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Implicações Políticas, Sociais e Preventivas da Violência íntima Feminina o caso dos EUA

2. A Abordagem Feminista à violência íntima perpetrada por mulheres: da simetria à assimetria de género na violência íntima

2.2. Diferenças entre a violência íntima perpetrada por homens e por mulheres

2.2.4. Implicações Políticas, Sociais e Preventivas da Violência íntima Feminina o caso dos EUA

Como já referimos, a violência nas relações íntimas deve ser estudada tendo em conta o seu contexto e os investigadores devem ser cautelosos nas interpretações que fazem dos seus estudos, essencialmente de estudos quantitativos, que se focam em simples contagens numéricas de comportamentos violentos (e.g. National Family

Violence Survey, com base no CTS, já mencionado), tendo em conta que, quando

publicados, moldam as nossas percepções dos acontecimentos, ajudam a definir os problemas sociais, podendo determinar o tipo de serviços proporcionados (Saunders, 1990; Dobash & Dobash, 2004), informam as autoridades políticas, influenciam a preocupação pública e as intervenções para vítimas e agressores. A questão sobre quem são os perpetradores da violência íntima deve preocupar não só os investigadores, mas também os legisladores e responsáveis políticos que, de alguma forma, têm um papel na resposta a este fenómeno (Dobash & Dobash, 2004).

O debate acerca das diferenças de género no uso da violência conjugal pode acarretar consequências significativas, quer para as concepções de mulher batida, académicas ou populares, quer para as políticas sociais. O modo como o problema é enquadrado determina a quantidade de preocupação que lhe é dirigida, assim como as soluções propostas. Os resultados provenientes da investigação influenciam o modo como os media e a população, em geral, encaram o problema. As feministas temem que a perspectiva da "violência bidireccional" reforce a crença popular de que é a mulher que causa a sua própria vitimação ao provocar os seus parceiros - o "blame

the victim". Um outro receio destas investigadoras é de que o foco no problema

enquanto "violência mútua" ou "violência bidireccional" prejudique o investimento de fundos em abrigos para mulheres e na prevenção deste tipo de violência, dando-se um desvio de recursos para os "homens batidos" e um aumento das detenções das mulheres nas disputas domésticas, divergindo a atenção das principais causas que consideram estar na origem da violência contra as mulheres - a desigualdade e a dominância masculina (Kurz, 1993).

Neste momento, um tópico de debate intenso nos EUA prende-se, precisamente, com a questão da detenção ou não de mulheres por violência conjugal, caso que tem vindo a acontecer com cada vez maior frequência devido à disseminação

da prática de detenções obrigatórias nos casos de violência doméstica. Esta medida procura prevenir alguma passividade das autoridades policiais nestes casos, passando assim a detenção a ser obrigatória perante evidências de agressão íntima (Henning, Jones & Holdford, 2003). A maioria dos investigadores e práticos, como já tivemos oportunidade de ver, acredita que a maioria das mulheres detidas estariam a agir em autodefesa (Busch & Rosenberg, 2004; Henning & Feder, 2004; Dobash & Dobash, 2004; Cascardi & Vivian, 1995; Hamberger & Guse, 2002) e que a detenção das mulheres pode apenas levar a que estas se inibam de procurar assistência policial durante futuros ataques.

Alguns estudos com casais detidos por violência conjugal também evidenciam importantes diferenças de género na perpetração de tais comportamentos. Na maioria dos casos, os homens apresentavam já registo criminal e uma história de ofensas domésticas, enquanto que para as mulheres era a primeira detenção. Adicionalmente, enquanto os homens geralmente cometiam vários actos de violência severa, as mulheres tendiam a cometer apenas um, como, por exemplo, atirar um jarro de vidro. Os homens estão, geralmente, mais em consonância com o retrato do agressor que utiliza a violência para dominar e aterrorizar a sua parceira, enquanto as mulheres se enquadram mais no cenário da vítima a agir em autodefesa, alguém que recorre à violência no contexto de raiva e conflito (Busch & Rosenberg, 2004; Henning & Feder, 2004).

O número crescente de mulheres que são detidas por violência doméstica apresenta imensos desafios teóricos e práticos. As diferenças encontradas entre homens e mulheres detidos por violência conjugal levantam questões e preocupações acerca das políticas de pró-detenção vigentes nos EUA. O baixo nível de criminalidade e factores de risco associados observados nas mulheres detidas chega a pôr em causa a extensão com que os agentes da autoridade fazem as suas detenções (Henning & Feder, 2004). Em termos práticos existe ainda pouca investigação disponível para informar o modo como os processos das mulheres, supostamente agressoras conjugais, deveriam ser conduzidos pelo sistema de justiça criminal. Estaremos perante dois tipos de agressividade diferentes e que, por conseguinte, devem ser submetidos a diferentes tipos de tratamento? Ou podemos considerá-los iguais? Todas estas questões continuam a ser colocadas na comunidade científica, promotores públicos, serviços de reinserção e técnicos de intervenção. Se a violência defensiva não for detectada, as vítimas correm o risco de defrontar o duplo estigma advindo dos registos criminais (se forem dadas como culpadas) e de serem ordenadas pelos tribunais para frequentarem programas para ofensores (Saunders, 2002).

Acresce que os programas de intervenção na violência conjugal tradicionais, que se focam nas questões do poder, controlo e atitudes negativas face às mulheres, parecem revelar-se de pouca utilidade para as agressoras conjugais. Assim, as intervenções com as ofensoras talvez devessem, antes, centralizar-se na vitimação, planos de segurança e outros assuntos referentes à opressão das mulheres. Esta questão não está, porém, suficientemente estudada até à data (Henning et ai., 2003).

As implicações desta controvérsia ultrapassaram os muros da academia através de alguns grupos de defensores dos direitos dos homens, que utilizaram as publicações académicas acerca do tema para acentuar e sustentar a sua crença de que são prejudicados em processos de regulação paternal. Por exemplo, a Men's

Defense Association tem como objectivo ajudar os homens nestes casos, protegendo a

imagem dos pais do pensamento "politicamente correcto" de que os homens são maus, violentos e desnecessários do desenvolvimento dos seus filhos {Men's Defense

Association, cit. Saunders, 2002). O National Coalition of Free Man, por sua vez,

queixa-se dos programas de apoio à vítima, normalmente dirigidos a mulheres, alegando que as taxas de violência contra os homens se aproximam ou até excedem os índices de violência contra as mulheres. Contudo, estes grupos baseiam-se em revisões bibliográficas de estudos geralmente quantitativos, que são utilizadas acriticamente, sem consideração das limitações metodológicas descritas nessas mesmas revisões já anteriormente mencionadas.

Não obstante, apesar de em desequilíbrio, sabe-se que há mulheres que também agridem e, como tal, começa a tornar-se necessário, pelo menos na sociedade norte-americana, examinar o impacto sobre as vítimas masculinas e desenvolver serviços vocacionados para estes, desmascarando, deste modo, um problema que está tão escondido como estava o fenómeno da violência contra as mulheres antes da investigação feminista na década de 70 (Frieze, 2000). Cremos que é possível reconhecer a violência exercida por mulheres, sem ignorar o modo como o padrão da violência masculina contra as mulheres reflecte e perpetua as desigualdades sociais entre os sexos. Devemos ser capazes de levar a violência feminina contra os seus parceiros a sério e servir individualmente os interesses dos homens agredidos sem perder de vista os padrões sociais da violência masculina, quer contra estranhos, quer contra as mulheres no âmbito das relações íntimas (Worcester, 2002).