente desses textos como suas principais fontes de pesquisa. O livro de Laplantine continua atribuindo ao século XVIII a invenção do conceito de homem e o XIX como o tempo dos pioneiros formado por pesquisadores-eruditos que foram os responsáveis por constituirem a antroplogia como uma disciplina autônoma: “a ciência das sociedades primitivas em todas as suas dimensões (biológica, técnica, econômica, política, religiosa, linguística, psicológica...)”.10 Esse tempo dos pioneiros observado por Laplantine é na realidade um

momento mais avançado do século XIX, a partir da sua segunda metade, especialmente da década de 1860 em diante. Podemos notar, que no Brasil esse período corresponde ao que

7KODAMA, Kaori. Op. Cit. p. 15.

8LAPLANTINE, François.Aprender Antropologia. São Paulo: Editora Brasiliense, 2003.

9 SILVA, Wilton Carlos Lima. A Invenção de um Olhar: Jean de Lery e os tupinambás. História Social (Campinas), UNICAMP, Campinas / SP, v. 9, p. 71-104, 2002, p. 73.

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ficou conhecido como geração de 1870, que é aquela que trava um contato mais próximo com essas novas ideias que estavam em destaque nessa constituição da antropologia como disciplina. Exatamente por esse caminho da antropologia que Lilia Schwarcz inicia seu livro com o ano de 1870, e a citação que troxemos sobre o Silvio Romero presente na Revista do IHGB em 1908, demonstra que os intelectuais brasileiros não estavam desconectados das debates da antropologia.

O início do século XX, ao qual dedicamos essa dissertação, é um período em que a pesquisa etnográfica apresenta uma miríade de possibilidades. Ao mesmo tempo em que os sócios do IHGB continuavam a se dedicar às fontes que os fundadores da instituição utilizavam, outos textos propõem uma aproximação maior com esse conjunto de ideias antropológicas novas. Os nomes que são recorrentemente tratados como os fundadores da pesquisa etnográfica profissional: Boas e Malinowski; ainda não haviam causado impacto muito grande no mundo intelectual brasileiro. Assim, o período em questão se apresenta como uma verdadeira miscelânea de olhares sobre temas como as três raças, a mestiçagem e, no caso do IHGB, um grande destaque foi dado a questão indígena.

Lúcia Maria Paschoal Guimarães e Hugo Hruby trouxeram outros elementos para a delimitação de nossa pesquisa. Hruby dedicou-se ao periodo de 1889 a 1912, que corresponde ao início da República brasileira.11 Como o IHGB nasceu de uma política

imperial em torno de um projeto de nação vinculado a este regime, a proclamação da República significou um rompimento que afetou o próprio sentido da instituição. O autor então, estudou como essa mudança afetou as práticas da instituição mas também teve ressonância sobre a sua escrita da história. Na mesma direção Guimarães estudou o IHGB no início da República, mas com uma enfâse maior no período em que ocorre a recuperação do prestígio e das funções desempenhadas por seus sócios, principalmente a partir da gestão do Barão do Rio Branco e Afonso Celso12. Lúcia Guimarães apresenta uma série de

iniciativas que tiveram a função de revitalizar o IHGB nas primeiras décadas do novo

11GUIMARÃES, Lúcia.Da Escola Palatina ao Silogeu: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1889-1938). Rio de Janeiro, RJ: Museu da República, 2007; HRUBY, Hugo. Obreiros diligentes e zelosos auxiliando no preparo da grande obra: a História do Brasil no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1889-1912). Dissertação (Mestrado em História). 2007. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, PUC, Porto Alegre.

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século. Dentre essas iniciativas estão o I Congresso de História Nacional realizado em 1914,I Congresso Internacional de História da Américade 1922 e oDicionário Histórico, Geográfico e Etnográfico do Brasil de 1922. Esse eventos tiveram muita repercussão no periodo e ampla adesão e participação por parte dos intelectuais de diferentes locais do país.

Os congressos e o dicionário foram estruturados em sessões temáticas que correspondiam às indagações dos historiadores e, dentre as sessões, os três eventos apresentaram um espaço para a etnografia. Esse formato nos permitiu uma imagem mais clara sobre o que era considerado etnografia e o que estava em questão no período que escolhemos analisar. Será que todos aqueles elementos da antropologia nascente, dos determinismos racial e geográfico estariam representados? Ou haveria uma manutenção das preocupações do século anterior dentro do IHGB? A estruturação desses eventos apresentou-se como uma oportunidade para tais questionamentos. A partir deste ponto, ampliamos o corpus documental para aRevista do IHGB, por se tratar da publicação mais significativa e periódica que poderia complementar o eventos de forma que tivessemos um olhar mais consistente sobre os estudos etnográficos no início do século XX no IHGB.

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etnográfo e quem apesar de estudos na área não receberia tal denominação e consequente autoridade.

No segundo capítulo apresentamos detalhadamente os três eventos que citamos como exemplos do esforço de modernização do IHGB no início do século XX: I Congresso de História Nacional, I Congresso Internacional de História da América e o Dicionário Histórico, Geográfico e Etnográfico do Brasil. Nesses empreendimentos encontramos um panôrama de cada um dos temas que foram discutidos, pois, a partir de reuniões eram determinadas diretrizes que deveriam compor as apresentações e publicações nos Anais. Assim, tomamos eles como um quadro das possibilidades de etnografia que poderiam ser apresentados no IHGB. Nesse capítulo um personagem ganhou grande destaque: Edgard Roquette-Pinto, pois, participou como coordenador da sessão de etnografia de todos os eventos que analisamos. Após ingressar nos quadros da instituição como sócio, Roquette-Pinto apresentou um discurso de posse no formato de um programa de pesquisa a ser seguido pela instituição nessa área. O que de fato, o próprio implementa ações no sentido de alcançar tais metas a partir desses eventos. Um grande quadro de autores e temas também foi construído nesse capítulo em que apresentamos tanto as teses publicadas como aquelas propostas que não foram concretizadas. O primeiro item foi dedicado ao I Congresso de História Nacional e nele mostramos como as propostas de Roquette-Pinto para a sessão eram muito semelhantes ao que encontramos em seu discurso de posse. O segundo item é dedicado ao I Congresso Internacional de História da América e uma das principais questões que norteiam o item são as alterações pontuais que foram realizadas nas propostas em relação aoI Congresso e que trazem importantes acréscimos, como podemos destacar a utilização do termo antropologia. O terceiro e último item é a apresentação do Dicionário Histórico, Geográfico e Etnográfico do Brasil, que foi composto por formulários que foram enviados para diferentes Estados brasileiros. Um questionário sobre etnografia foi realizado e alguns Estados responderam, nesse item abordaremos tanto o questionário como as respostas recebidas pelo IHGB. Cabe salientar, que em outra parte do Dicionário dois textos foram apresentados como um capítulo de etnografia, mas pela natureza das questões deixamos os dois para o capítulo 3.

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outra natureza. Nos dois primeiros capítulos focamos em levantar e apresentar temas e autores dessa etnografia. No capítulo 3, por sua vez, buscamos analisar um conjunto de textos a partir de sua forma. Quais eram os formatos possíveis de escrita etnográfica? No primeiro item a questão que permeia a análise é a viagem, elemento considerado central para os estudos etnográficos mas que apresentou um desvio muito interessante em Capistrano de Abreu que, ao invés de se deslocar, optou por deslocar indígenas ao seu encontro. Fato que não deixa de ser uma viagem, mas uma viagem do outro. Para efeito de comparação colocamos ao seu lado o exemplo mais reconhecido de viagem etnográfica do período, aquela realizada por Roquette-Pinto que resutou em seu livro Rôndonia. Ambos foram agraciados com a medalha D. Pedro II, o que conferia legitimidade por parte do IHGB aos seus estudos. Para o segundo item selecionamos o texto de Rodolfo Garcia presente no DHGEB intitulado Etnografia Indígena, nesta pesquisa Garcia realizou um trabalho de história das classificações etnográficas com a finalidade de dar seu parecer final e propor uma classificação atualizada dentro das possibilidades da década de 1920. No terceiro item o texto apresentado foi o de Oliveira Vianna, publicado originalmente ao lado de Rodolfo Garcia compondo o capítulo Etnografia do DHGEB. Sob o título de O typo brasileiro: seus elementos formadores, é o texto que apresenta mais explicitamente a discussão sobre raça e mestiçagem que encontramos sob a tutela do IHGB. Esse texto se distancia dos demais em forma, objetivo e método.

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Capítulo 1

Um repositório de civilização e identidade: a escrita etnográfica na

Revista

do IHGB

O etnógrafo é alguém que recolhe os fatos, e que os apresenta (se é bom etnógrafo) em conformidade com as exigências que são as mesmas do historiador. É papel do historiador utilizar estes trabalhos, quando as observações distribuídas num período de tempo suficiente lho permitem; é papel do etnólogo, quando observações do mesmo tipo, referentes a um número suficiente de regiões diferentes, lhe possibilitam isto. Em todos os casos, o etnógrafo estabelece documentos que podem servir ao historiador.13

Essa clássica definição sobre a etnografia, aetnologia e a história apresentada por Claude Lévi-Strauss (1908-2009) refere-se a sua própria concepção enquanto etnólogo em meados do século XX. A escrita etnográfica praticada pelos sócios do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro das primeiras décadas do século XX diferencia-se desta, uma vez que não podemos realizar esta divisão entre etnografia, etnologia e história. De forma comparativa o que era produzido pelos autores que se dedicaram ao tema no oitocentos e início do século seguinte não pode ser caracterizado como etnografia nos termos de Lévi-Strauss, pois seguiam outras regras. A função da escrita etnográfica era a de estabelecer documentos, mas também de pesquisara partir dedocumentos aproximando-se muito mais daquilo chamado pelo autor comoetnologiaou do que ficou conhecido como antropologia de gabinete.14 Viagem, interação, pesquisa documental eram no IHGB do período

13 LÉVI-STRAUSS, Claude. História e Etnologia. In. Antropologia Estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996, p. 33.

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componentes de uma mesma área. Embora não possa ser aplicado ao momento aqui estudado, essa definição de Strauss ajuda-nos a pensar os caminhos do saber etnográfico.

Os textos publicados pelo IHGB nas primeiras décadas do século XX não apresentam essa divisão rígida que comporia posteriormente as áreas da antropologia e das humanidades em geral. Os termos recorrentemente usados no IHGB são etnografia e antropologia, especialmente o primeiro. Mesmo quando falamos em viagens etnográficas é necessário ter em mente que não se trata da mesma etnografia da qual se refere Lévi-Strauss, já que se trata de um momento anterior ao da construção da autoridade do olhar etnográfico ligado a métodos e com funções muito bem definidas.

Ao fim do século XIX, nada garantia, a priori, o status do etnógrafo como o melhor intérprete da vida nativa – em oposição ao viajante, e especialmente ao missionário e ao administrador, alguns dos quais haviam estado no campo por muito mais tempo e possuíam melhores contatos e mais habilidade na língua nativa15

Para James Clifford a emergência da autoridade do etnógrafo como um olhar científico e mais adequado para analisar essa vida nativa acontece a partir da década de 1920 com mudanças metodológicas e institucionais. No entanto, o desenvolvimento da etnografia no Brasil seguiu caminhos diferentes, ainda na década de 1920 não podemos afirmar categoricamente a existência de etnógrafos profissionais. A figura do viajante -missionários e administrador - coexistem com pesquisadores que se aproximam daquilo que poderíamos chamar de etnógrafos nesses termos. Embora, mesmo estes que se dedicaram a etnografia de uma forma metodologicamente mais próxima da definição de James Clifford, não possam ser enquadrados nessa geração pós 1920 trabalhada pelo autor.

O tipo de classificação que mais se aproxima da etnografia que estamos nos referindo é na realidade a convivência de três: de um lado a tradição etnográfica ligada à análise documental de relatos de viajantes, administradores e missionários mais próximos das formulações da história; em segundo lugar, esses próprios viajantes que continuavam a produzir etnografias; e por fim, aquilo que pode ser chamado de uma geração emergente que elaborava de forma mais sistemática aspectos da pesquisa distanciando-se dos antigos

15CLIFFORD, James. Sobre a autoridade etnográfica. In: GONÇALVES, José Reginaldo Santos (Org.). A

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viajantes e administradores, mas ainda em um momento anterior ao estabelecimento do trabalho de campo como método por excelência do fazer antropológico.16

Não obstante, os estudos considerados etnográficos são muito abrangentes quando olhamos por suas características metodológicas e até mesmo temáticas. Se ao longo do século XIX fazer etnografia significava a transformação do indígena em objeto de uma disciplina, nas primeiras décadas do novo século os objetos e temas se ampliaram. Ooutro antropológico por excelência esmigalhou-se em outros possíveis, dilatando as próprias possibilidades de abordagens etnográficas e antropológicas naquele momento. Em meio a esse cenário observaremos em primeiro lugar o conteúdo publicado naRevistado IHGB no início do século XX.

A Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro - daqui em diante será denominada apenas por Revista – foi o principal empreendimento editorial desenvolvido pelo IHGB. Fundado em 1838, o primeiro número daRevistafoi publicado no ano seguinte e continua a ser publicado ininterruptamente até os dias atuais. Assim, este periódico se tornou o principal espaço de divulgação do trabalho de seus sócios e das atividades do Instituto. Por este motivo, as pesquisas sobre a escrita da história realizada peloInstituto e por seus membros, seja durante o século XIX ou primeiras décadas do XX, dedicaram-se sobretudo aos conteúdos desta publicação.

No primeiro e segundo subtítulos deste capítulo apresentaremos um levantamento dos artigos publicados naRevista que podem ser considerados como etnográficos. A partir deste levantamento torna-se verificável os principais temas que foram objetos desta escrita, assim como os autores envolvidos e seus principais debates. Nos dois subtítulos subsequentes procuramos compreender com um pouco mais de profundidade o que os sócios do IHGB entendiam por etnografia e quais autores eram considerados etnógrafos.. Acreditamos que a abordagem construída permita-nos responder as seguintes questões: o

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que foi publicado de etnografia naRevista; quais eram os principais temas e autores; e por fim, que textos eram etnográficos e quem poderia ser chamado de etnógrafo.

1. A etnografia indígena naRevista: temas e autores

Foro privilegiado para se rastrear este projeto ambicioso é a revista trimestral publicada com regularidade pelo IHGB desde sua fundação. Além de registrar as atividades da instituição através de seus relatórios, divulgar cerimônias e atos comemorativos diversos, as páginas da Revista se abrem à publicação de fontes primárias como forma de preservar a informação nelas contida - aliás, parte substancial de seu conteúdo nos primeiros tempos -, de artigos, biografias e resenhas de obras.17

A Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro foi a primeira e mais importante publicação do IHGB, ela foi o meio de divulgação dos estudos de seus sócios, das atas das atividades ocorridas nas dependências da instituição e das conferências e discursos proferidos em seu interior. Também foi um importante meio de publicação de documentos recolhidos por seus sócios no Brasil e no exterior. Enfim, poderíamos afirmar que a Revista é o próprio projeto intelectual de escrita do passado da nação empreendido peloInstituto. Manoel Luiz Salgado Guimarães ao analisar o conteúdo da Revista em seus primeiros anos divide as publicações em três eixos temáticos que juntos absorvem 73% de seu volume total: problemática indígena, viagens e explorações científicas e por fim o debate da história regional. Com o alerta de que muitas vezes esses três eixos se cruzavam e que a divisão também não pode ser realizada de forma tão rígida, servindo apenas como ilustração. Apesar dos alertas, o que nos interessa salientar é que a discussão indígena, ou seja, etnográfica percorreu as páginas daRevistacomo um de seus assuntos mais debatidos.

Trabalhos e fontes relativos à questão indígena ocupam indiscutivelmente o maior espaço da Revista, abordando os diferentes grupos, seus usos, costumes, sua língua, assim como das diferentes experiências de catequese empreendidas e o aproveitamento do índio como força de trabalho. Neste último ponto serão freqüentes as referências à escravidão negra, comparando-se os resultados advindos da utilização desses dois tipos de mão-de-obra.18

17GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. Nação e civilização nos trópicos.Estudos Históricos, Rio de Janeiro, nº 1, 1988, p. 20.

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Portanto, a discussão sobre o indígena ocupou um importante espaço na construção de um discurso sobre o passado nacional transformando a etnografia em um dos “campos do saber que explicassem a existência de uma nação ao longo do tempo formada por brasileiros”.19Este, aliás, seria o grande tema dos estudos etnográficos, pois ao estudar o

indígena o que estava em questão era a discussão sobre a existência de uma população brasileira. As principais preocupações desses letrados oitocentistas em relação aos indígenas podem ser resumidas no seguinte trecho em que Guimarães discorre sobre Karl Friedrich von Martius (1794-1868), Francisco Adolfo de Varnhagen e Januário da Cunha Barbosa (1780-1846) que estiveram envolvidos com tais questões:

As reflexões contidas no já citado trabalho de von Martius [Como se deve escrever a História do Brasil] relativo à forma de tratar a questão indígena, assim como em um artigo de Varnhagen, que viria a se posicionar radicalmente contra o projeto do romantismo literário de transformar o indígena em representante da nacionalidade brasileira, lançam as bases metodológicas que encaminharam a discussão deste tópico. A perspectiva predominante, apontando na direção de um possível projeto de política indigenista para o Estado, aparece já no segundo número da Revista em um artigo de Januário da Cunha Barbosa discorrendo sobre o melhor sistema de "colonizar os índios".20

Em linhas gerais , essas foram as diretrizes que orientaram as produções dos sócios do IHGB ao longo século XIX e que podem ser vistas em suaRevista. Utilizando “um par de categorias – ‘civilização e estado social’ para caracterizar o mundo dos brancos, e ‘natureza e barbárie’ para caracterizar o mundo dos indígenas”21 construíram um grande

debate a respeito dessas populações e dos destinos que poderiam almejar.

A temática relativa aos problemas indígenas predomina nos artigos etnográficos publicados na Revista nas primeiras décadas no século XX. Dialogando com as formulações do XIX ocupam o maior espaço nas publicações do Instituto, como podemos observar a seguir:

19CEZAR, Temístocles. A Retórica da Nacionalidade de Varnhagen e o Mundo Antigo.In: GUIMARÃES, M. Salgado (Org.).Estudos Sobre a Escrita da História. Rio de Janeiro: 7letras, 2006, p. 29.

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Artigos e documentos de etnografia indígena naRevista(1900-1930)

O Selvagem perante o Direito PitangaA.F. de Souza 1900

Memória sobre os usos e costumes de índios Guaranis, Caiuas e Botocudo.

Monsenhor Claro

Monteiro do

Amaral 1900

Os índios Cayapós Padre Desgenettes 1904

Questão Maurer (os Mukers) Eduardo MarquesPeixoto 1905

Tijuca – AldêaGuiragadú-Mirim Eduardo MarquesPeixoto 1910

A ilha de trindade Eduardo MarquesPeixoto 1911

Os Kraôs do Rio Preto no Estado da Bahia Theodoro Sampaio 1912

Entre os Bororós (Karl vondenSteinen) BasílioMagalhães de 1915

O Diário do Padre Samuel Fritz

Rodolfo Garcia (introdução e

notas) 1917

Vocabulario da língua dos Borôros-Coroados do Estado do

Matto-Grosso BasílioMagalhães de 1918

Os Parecis (Karl vondenSteinen) Carlos da SilvaLoureiro 1918

Cantos do padre Anchieta

Basílio de

Magalhães

(introdução) 1918 Glossario das Palavras e Phrases da Lingua Tupy Rodolfo Garcia 1923

Os Carnijós de Aguas Bellas John C. Brannce 1923

De algumas cousas mais notaveis do Brasil (Informações

Jesuiticas de fins do século XVI) 1923

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Pará, e Rio das Amazonas (Padre Luis Figueira) (introdução e notas)

Cunha Mattos em Goiaz Americano Brasil 1924

Os Casqueiros de Santa Catharina ou Sambaquis LuisFerreira Gualberto 1924Antonio

Lendas em Nheêngatú e em Portuguez Antonio Brandãode Amorim 1926

Do Homem Americano

Julio Trajano de Moura e Basilio de Magalhães

(introdução) 1926

Algumas notas sobre os Cherentes

Urbino Vianna e

Basilio de

Magalhães

(introdução) 1927

Akuen ou Xerente Urbino Vianna 1927

Ligeiras notas para a grammatica Akuen Urbino Vianna 1927

Vocabularios da língua geral portuguez-nheêngatu e

nheêngatu-portuguez Ermano Stradelli 1928

Embora a etnografia indígena continue sendo a principal preocupação no conjunto dos textos selecionados para problematizar a escrita etnográfica do período, fica evidente que a temática não ocupa o maior espaço dentro da Revista, uma vez que em cerca de sessenta números publicados entre 1900 e 1930 encontramos vinte e cinco artigos dedicados diretamente a este objeto.22No entanto, a preocupação com questões indígenas é

recorrente ao longo do período do levantamento constituindo uma importante parcela no rol de discussões do IHGB. Os artigos selecionados podem ser agrupados segundo algumas características: 1) trabalhos dedicados ao estudo da organização social e dos costumes de populações indígenas; 2) publicação de vocabulários e lendas indígenas; 3) relatos de

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viajantes e eclesiásticos coloniais; 4) tradução de trabalhos etnográficos em línguas estrangeiras; 5) ensaios sobre questões diversas envolvendo populações indígenas.

Os artigos publicados na Revista expressam algumas características importantes da escrita etnográfica do IHGB. Em primeiro lugar, nenhum dos textos apresentados foram resultados de viagens etnográficas no sentido definido por Lévi-Strauss, mas estudos de base documental e em alguns casos divulgação de viagens ainda sem as regras do trabalho de campo. Neste sentido, é relevante a publicação das traduções dos trabalhos de de Karl Von den Steinen (1855-1929) emEntre os Bororos por Basilio de Magalhães (1874-1957) em 1915 eOs Parecis por Carlos da Silva Loureiro em 1918. Von den Steinen foi um dos principais pesquisadores estrangeiros para a etnografia brasileira, seu nome ao lado do de Paul Ehrenreich (1855-1914)23 tornou-se referência a partir do início do século XX. Prova

disto foi a ocasião da morte de Steinen em 1929, quando Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) escreve um artigo em que ressalta suas duas expedições ao Xingu em 1884 e 1887 que resultaram, entre outros, nos trabalhos acima mencionados:

É indiscutível, porém, que aos seus trabalhos etnográficos sobre o Brasil deve o melhor de sua reputação científica. A eles deu os seus maiores esforços e grande parte de sua atividade. Hoje é indispensável, a quem deseje conhecer a Etnografia brasileira, um estudo meditado das suas pesquisas e das suas teses. Elas significam um progresso inestimável no conhecimento das populações primitivas do Brasil e, mais do que isso um documento definitivo sobre a Etnologia e a Linguística dos silvícolas sul-americanos, particularmente dos que habitam a Amazônia.24

Sérgio Buarque de Holanda reforça algo que era recorrente no período: o entendimento de que Von den Steinen trouxe progresso aos estudos etnográficos brasileiros. Os tópicos nas seções de etnografia dosCongressos25 intitulados Os naturalistas viajantes

dos séculos XVIII e XIX e o progresso da ethnographia indígena no Brasil também

23João Capistrano de Abreu e Oliveira Lima se dedicaram a tradução do alemão de alguns textos de Paul Ehrenreich: Divisão e distribuição das tribus do Brasil segundo o estado actual dos nossos conhecimentos.

Revista da Sociedade de Geographia do Rio de Janeiro, Tomo VIII, 1º. Boletim, p. 3-55. Rio de Janeiro: Typ. de G. Leuzinger& Filhos, 1892; Sobre alguns retratos de indios sul-americanos. Revista do Instituto Archeologico e Geographico Pernambucano, vol. XII, N. 65, p. 18-46, 1905; A ethnographia da America do Sul ao começar o seculo XXRevista do Instituto Historico e Geographico de São Paulo, vol. XI, p. 280-305, 1906.

24COSTA, Marcos. (Org.). Sergio Buarque de Holanda: Escritos Coligidos Volume I. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo e Editora Unesp, 2011, p. 33-34.

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destacavam as expedições e pesquisas do alemão. A viagem, portanto, é valorizada dentro do Instituto - inclusive com a organização de expedições por seus sócios no século anterior26 e o reconhecimento do trabalho realizado por Edgard Roquette-Pinto em

Rôndonia27- mas não era uma regra do fazer etnográfico daquele momento.

As fontes elencadas nos artigos da Revista foram, em sua maioria, publicadas pelo Instituto Histórico e por historiadores que com ele mantinham alguma relação. Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878) é um exemplo desta prática no século XIX, conciliando seus interesses por pesquisas históricas com o exercício do cargo de diplomacia, recolheu e publicou diversos documentos que se tornaram fundamentais para a construção de um discurso sobre o passado nacional. Temístocles Cezar dedicou alguns artigos à análise do uso de relatos de viagem pelo historiador oitocentista com o objetivo de compreender “como o relato de uma experiência vivida por um indivíduo estrangeiro se converte em conhecimento imediato da realidade e, sobretudo, como ele é percebido como fonte do saber histórico”.28 Para tanto, elege para sua observação a recepção de Varnhagen aos

relatos de Pero Magalhães Gandavo, Gabriel Soares de Sousa, Hans Staden, Jean de Léry e André Thevet.

Temístocles Cezar enfatiza que a principal característica encontrada nos relatos é uma “intenção de verdade no texto, efeito de uma autópsia”29 Assim como os sócios do

Instituto nesse período, Varnhagen também utilizou-se desses relatos como testemunhos objetivos do passado. Ou nas palavras de Cezar: “A visão do outro no século XVI é, portanto, percebida como uma imagem verdadeira no século XIX”. 30 Portanto, pode-se

aferir que as escritas da etnografia e da história obedeciam a critérios semelhantes no que se refere à utilização documental. Dessa forma, esses estudos trabalhavam com a noção de

26 KODAMA, Kaori.Os estudos etnográficos no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1840-1860): história, viagens e questão indígena. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum., Belém, v. 5, n. 2, p. 253-272, maio-ago. 2010.

27ROQUETTE-PINTO, Edgard.Rondonia: anthropologia – ethnographia. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2005.

28CEZAR, Temístocles.Varnhagen e os relatos de viagem do século XVI: ensaio de recepção historiográfica. Anos 90, Porto Alegre, n. 11, Julho de 1999, p. 38.

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“olhar” como prova de verdade seja a partir de procedimentos metodológicos que consideravam os olhares do passado ou em alguns casos os olhares de seus próprios autores.

As vinculações entre etnografia e história não se limitaram ao uso que fizeram de documentos e não tiveram início especificamente naquele momento. Elas podem ser observadas em uma perspectiva mais ampla no discurso ocidental sobre a alteridade que teve na figura do indígena um objeto privilegiado de sua reflexão. Michel de Certeau analisou o relato da viagem do francês Jean de Lery ao Brasil a partir dessa perspectiva, é interessante acompanhar suas conclusões, pois trazem uma interpretação de um dos relatos mais importantes para o desenvolvimento dos estudos etnográficos e históricos do IHGB, assim como para a compreensão das questões teóricas que envolveram as escritas de viagens de um modo geral.

Ao analisar o relato do viajante Jean de Lery (1578) a respeito do Brasil, Certeau observou quatro características que se contrapõem aos da escrita da história: alteridade/identidade, oralidade/escrita, espacialidade/temporalidade e inconsciência/consciência. O relato de Lery apresenta sua organização interna pautado no movimento da viagem. Inicia sua narrativa no lugar de origem do escritor, que avança mostrando seu deslocamento rumo ao Brasil, deixando a civilização européia em busca da alteridade. Para então, descrever o tempo de sua permanência no país, suas descobertas e olhares e, por fim, o retorno à sua casa. Desta forma, o texto se organiza a partir do movimento do autor entre civilização europeia e a barbárie. Da ida em busca do desconhecido à volta ao Ocidente civilizado, lugar onde escreve o texto.31

Wilton Carlos ao analisar esse mesmo relato observa que a literatura de viagem inaugura uma nova cultura, em um mundo de profundas rupturas em todos as suas dimensões. Salienta que esse texto, ao ser historicizado “deve ser percebido como parte de um processo discursivo”32, pois:

O relato de viagem não traz em si somente uma descrição de lugares exóticos ou costumes estranhos, mas a fusão entre dois mundos,

31CERTEAU, Michel de.A escrita da história.Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.

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em que a linguagem e o espaço se mesclam na constituição de um novo alicerce simbólico, espaço no qual o pensamento humano possa produzir uma ordenação entre os seres, uma classificação que possibilite, através de similitudes e diferenças, uma apropriação total.33

Portanto, os relatos etnográficos possuem um corte muito claro marcador da distância entre o e, o outroe o mesmo. A viagem e a escrita do relato só ocorrem no retorno à civilização, esse é o movimento instaurado no relato de Jean de Lery. Embora Michel de Certeau esteja se referindo especificamente à Lery neste texto, o próprio autor amplia suas perspectivas ao refletir sobre a prática escrituarística no Ocidente moderno. A cisão entre escrita e oralidade está no cerne do desenvolvimento da etnografia, os primeiros relatos deste gênero datados do século XVI marcaram as fronteiras do ocidente em relação ao primitivo, ao selvagem ou ao povo, em suma, à alteridade. Os relatos de viajantes e dos recentes moradores do Novo Mundo demonstram este corte traduzindo as sociedades orais dos primeiros tempos da colonização para a palavra escrita dos livros. Transformando aquilo que é audível a distancia, em algo legível que correspondesse à lógica Ocidental de ler seus produtos numa ciência dos outros (heterologia).34

Esse marcador proposto e analisado por Michel de Certeau gera um primeiro questionamento relativo à produção do IHGB, que pode ser resumida na preocupação de Rodrigo Turin sobre a escrita etnográfica oitocentista da instituição:

Mas como os “brasileiros”, esse recém criado sujeito de uma nacionalidade, poderia se apropriar do discurso etnográfico e, com sua estrutura binária, fazer um trabalho de retorno? Certamente, não haveria nenhum porto no velho continente para o qual pudessem voltar e se sentir em casa. Como, então, delimitar as fronteiras? Como estabelecer seu objeto? Seria este concentrado apenas nos “selvagens”? Mas não seriam estes também, na sua condição de “primeiros habitantes”, “brasileiros”? O “lá” não seria parte constituinte do “cá”? E se assim fosse, não anularia aquele eixo axial sobre o qual se fundamenta a operação etnográfica? Dever-se-ia encontrar um meio de diluir as fronteiras, tornando o “outro”

33Idem .

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parte do “nós”, ou, ao contrário, caberia justamente um investimento de delimitação dessas fronteiras para que as partes não se confundissem?35

A delimitação das fronteiras entre o “nós” e o “outro” no caso brasileiro foi marcada por esta ambigüidade na constituição do saber etnográfico e do discurso a respeito do passado nacional. De um lado a proteção ao indígena e sua valorização enquanto matriz de uma nacionalidade brasileira, conferindo-lhe o título de habitante primeiro da nação pode trazer uma impressão de que a pergunta de Turin seja facilmente respondida: trata-se da diluição dessas fronteiras tornando o “outro” parte de “nós”. No entanto, um olhar mais cuidadoso demonstra que a situação não pode ser reduzida a uma das duas orientações, as formulações dos historiadores e etnógrafos foram as mais diversas possíveis e variaram sobre a questão. No novo século a lógica em relação ao indígena permanece semelhante, civilizar e catequizar são termos comuns aos estudos sobre os indígenas, que continuam a ser o “outro” por excelência do conhecimento etnográfico e antropológico, embora não mais sozinhos.

2. Outros objetos da escrita etnográfica

O Brazil era amplo demais para os seus tres milhões de povoadores em 1800. Além disto, á contiguidade territorial, delineada numa costa inteiriça, contrapunha-se completa separação de destinos. Os varios agrupamentos em que se repartia o povoamento rarefeito, evolvendo emperradamente sob o influxo longinquo dos alvarás da metropole, e de todo desquitados entre si, não tinham uniformidade de sentimentos e ideas que os impelissem a procurar na continuidade da terra a base physica de uma Patria.36

35TURIN, Rodrigo. Tempos cruzados: escrita etnográfica e tempo histórico no Brasil oitocentista. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009, p. 26.

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Embora este texto de Euclides da Cunha (1866-1909)37 não possa ser considerado

etnográfico, o peso atribuído às questões raciais para a interpretação do país é evidente. Preocupado em traçar um panorama sobre a história brasileira desde a chegada da família real até a inauguração do regime republicano, Cunha atribui ao período monárquico o papel de manter a unidade de um amplo território geográfico que possuía características que poderiam tê-lo levado à fragmentação, pois sua população não forneceria as bases para a configuração de umaPatria.

Formações mestiças, surgindo de uma dosagem variavel de tres raças divergentes em todos os caracteres, em que as combinações dispares e múltiplas se engraveciam com o influxo differenciador do meio physico, de par com as mais oppostas condições geographicas, num desdobramento de 35 graos de latitude – chegavam ao alvorar da nossa edade com os traços denunciadores de nacionalidade distinctas.38

A grande utilidade do Império para Euclides da Cunha consistiu na manutenção desta difícil unidade, ao cumprir sua “missão histórica” quando Diogo Feijó “restaurou, por um milagre de energia incomparavel, a auctoridade civil”.39 As revoltas ocorridas durante

o período regencial foram para Cunha efeito do problema da unidade nacional e do “crescente desequilibrio entre os homens do sertão e os do litoral”40, uma vez que “O raio

civilisador, refrangendo na costa, deixava na penumbra os planaltos”.41 Entre disputas

políticas, a guerra do Paraguai e a questão da escravidão o período monárquico cumpriu as etapas na evolução nacional desfragmentando-se ao atingi-las. O importante de se ater na

37Euclides da Cunha foi um intelectual de grande relevância no Brasil das primerias décadas do século XIX. Nascido em 1866, particpou em 1887 da Campanha de Canudos, onde escrevia para o jornalO Estado de S. Paulo. Dessa viagem resultou o livro publicado em 1902 intituladoOs Sertões. Nesse livro Euclides da Cunha dividiu sua análise em três partes: A terra, O homem e A luta. Nessa perspectiva, Cunha efetuou uma análise dos homens que comporam Canudos vinculado a aspectos geográficos e raciais. Sua obra tornou-se paradgimática para os intelectuais brasileiros do período. Os Sertões pode ser considerado um trabalho etnográfico por suas características de pesquisa. Euclides foi membro do IHGB e da ABL. Para mais detahes de sua biografia ver: VENTURA, Roberto.Retrato interrompido da vida de Euclides da Cunha. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

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interpretação euclidiana apresentada é o entendimento do autor em relação ao desenvolvimento do país a partir de uma perspectiva racial, as características das populações do Brasil seriam determinantes para a história do próprio.

O estudo publicado por Etienne Brazil é dedicado a um desses movimentos acontecidos no período regencial e a entender sua população: Os Malês. Trazidos pelo tráfico negreiro ficaram concentrados na Bahia e foram a parcela mulçumana entre aqueles que chegaram ao país. Essa foi a característica analisada por Etienne Brazil, pois, sua vida social “não discrepa muito das usanças dos outros negros” por esse motivo “somente as suas religiosidades merecem um capitulo especial”.42 Cabe destacar as considerações a

respeito dos Malês como bárbaros e praticantes de uma religião não civilizada, assim como sua caracterização nesse sentido:

Cumpre notar, entrementes, que hoje em dia o numero dos Malês baixa cada vez mais – facto explicavel pelo desapparecimento progressivo dos Africanos puros, como tambem pela impossibilidade de uma religião rasteira e immoral manter-se num meio civilizado, com é a ínclita patriabrazileira. Em toda a União federal apenas se pódecifral-os á cousa de algumas centenas. De engenho bronco, imbuidos em necedades e pequenices, os Malês são inchados de insulsa soberba. São fartos de odio contra os brancos e os christãos. Com uma ignorancia crassa e demasiada, agarram-se, por contencioso fanatismo, a umas desenxabidas praticas.43

Mesmo não sendo muito numerosas, as representações a respeito dos negros seguiram essas diretrizes nas publicações da Revista. Além do texto sobre os Malês, encontramos mais um artigo de Étienne Brazil intitulado O Fetichismo dos negros do Brazil e outro de Nina Rodrigues (1862-1906)44 sob o título de A Troia Negra. Neles os

42BRAZIL, Étienne.Os Malês. Revista do IHGB, vol. 72, 1907, p. 75. 43Idem, p. 74.

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temas do feitichismo, da animosidade e da inferioridade dos negros que vieram ao Brasil assumem o primeiro plano de suas análises. Por exemplo, no seguinte trecho de Rodrigues:

O que se apura, em resumo, das descripções conhecidas é que em liberdade os negros de Palmares se organizaram em um Estado em tudo equivalente aos que actualmente se encontram por toda a Africa ainda inculta. A tendência geral dos negros é de se constituirem em pequenos grupos, tribus ou estados, em que uma parcellavariavel de auctoridade e poder cabe a cada chefe ou potentado.45

É importante notar que os três estudos procuram analisar esses povos historicamente em momentos do passado do país com o intuito de compreender a participação deles nos destinos da nação. O tema de A Troia Negra é a formação do quilombo de Palmares e seu desenvolvimento no período colonial, enquanto Étienne Brazil se dedicou as revoltas acontecidas no período monárquico. Em ambos os casos o que estava em pauta era a contribuição ou empecilho causado por estas populações ao progresso nacional rumo à civilização brasileira:

A todos os respeitos menos discutivel é o serviço relevante prestado pelas armas portuguezas e coloniaes, destruindo de uma vez a maior das ameaças á civilização do futuro povo brasileiro, nesse novo Haiti refractario ao progresso e inacessível á civilização, que Palmares victorioso teria plantado no coração do Brasil. E nesse sucesso não foi producto de uma acção fácil e sem perigo. Custou ao contrário à tenacidade e previdência do Governo colonial grandessacrificios de homens e de dinheiro.46

O elemento africano, portanto, é considerado um entrave à formação de uma civilização nos trópicos, se em relação aos indígenas o debate era intenso e contemplava variadas posições, não parece ser esse o caso quando essas populações são o objeto das análises. A noção de civilização em sua concepção iluminista compõe um projeto francês universalista e humanista de interpretação do mundo. Segundo Denys Cuche o conceito de civilização de origem francesa contrapôs-se ao conceito de cultura (kultur) alemão. O primeiro pressupunha a unidade da humanidade e sua diferenciação segundo o estado

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evolutivo em que se encontra, enquanto kultur privilegiava a visão particularista das sociedades. Civilização, neste entendimento, seria o estágio mais avançado no caminho evolutivo da humanidade em que se encontrariam apenas algumas sociedades europeias. Para o autor essas noções de civilização e cultura foram importantes no século XIX na conformação das ciências sociais nascentes e da forma como definiram seus olhares sobre outras populações.47 No caso brasileiro os caminhos percorridos na busca de um

posicionamento para a questão também foram decisivos para o desenvolvimento das ciências sociais no país.

Nesse contexto as disciplinas da etnografia e da história começam a ser empreendidas no estudo desses outros do discurso nacional em construção e encontra no IHGB seu lugar de produção por excelência. Apenas a partir da década de 1870 outros lugares começam a pesquisar a questão racial sob outras perspectivas, notadamente o Museu Nacional. No entanto, as pesquisas desenvolvidas em antropologia física pelos cientistas do Museu, que ainda teriam grande repercussão nas primeiras décadas do século posterior, não abandonaram as noções de civilização e progresso. Ao contrário, associaram tais ideias com as perspectivas biológicas em voga.

No livro o Espetáculo das Raças Lilia Moritz Schwarcz dedicou-se ao amplo panorama de teorias raciais que foram utilizadas nas interpretações no Brasil entre as décadas finais do século XIX e as primeiras do XX. Localizando o início da recepção de tais ideias na década de 1870 a autora argumenta que a preocupação dos brasileiros a respeito da mestiçagem tornou-se durante o período “uma questão central para a compreensão dos destinos da nação”.48 As concepções evolucionistas associadas à biologia

geraram modelos analíticos pautados na noção de raça de uma forma determinista que, embora paradigmáticas, resultaram em diferentes leituras.

Para Schwarcz a discussão no século XIX entre monogenistas e poligenistas foi amenizada a partir da publicação de Charles Darwin em 1859 de a Origem das espécies, daquele momento em diante o novo paradigma evolucionista foi capaz de aglomerar os dois

47CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. Bauru: Edusc, 2002.

48 SCHWARCZ, Lilia Moritz.O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil –

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grupos. Os primeiros seriam aqueles ligados a uma tradição cristã e que acreditavam numa origem una da humanidade, assim como os escritos iluministas que olhavam os homens como iguais em sua origem e nas possibilidades de progresso. Por outro lado, os poligenistas podem ser caracterizados como os que afirmaram que diversos grupos deram origem aos homens. Nessa segunda perspectiva as diferenças eram consideradas irredutíveis, a humanidade seria formada por várias raças.49

Entre os intelectuais brasileiros pensar essa posição de um país mestiço e suas possibilidades de progresso rumo à civilização tornou-se objeto de investigações científicas, obras literárias e políticas públicas. Em todas as instituições de ensino e pesquisa do país o tema foi contemplado: museus etnográficos, faculdades de direito e medicina e Institutos Históricos. Nesse sentido pensar a constituição étnica da população brasileira era uma condição para o entendimento das possibilidades de futuro da nação.

Prova da força desta forma de pensar é o texto apresentado por Alberto Rangel (1871-1945) que se propunha a observar os Aspectos geraes do Brasil, e ao analisar suas características geográficas e históricas não deixou de reservar espaço para reflexões sobre os habitantes das regiões do Brasil.

Nos lagos do Canuman continuou o caboclo a arpoar o peixe, a campear o gado nos ‘lavrados’ de Monte Alegre. Não se despresoucousa alguma. Ha gente no Iça, esqueletica, tiritando de febre; ha no Xapuri com bem estar as cores da saude. O colono veio de toda parte. Da Syria é o bufarinheiro lacustre; o taverneiro é do Algarve ou Beira Alta; tal seringueiro desembarcou de Hong Konk, aquelle outro é natural de Minas. No mesmo barracão dão-se rendez-vous todas as raças. O indioUaupichana trabalha com o Marselhez e o preto de Barbados; o aviador pode ser Allemão, o aviado Cearense.

Mas o nortista do Brasil é o alienigena de maior numero. A massa mameluca não subiu na transmigração de ha trinta annos a esta parte os rios da Havea e da Castilloa; ficou no baixo Amazonas assistindo ao desaparecimento de Gurupá, Alemquer, Silves e Urucará, colhendo uns kilos de cacau, umas barricas de castanha,

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entaniçando umas folhas de tabaco, flechando pirarucus e tartarugas, trocando-os pelo sal e pelas chitas vistosas das cunhamucús.50

Alberto Rangel apresenta a composição étnica das populações de todas as regiões do país, colocando-a ao lado de dados geográficos como clima, solo e vegetação, criando um conjunto explicativo das características regionais brasileiras que considera os aspectos raciais como centrais para explicar o país. Caboclo e mameluco, assim como outros termos utilizados para as demais regiões, eram categorias recorrentemente utilizadas em classificações biológicas das populações e expressavam normalmente uma perspectiva que levava em consideração as características físicas do indivíduo. Assim como o estudo de Euclides da Cunha não podemos considerar Aspectos geraes do Brasil como um trabalho etnográfico, mas o mesmo demonstra que pesquisas mais amplas que buscavam responder a um questionário histórico e geográfico também levavam em conta questões tipicamente etnográficas, como uma explicação válida para compreender o desenvolvimento do passado nacional.51

Portanto, apenas compreendendo a dimensão que a etnografia adquiriu no período ao se preocupar com a formação de um povo é que podemos verificar a sua utilização em diversas áreas como nos textos citados. A partir desta perspectiva a etnografia se aproxima de outras áreas como a história regional e o folclore, como é possível verificar no exemplo a seguir.

Rodolfo Garcia inicia a apresentação de seu Dicionário argumentando que este seria um trabalho de anotação ao Novo Diccionario da Lingua Portuguesa, publicado por Candido de Figueiredo em 1899. Neste sentido, compreende sua obra como um “inventário das palavras”,52 de “pesquisas etimológicas e da variação de sentido e sua distribuição

geográfica” inserindo-se, por conseguinte, em uma tradição de estudos dedicados às línguas brasileiras que buscavam valorizar os regionalismos como evoluções da língua, ao invés de

50RANGEL, Alberto.Aspectos geraes do Brasil.Revista do IHGB.Tomo LXXVI, parte I, 1913, 466-467. 51Diversos são os estudos que embora não possam ser considerados estritamente etnográficos, fizeram uso deste conhecimento ou das teorias raciais como explicação para as mais variadas questões. Não foi o intuito no nosso trabalho realizar um levantamento exaustivo deste tipo de produção, citamos neste capítulo os textos de Euclides da Cunha e Alberto Rangel para demonstrar que a utilização desta perspectiva como categoria explicativa não se limitou e foi muito mais ampla que nos artigos listados em nossa pesquisa.

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corrupções da mesma. Garcia elenca uma série de trabalhos lexicográficos realizados desde meados do século XIX e que apresentam as seguintes divisões: vocabulários brasileiros, vocabulários regionais, de palavras indígenas e o livro não lexicográficoAs Aves do Brasil escrito por Emilio A. Goeldi, mas benemérito para o autor em todos os aspectos.53

Interessante notar que os estudos elencados por Rodolfo Garcia colocam lado a lado a linguagem nacional, regional e indígena.

Garcia utiliza-se da divisão de Rodolfo Lenz para pensar o caso brasileiro e delimita quatro itens que contemplam os estudos de brasileirismos: I – Termos luso-brasileiros; II – Termos pan-americanos; III – Termos pan-brasileiros; IV – Termos locaes, ou regionaes. O primeiro refere-se àqueles termos originários do antigo português que caíram em desuso em Portugal, mas permaneceram no vocabulário do Brasil; os termos pan-americanos, por sua vez, são aqueles compartilhados por diversas repúblicas americanas e que tiveram suas origens muitas vezes ligadas às línguas indígenas, termos que seriam difíceis de ter estabelecidas com propriedade os motivos de sua expansão em longos territórios pela própria dificuldade em conhecer sua história:

Um meio haveria, apresentando sérias garantias de exactidão: seria o que se baseasse nas migrações dos differentes povos através do continente que separa os dous mais vastos oceanos; infelizmente, até hoje não disse ainda a sciencia a sua ultima palavra sóbre tão magno problema, e cada ethnologo nos apresenta o seu systema mais ou menos fundamentado, mas todos elles entre si inconcilliaveis. Assim, enquanto um não se apresenta que a todos os mais suppere, julgamos preferível deixar o facto em si mesmo, sem a preoccupação de suas remotas causas.54

53 As referencias listadas por Rodolfo Garcia foram: Antonio Alvares Pereira Coruja, Collelçãode -seVocabulos e Frases usados na Provincia de S. Pedro do Rio Grande do Sul, 1852; Braz da Costa Rubim, Vocabulario Brasileiro para servir de complemento aos diccionarios da língua portuguesa, 1853; José Veríssimo, Palavras de origem tupi-guarani usadas pela gente amazonica e em pratica corrente na região, incluído nas nasScenas da Vida Amazonica, 1886; Paulino Nogueira, Vocabularioindigena em uso na Provincia do Ceará, 1887; Antonio Joaquim de Macedo Soares, Diccionario Brasileiro da LinguaPortuguêsa, 1888; Antonio Alves Camara, Vocabulario dos termos termostechnicos de construção naval, annexo à obra Ensaio sobre as construcçõesnavaesindigenas do Brasil, 1888; BeaurepaireRohan, Diccionario de Vocabulos Brasileiros, 1889; J. Romaguera Corrêa, Vocabulario Sul Rio Grandense, 1898; Vicente Chermont de Miranda, Glossario Paraense, ou Collecção de vocábulos peculiares á Amazonia e especialmente á ilha de Marajó, 1905; Alfredo de Carvalho, Phrases e Palavras, 1906.

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Dessa forma, diante da impossibilidade de definir as causas etnológicas que levaram ao uso em diferentes lugares de termos vindos de diversas línguas indígenas, resta compreender os próprios termos. Sem uma explicação que fosse plausível para Rodolfo Garcia, o autor se limita a elencar palavras provenientes do chamado mexicano ou nahuatl que possuía grande influencia na linguagem brasileira, como exemplo podemos listar: abacate, cacau, chicote, chocolate, galpão e tocaio que além do Brasil estiveram presentes em países Colombia, Equador, Chile, Venezuela, Argentina, Peru, Mexico e Costa Rica. Outras línguas de procedência indígena importantes foram o Antilhano, Haitiano, Quechua (Incas), Mapuche e Tupi-Guarani. A essas deveria ser somado o elemento africano que, embora considerado menos importante, também teve sua influencia no continente.

O terceiro item foi dedicado aos termospan-brasileiros que são aqueles falados em todo o território nacional devido à importância da língua portuguesa associada ao tupi-guarani e às línguas africanas.

O portuguez era, sim, a língua official, como ainda hoje o hispanhol no Paraguai, a língua do commercio nos portos do litoral, nas cidade e villar mais importantes, e no seio das familias propriamente portuguezas; mas ainda ahiapparecia o tupi, falado pelos famulos, quase todos índios, ou de descendencia índia -informa o dr. Theodoro Sampaio, que accrescenta ser até meiado do século XVIII a proporção entre as duas linguas faladas na colônia mais ou menos de tres para um, do tupi para o portuguez.55

Por fim, Rodolfo Garcia divide as regiões do país a partir das peculiaridades da língua utilizada em cada uma dessas localidades para, então, chegar ao objetivo do seu estudo: as particularidades da língua falada no estado de Pernambuco. Conciliando fatores externos e internos na composição da língua em níveis continental, nacional e regional fica evidente o caráter cultural atribuído à mesma e sua relação com diferentes grupos populacionais advindos de territórios americanos e africanos. Assim, o desenvolvimento da língua na concepção de Garcia esteve intrínseco aos caminhos de tais povos.

Euclides da Cunha, Alberto Rangel e Rodolfo Garcia demonstram que questões etnográficas são encontradas em trabalhos de natureza muito diversas que utilizaram as

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questões abordadas por tal saber como explicação para seus respectivos questionários. Da mesma forma, Etienne Brazil e Nina Rodrigues foram os responsáveis nas páginas da Revista por abordar de forma explícita aspectos das populações africanas que foram transportadas para o Brasil. A partir desses autores é possível argumentar que a etnografia não se limitava aos indígenas, embora essa vertente ainda fosse majoritária, mas como fio condutor de uma análise de muitas características da nação. Pensar o país levando em consideração suas características étnicas foi um esforço relevante no cenário intelectual do período, no entanto, a etnografia produziu um questionário em cada uma de suas especialidades com caminhos e referenciais próprios.

3. Uma memória para o IHGB: o relato de Claro Monteiro de Amaral

Sendo um dos fins patrióticos desse benemérito Instituto o estudo da ethnologia e ethnographia brasílicas, estudo que um dia virá dar solução definitiva a magnos problemas anthropologicos e até glotológicos – seria desconhecer os relevantes serviços de tão útil e operosa instituição, se a outrem offerecera modesta memoria, fructo de escrupulosa observação.56

A memória ofertada pelo Monsenhor Claro Monteiro do Amaral ao IHGB tem como justificativa o espaço oferecido pela instituição aos temas etnológicos e etnográficos. Se no item anterior observamos o uso de um discurso etnográfico para a escrita de interpretações do passado nacional, neste focaremos em outra questão: podemos considerar o IHGB como um lugar de escrita etnográfica? Para tanto, seguiremos algumas formulações dos autores que publicaram naRevistaa fim de compreender como os próprios colaboradores da instituição viram a questão.

Nas palavras de Monteiro do Amaral não enviar seu texto ao IHGB “seria desconhecer os relevantes serviços de tão útil e operosa instituição”, ou seja, para o autor o Instituto era um lugar apropriado para a publicação de textos etnográficos, como

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