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A Violência Expressiva e a Violência Instrumental

2. A Abordagem Feminista à violência íntima perpetrada por mulheres: da simetria à assimetria de género na violência íntima

2.2. Diferenças entre a violência íntima perpetrada por homens e por mulheres

2.2.3. Motivações Para a Violência Física e Função do Comportamento Violento

2.2.3.1. A Violência Expressiva e a Violência Instrumental

Quando o interesse está unicamente centrado no nível de agressão durante um conflito familiar, isto é, na probabilidade de algum tipo de agressão ocorrer aquando uma discussão entre um casal, então, a metodologia tipicamente utilizada pelos sociólogos do conflito familiar, com habitual recurso ao CTS, pode revelar-se de utilidade. Apesar de não incluir a agressão sexual e a agressão perpetrada por ex- companheiros, este tipo de metodologia permite-nos perceber a quantidade global de um tipo particular de violência - a violência expressiva, que diz respeito ao modo como os indivíduos expressam raiva, frustração ou perda de controlo.

Se, por outro lado, o interesse principal for o modo como os parceiros utilizam a violência, não expressivamente, mas instrumentalmente, com o objectivo de atingir o controlo, magoar ou aterrorizar, o CTS e a metodologia quantitativa não será a mais indicada. Revelam-se, neste caso, de maior utilidade, os estudos do crime e vitimação, uma vez que avaliam também as consequências que envolvem ferimentos graves, a agressão sexual e por ex-companheiros. Este tipo de estudos permite a análise daqueles conflitos familiares que vão para além de simples tácticas de conflito, escalando os níveis de violência para algo mais grave ou até letal (Kimmel, 2002).

Alguma violência masculina contra as mulheres é motivada, não pelo desejo de expressar raiva, frustração ou outra emoção imediata durante um conflito, mas pode ser instrumentalmente motivada por um desejo de controlo ou na sequência de perda de controlo. Muitos homens que agridem as suas companheiras recorrem à violência quando temem que o seu controlo esteja a fragilizar-se, sentindo-se impelidos a utilizar violência para repor o controlo, tratando-se de um tipo de violência restaurativa. Deste modo, a violência instrumental motivada pela obtenção ou reposição do controlo pode ser experienciada, maioritariamente, pelos homens, não

como uma expressão do seu poder, mas como o seu desmoronamento, tornando-se violentos quando não conseguem controlar as suas companheiras. Deste ponto de vista, a violência seria um método para restaurar a masculinidade e a desigualdade doméstica. Este tipo de violência instrumental tem mais probabilidade de escalar ao longo do tempo, de envolver ferimentos sérios e menos probabilidade de ser mútua

(ibidem).

A compreensão dos tipos de violência instrumental e expressiva torna-se particularmente importante quando estamos a analisar a simetria ou assimetria de género na violência física íntima, ajudando-nos a esclarecer se estamos perante um padrão sistemático de controlo e intimidação, tipicamente mais associado à violência masculina, ou perante uma expressão isolada de frustração e raiva. Estes dois tipos de violência diferem de tal modo na sua natureza que Johnson (1995) chamou à violência instrumental "intimate terrorrism" e aos tipos de violência expressiva medidos pelo CTS, "situational couple violence", conforme veremos mais adiante. Se pode existir simetria de género no exercício da violência expressiva, o mesmo não acontece quando se trata de violência instrumental. Se, por um lado, as mulheres e os homens podem expressar raiva ou frustração durante uma discussão de modo simétrico (Kimmel, 2002; Cascardi & Vivian, 1995) - violência expressiva - , quando a violência instrumental é considerada - a violência que mais tipicamente resulta em ferimento, mais sistemática e independente da existência ou não de um episódio de conflito entre o casal - a assimetria de género é evidente. Não podemos equacionar estes dois tipos de agressão sem considerar as questões do género (Kimmel, 2002). Ao contrário das mulheres, os motivos dos homens para recorrer à violência física não letal incluem normalmente a intenção de intimidar, mostrar quem manda, coagir a fazer algo e castigar comportamentos indesejados (Cascardi & Vivian, 1995; Nazroo, 1995), funções associadas à violência instrumental.

Segundo a literatura disponível, os modelos que analisam a função do acto violento incidem, sobretudo, nos padrões de controlo e dominação (Saunders, 1989, cit. Hamberger & Guse, 2002; Yllõ, 1993). Um elevado número de teóricos nesta área identificou a indução do medo como o principal mecanismo pelos quais os parceiros violentos alcançam o controlo. Ou seja, perante um padrão de intimidação, as vítimas, ao temerem ferimentos, dano físico, morte ou outra consequência da violência, tendem a condicionar o seu comportamento às exigências do abusador (Barnett et ai., 1993). Deste modo, as relações abusivas são normalmente constituídas por um padrão contínuo de dominação, controlo e indução permanente de medo (Johnson & Ferraro, 2000; Yllõ, 1993).

Estas variáveis podem contribuir para a clarificação das diferenças de poder entre os elementos do casal e identificar os parceiros realmente abusivos. Podemos identificar, por exemplo, parceiros que utilizam a violência no sentido da dominação e controlo, enquanto perpetradores dominantes, não temendo agressões físicas ou psicológicas de outros. Em contraste, podemos identificar parceiros que temem a violência do outro, enquanto vítimas, tendo maior risco de serem controlados pelo comportamento agressivo; estes últimos podem também usar a violência e, por vezes, até despoletar os episódios, mas raramente conseguem controlar a dinâmica geral da relação abusiva (Dasgupta, 1999, cit. Hamberger & Guse, 2002). Assim, nas relações de violência bidireccional, em que ambos os parceiros são violentos, os homens têm maior probabilidade de iniciar e controlar as dinâmicas da violência, enquanto muitas mulheres enveredam pela "resistência activa" (Johnson & Ferram, 2000), tornando-se activamente envolvidas na violência, mas nunca controlando as suas dinâmicas. Este tipo de padrão é mais reactivo na sua natureza e não controla a dinâmica da relação -

nMen attack, women react' (cit. Magdol et al., 1997, p. 76). Mesmo quando se trata

de mulheres que utilizam violência severa, estas tendem a agredir os seus companheiros uma ou duas vezes durante um episódio e, quando ganham alguma vantagem física sobre os seus parceiros, tendem a parar a agressão. Pelo contrário, os homens em situações similares tenderiam, de um modo geral, a continuar a agressão, (Nazroo, 1995), o que transparece, mais uma vez, as diferentes intenções que subjazem às agressões de homens e mulheres. Ao contrário das mulheres, os homens, mesmo quando exercem violência mais leve conseguem intimidar as suas companheiras, mesmo que não tenha sido essa a sua intenção (ibidem). De um modo geral, as mulheres, quando recorrem à violência íntima, é num sentido mais reactivo e expressivo, por exemplo, para chamar a atenção do parceiro, mostrar raiva por comportamentos indesejados, retaliar após mágoa emocional, retaliar a violência prévia, exercer autodefesa (Saunders, 2002) ou proteger outros elementos da família (Hamberger & Guse, 2002).

2.2.3.2. A Violência Feminina Enquanto Autodefesa, Retaliação ou Auto-