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A Conflict Tactics Scale como um instrumento ao serviço da teoria da simetria de género

2. A Abordagem Feminista à violência íntima perpetrada por mulheres: da simetria à assimetria de género na violência íntima

2.1. Mulheres Vítimas ou Perpetradoras? Uma Questão Metodológica

2.1.1. A Conflict Tactics Scale como um instrumento ao serviço da teoria da simetria de género

enquadrada, a exclusão de itens relacionados com o abuso sexual e a exclusão da amostra dos casais separados (Saunders, 2002), como adiante veremos.

2.1.1. A Conflict Tactics Scale como um instrumento ao serviço da teoria da simetria de género

Os investigadores feministas argumentam que a abordagem epidemiológica ao fenómeno da violência conjugal, recorrendo ao uso de questionários estruturados para avaliar actos de agressão, acarreta sérios problemas teóricos e metodológicos, encarando o CTS como um instrumento com várias limitações enquanto medida do comportamento violento nas relações íntimas e que erroneamente apoia a perspectiva do conflito familiar ou da simetria de género. Mais especificamente, este instrumento tem sido criticado por não considerar o contexto, motivações, significados e consequências da violência íntima e, deste modo, adulterar o papel do género na vitimização e agressão (Dobash et ai., 1992; Morse, 1995; Melton & Belknap, 2003; Nazroo, 1995; Cascardi & Vivian, 1995), concentrando assim as suas críticas, não na fiabilidade do instrumento, mas na interpretação dos resultados (Currie, 1998).

De um modo geral, na literatura, as falhas apontadas ao CTS rondam em torno de três questões essenciais referentes à sua estrutura, à extrapolação de resultados e à falta de enquadramento teórico das suas interpretações.

Em termos estruturais, este instrumento foi criticado pela ordem de apresentação dos comportamentos abusivos (Currie, 1998) (supostamente um continuum desde comportamentos menos abusivos, como a agressão verbal até comportamentos mais abusivos, como agredir com arma), pondo de parte o facto de que a agressão verbal pode ser mais nociva que a agressão física (Straus, 1993) e que, partindo da perspectiva de muitas mulheres, em vez da dos investigadores ou polícias, a humilhação psicológica e a agressão verbal podem ser mais dolorosas do que as agressões físicas, produzindo resultados mais devastadores (DeKeseredy & MacLeod, 1997; Walker, 1979, cit. in Currie, 1998; Cascardi & Vivian, 1995).

É também importante não só compreender o que o CTS pretende medir, mas também explicitar as dimensões que este instrumento não consegue avaliar, como é o caso das ofensas sexuais e da violência praticada por ex-esposos, variáveis que os sociólogos do conflito familiar não incluem no conceito de violência familiar. Isto torna-se tão mais crucial quanto um número significativo de agressão marital corresponde a agressão sexual (Kimmel, 2002; Saunders, 2002). O National Violence

teriam sido violadas pelos seus parceiros em alguma altura da sua relação (Tjaden & Thoennes, 2000). Contudo, os autores do CTS (Straus & Gelles, 1990) não incluíram a

categoria "violação" ou "agressão sexual". Com certeza que se a agressão sexual

tivesse sido incluída teriam sido encontradas mais diferenças entre homens e mulheres em termos de gravidade de actos perpetrados, com as mulheres a sofrerem agressões mais severas, mais passíveis de provocar ferimentos (Kimmel, 2002; Saunders, 2002). Paralelamente, as amostras consideradas pelas investigações com o CTS contemplam apenas os casais que coabitam, excluindo a violência exercida por ex-esposos ou ex-companheiros. Este facto assume alguma relevância pois existe um número significativo de crimes domésticos cometidos por antigos parceiros, havendo, inclusive, um acréscimo de 50% do risco de homicídio para as mulheres que abandonam os esposos; ao não considerar este tipo de agressões, os investigadores podem deixar para segundo plano um terço de todas as agressões íntimas (Kimmel, 2002; Saunders, 2002).

As interpretações dos resultados a partir do CTS são o alvo das principais críticas à metodologia utilizada pelos sociólogos do conflito familiar. Por exemplo, este instrumento não contempla o grau de gravidade dos actos mencionados, assim como o grau de dano que deles pode resultar, sendo um dos seus principais pontos fracos a descontextualização dos actos de violência, propiciada pela separação dos actos discretos do seu contexto situacional (Langhinrichsen- Rholing et ai., 1995; Currie, 1998). De igual modo, este instrumento não considera a natureza da relação íntima, o elemento que inicia a agressão e o tamanho e força das pessoas envolvidas, pormenores que interferem certamente na experiência do episódio de violência mas não no score final do CTS (Kimmel, 2002).

Os métodos de scoring estão concebidos de tal modo que é apenas necessário que o inquirido admita a perpetração de um único acto agressivo da lista para ser classificado como violento. Isto implica que os que perpetraram vários actos severos, independentemente da severidade, e aqueles que relataram cometer um acto único, independentemente da sua "trivialidade", são ambos categorizados como sendo fisicamente violentos. Se a quantidade de actos pode até ser similar, a sua natureza e consequências são muito diferentes. Por exemplo, uma mulher que admite que "tentou bater no parceiro" é equiparada ao homem que "espancou" a sua companheira

- ambos perpetraram um acto de violência. Partindo da contagem de actos agressivos pode chegar-se à conclusão de simetria de género, mas a especificação clara da sua natureza permite-nos captar as diferenças de género na perpetração da violência.

O problema torna-se, assim, num problema de definição do que é ou não violência. Aquando da recolha de dados, a informação reunida pode, de facto, incidir

sobre uma variedade de actos físicos e sexuais, assim como vários actos de agressão verbal mas, no final, aquando da apresentação de resultados, todos estes comportamentos diferentes são condensados numa só categoria de "violência", "abuso" ou "agressão" (Dobash & Dobash, 2004; Nazroo, 1995). Sendo assim, o CTS não permite o acesso a todas as características da violência íntima ou conjugal, como, por exemplo, a intenção de magoar, o medo, a atribuição da culpa, danos causados, consequências físicas e psicológicas, entre outros. Estas dimensões da violência são mais sensíveis às diferenças de género do que a simples soma de actos descontextualizados (Langhinrichsen- Rholing et. ai., 1995).