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2. A Abordagem Feminista à violência íntima perpetrada por mulheres: da simetria à assimetria de género na violência íntima

2.2. Diferenças entre a violência íntima perpetrada por homens e por mulheres

2.2.2. Impacto da Violência íntima

a) Impacto Físico

Apesar de a investigação ter vindo a demonstrar que as mulheres também podem ser fisicamente violentas nas suas relações, por vezes até com comportamentos de severidade similares aos dos homens, o impacto da violência exercida por elas é tipicamente menor do que a violência exercida por eles (Worcester, 2002). As consequências físicas e psicológicas da violência íntima são, geralmente, mais graves para as mulheres do que para os homens (Saunders, 2002; Tjaden & Thoennes, 2000). Quer os estudos epidemiológicos (e.g. Straus, 1980,

1990), quer os estudos baseados em registos hospitalares e policiais, revelam que as mulheres são, de longe, a parte mais magoada nos conflitos domésticos, constituindo a maioria das vítimas de crime que recorrem ao sistema médico e jurídico (Tjaden & Thoennes, 2000).

As evidências empíricas têm vindo a demonstrar que os homens, normalmente, infligem maior número e variedade de danos físicos com as suas agressões do que as mulheres (Dobash & Dobash, 2004; Archer, 2000; Cantos et ai., 1993; Cascardi & Vivian, 1995), provocando mais frequentemente danos severos como, por exemplo, rebentar o lábio, fracturar ossos ou dentes, provocar desmaios, pisaduras e olhos negros, sequelas estas raramente infligidas por mulheres - o dano causado nas mulheres é cerca de três vezes mais severo que o dano causado aos homens (Berk et al., cit. Kurz, 1993). As mulheres, comparativamente aos seus parceiros, têm cerca de seis vezes mais probabilidade de necessitar de cuidados médicos pelas sequelas sofridas (Kimmel, 2002; Tjaden & Thoennes, 2000), perdem mais dias de trabalho, necessitam de mais tempo em repouso (Stets & Straus, 1990), são mais frequentemente hospitalizadas, recebem mais tratamentos de saúde mental, apresentam mais queixa às autoridades e obtêm mais providências cautelares contra os seus parceiros (Tjaden & Thoennes, 2000). Estas diferenças nas consequências da violência verificam-se independentemente de a violência física ser bidireccional ou não

(Hamberger & Guse, 2002). De um modo global, as lesões produzidas pelas agressões femininas são menos frequentes e de menor severidade (Dobash & Dobash, 2004; Kurz, 1993).

As diferenças físicas entre os sexos, como o peso e o tamanho, colocam as mulheres em maior risco de vitimação e de sofrer ferimentos mais severos. Em alguns casos, ambos os parceiros sabem que "os murros mais fortes" das mulheres não conseguem ferir fisicamente os companheiros levando até que, muitas vezes, estes trocem dos esforços das suas companheiras (Dobash & Dobash, 2004; Saunders, 1990; Kimmel, 2002). Se enquadrássemos tais evidências na perspectiva do conflito familiar, anteriormente discutido, e no âmbito do uso do CTS, estas tentativas frustradas das mulheres seriam consideradas como actos de violência física e as suas perpetradoras como "fisicamente violentas" (Saunders, 1990), mesmo não tendo tais comportamentos produzido efeitos. No estudo de Dobash e Dobash (2004), tanto os homens como as mulheres concordaram que a violência exercida pelos primeiros é mais severa do que a exercida pelas mulheres, considerada como não severa ou leve. Um autor chega mesmo a afirmar que homens e mulheres podem ser "agressivos" mas muitos mais homens são "violentos" (Frude, 1994, cit. Kimmel, 2002).

Em suma, as evidências apontam para visíveis diferenças, quer quantitativas, quer qualitativas, entre a violência física exercida por homens e por mulheres, sendo estas as que mais sofrem com a violência íntima.

b) Impacto Emocional

Do mesmo modo, as reacções de foro emocional à violência também diferem entre os sexos. Poucos estudos investigaram os níveis de medo experienciados por homens e mulheres envolvidos em relacionamentos violentos. Não obstante, a literatura disponível aponta as mulheres como exibindo significativamente mais medo durante as discussões violentas, ao contrário dos homens (Hamberger & Guse, 2002). Num estudo de Tjaden e Thoennes (2000), as mulheres vítimas relataram ter sofrido mais ameaças de vida e sentido mais receio relativamente à sua integridade física do que os homens. Para além disso, são também as mulheres que mais temem que elas ou alguém próximo (como filhos, familiares) sejam seriamente magoados ou até mesmo mortos durante os episódios de violência. Por sua vez, os homens são, geralmente, quem produz mais ameaças físicas, não letais, à vítima, incluindo ameaças para o caso de estas chamarem a polícia. Apesar de algumas mulheres também admitirem ameaçar os maridos de morte, as ameaças proferidas pelos homens costumam envolver mais hostilidade, sendo, por isso, mais causadoras de

medo (Melton & Belknap, 2003; Barnett & Thelen, 1995, cit. Hamberger & Guse, 2002). Talvez por isso, comparativamente aos homens, sejam as mulheres as que mais probabilidade têm de chamar a polícia como resposta comportamental à violência iniciada pelos seus parceiros (Hamberger & Guse, 2002).

A grande maioria das mulheres batidas revela sentir-se assustada, desamparada ou desesperançada, sozinha e encurralada na situação; se, por um lado, se sentem abusadas, por outro, sentem também amargura e raiva. Aparentemente, quer os homens, quer as mulheres envolvidos em relações violentas exibem níveis similares de raiva, hostilidade e beligerância; tal pode sugerir que as mulheres que são agredidas, apesar de sentirem mais medo, não são passivas - ao invés, respondem com resistência activa, retaliando ou defendendo-se (Johnson & Ferraro, 2000; Saunders, 1990). As reacções dos homens à violência perpetrada por mulheres, em termos de impacto emocional, são tipicamente diferentes. Os homens reportam não se importarem/preocuparem com as agressões das suas parceiras (Dobash & Dobash, 2004; Nazroo, 1995), alguns consideram a agressão da companheira justificável (Dobash & Dobash, 2004) e outros chegam mesmo a ridicularizar o seu comportamento violento (Dobash & Dobash, 2004; Saunders, 1990; Hamberger & Guse). Há também homens que revelam sentir-se zangados ou surpreendidos, mas muito poucos admitem sentir-se vitimizados. Alguns consideram impossível sequer considerar a violência feminina, pois só eles se acham com capacidade para bater "a sério"!

Estas respostas emocionais masculinas de minimização e troça da violência feminina são também um reflexo de maior controlo da dinâmica da violência na relação e de um desnível de poder. Num estudo de Hamberger e Guse (2002), alguns homens admitiram divertir-se e troçar em resposta à violência física exercida pelas suas companheiras, parecendo não tomar a violência destas tão a sério como elas, o que sugere um maior controlo situacional. Para além disso, as repostas de gozo e troça podem funcionar como mais um modo de dominação das suas companheiras, através dos efeitos da humilhação. A troça comunica a mensagem de que não só as suas parceiras não os conseguem magoar, como as suas tentativas agressivas são fúteis e infrutíferas. Ao contrário das mulheres, poucos homens reagem à violência como se esta tivesse afectado seriamente os seus sentimentos de bem-estar, a sua segurança ou a qualidade do seu dia-a-dia, considerando esse tipo de violência como inconsequente e sem seriedade. Alguns homens podem ter sido negativamente afectados e fisicamente magoados; esta não é, porém, a norma para a maioria (Dobash & Dobash, 2004).

Apesar de a violência física estar associada com consequências negativas de saúde também para alguns homens, são as mulheres que significativamente mais sofrem de distúrbios psicológicos relacionados com a depressão, a ansiedade e o abuso de substâncias (Anderson, 2002). A segunda edição do National Family Violence

Survey evidenciou que a proporção de mulheres severamente vitimadas, com altos

níveis de sintomas psicossomáticos, stress e depressão era o dobro da proporção de homens com tais sintomas (Stets & Straus, 1990). Outros estudos não representativos, com amostras clínicas, também revelaram maiores níveis de trauma psicológico nas mulheres, incluindo depressão, ansiedade ou medo, assim como sintomas de stress pós traumático (Langhinrichsen-Rohling et ai. 1995; Magdol et ai., 1997), típicas da constelação de sintomas que constitui o "Síndroma da Mulher Batida" (Walker, 1989).

A investigação tem sido prolífera em evidências de que a violência perpetrada contra as mulheres resulta em maiores custos para a sociedade, sob a forma de perda de produtividade e de recurso aos sistemas de saúde mental, médicos e jurídicos (Tjaden & Thoennes, 2000). São também as mulheres que demonstram mais necessidade deste tipo de recursos, quer para lidarem com a violência sofrida quer para abandonar a relação violenta (Saunders, 2002). Somos, assim, levados a subscrever o que os próprios sociólogos do conflito familiar já haviam constatado:

"Although women may assault their partners at approximately the same rate as men, because of the greater physical, financial and emotional injury suffered by women, they are the predominant victims. Consequently, the first priority in services for victims and in prevention and control must continue to be directed toward assaults by husbands" (cit. Straus, 1993, p.80).

2.2.3. Motivações Para a Violência Física e Função do Comportamento