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e) Quais os recursos sociais e institucionais disponíveis para apoiar as mulheres envolvidas em situações de violência?

1. Conclusão Integrativa

Após um trabalho exaustivo de pesquisa bibliográfica, de recolha e análise de resultados quantitativos e qualitativos, bem como de descrição das principais conclusões obtidas em cada fase do estudo, torna-se importante, nesta etapa final, a reflexão e integração acerca dos resultados encontrados em ambas as fases deste estudo.

Os resultados quantitativos e qualitativos mostraram-se concordantes relativamente à perpetração da violência íntima feminina, acabando por nos colocar numa posição de acordo com uma série de autores inseridos na corrente teórica e tradição metodológica feminista (Bachman & Carmody, 1994; Dobash & Dobash, 2004; Kurz, 2003; Ylló, 1993; Worcester, 2002; Currie, 1998; Kimmel, 2002; Saunders, 1990, 2002; Magdol et. ai., 1997; Henning et. ai., 2003; Busch & Rosenberg, 2004; Henning & Feder, 2004; Hamberger & Guse, 2002; Tjaden & Thoennes, 2000; Cascardi & Vivian, 1995; Frieze, 2000; Campbell et. ai., 1998;

O'Leary, 2000; Anderson, 2002;Langhinrichsen-Rohling, Neidig & Thorn, 1995; Melton & Belknap, 2003; Nazroo, 1995) quando concluímos que existe assimetria entre géneros na perpetração da violência íntima, nomeadamente em relações maritais. Verificámos, de acordo com o esperado após a revisão bibliográfica, e com base nos resultados de ambas as fases do estudo, que a violência perpetrada por homens e mulheres difere:

a) no tipo - as mulheres cometem mais actos de violência menor ou leve, ao passo que os homens recorrem mais vezes a actos severos e à violência sexual;

b) na frequência - as mulheres agridem menos vezes que os homens;

c) na motivação - as mulheres, quando agridem, fazem-no como uma forma de autodefesa, retaliação e resistência activa, enquanto os homens procuram mais o controlo e a dominação;

d) no contexto elicitador do episódio - as mulheres agridem após a agressão inicial do marido, ao contrário dos homens que agridem de uma forma continuada; e) nas consequências da violência - o impacto físico decorrente da agressão

feminina, quando existe, encerra usualmente pouca gravidade;

Concordámos, assim, com Nazroo (1995) e Johnson (1995; Jonhson & Ferraro, 2000) no que toca à origem das discrepâncias entre os defensores da simetria e da assimetria de género na perpetração da violência íntima. Estas diferenças residem mais no tipo de metodologia utilizada do que na incorrecção das suas leituras, como

se pôde constatar neste estudo. Com efeito, a primeira fase possibilitou-nos um tipo de informação mais global e superficial, embora relevante, dando-nos conta dos números da violência, mas falhando em esclarecer as circunstâncias envolventes, tais como o contexto ou as motivações subjacentes. Daí a necessidade da componente qualitativa da investigação que se revelou, de facto, enriquecedora. A metodologia feminista é insistente quanto defende que o estudo "artificial" de uma variável quantitativa, se desprovido de análise qualitativa, de pouco nos servirá (Parlée, 1981, cit. Walker, 1989). Pode existir diferença, por exemplo, entre uma bofetada de um homem e de uma mulher, e os dados quantitativos não captam necessariamente estas diferenças, ao contrário dos dados qualitativos. Reconhecemos, desta forma, a complementaridade destas duas abordagens metodológicas e a sua proficuidade no estudo de fenómenos desta natureza.

Tendo em conta ambas as fontes de resultados, quantitativos e qualitativos, encontramo-nos em condições de enquadrar a violência íntima encontrada nas tipologias definidas por Jonhson (1995; no prelo; Jonhson & Ferraro, 2000). Desta forma, concordamos com os autores no que toca ao tipo "resistência violenta": esta é mais cometida por mulheres que, sendo ao mesmo tempo vítimas, utilizam a violência de uma forma reactiva e defensiva ao "terrorismo íntimo" encetado pelos seus maridos, podendo mesmo resultar em morte destes. Apenas um dos casos da nossa amostra parece ter envolvido um tipo de violência mais simétrico entre o casal pelo que, não correspondendo ao padrão geral encontrado, se poderia enquadrar no tipo "violência comum entre o casal", uma vez que ambos os parceiros cometiam ofensas não muito graves, sem procura de controlo da relação, e de uma forma reactiva enquanto resolução de conflitos usuais entre o casal.

Em suma, de uma forma geral, a perpetração da violência íntima é assimétrica entre géneros, com consideráveis diferenças quantitativas e qualitativas.

2. Limitações

Como em qualquer investigação, também no decorrer deste trabalho nos deparámos com algumas limitações que procurámos contornar, tentando mitigar os seus efeitos.

Em primeiro lugar convém reafirmar todos os condicionalismos inerentes a um estudo quantitativo, essencialmente quando as questões incidem sobre comportamentos socialmente reprováveis, como é o caso da perpetração da violência conjugal. Apesar de terem sido tomadas medidas no sentido de minimizar estes efeitos (como fechar os questionários em envelopes para reforçar a preservação da

identidade do inquirido), é muito provável que as respostas dadas ao inquérito usado no primeiro estudo fossem influenciadas pela desejabilidade social, gerando viés de relato.

Em relação ao tema abordado, alguns estudos referem que existem diferenças entre homens e mulheres nos seus auto e hetero relatos, o que pode acabar por induzir em erro os investigadores, enviesando os próprios resultados (Dobash & Dobash, 2004; Margolin, 1987, cit. Dobash & Dobash, 2004; Szinovacs & Egley, 1995; Kimmel, 2002; Cascardi & Vivian, 1995; Cantos, Neidig & O'Leary, 1993). As mulheres tendem a sobre-relatar os seus actos agressivos, enquanto nos homens a tendência é de sub-relato (Margolin, 1987, cit. Walker, 1989). Outros efeitos comuns têm a ver com a interpretação que os inquiridos fazem dos itens do questionário. Como realçam Almeida e Freire (1997), os resultados podem variar consoante a motivação dos sujeitos para um e outro tipo de conteúdo, pelo que nem todos podem ter a mesma capacidade de reposta a conteúdos verbais. Estas respostas podem ainda ser influenciadas pelos efeitos de memória, uma vez que se baseiam na análise retrospectiva, e pelo local onde foi realizado ou preenchido o inquérito: as pessoas eram contactadas em vários contextos (locais de trabalho, residências próprias) onde podem ter-se sentido pouco à vontade para responder, caso estivessem perto de pessoas próximas ou do/a parceiro(a) maltratante.

Após esta fase deparámo-nos com a que foi, talvez, a maior dificuldade sentida nesta investigação: a selecção de mulheres agressoras conjugais. Este é, de facto, um tema sensível, que as pessoas encaram com muita renitência e desconfiança. Inicialmente procurámos contactar mulheres que tinham deixado os seus contactos nos questionários preenchidos na primeira fase, mas, tendo em conta que foram vários os administradores dos questionários, estes não coincidiram sempre com a entrevistadora da segunda fase. Desta forma, contactadas inicialmente por telefone, as participantes, de uma forma geral, não se mostraram disponíveis para serem entrevistadas sobre o tema da violência conjugal.

Partimos, então, para o recrutamento de agressoras a partir de instituições. As mulheres precisam, contudo, de tempo e de perceber o entrevistador interessado nelas para serem capazes de falar acerca da violência (Walker, 1989). Apesar de, aparentemente, termos conseguido criar um clima de empatia e confiança, há que ter em conta que a "distância" entre entrevistador e entrevistado pode, de alguma forma, ter originado alguma "contenção" nos discursos das mulheres. Da mesma forma, algumas destas mulheres foram entrevistadas nas suas próprias casas, pelo que o decorrer da entrevista foi interrompido pela chegada, saída ou presença dos filhos.

Paralelamente há que ressaltar que o facto de termos entrevistado apenas as mulheres nos deu uma perspectiva unilateral da relação violenta. Devemos ter em conta que o discurso destas mulheres poderá ter sido significativamente permeado pela necessidade de justificarem e legitimarem a sua conduta violenta, sendo a agressão feminina tipicamente reprovada e vista como "atípica" ou "anormal" pelo discurso social.

Finalmente, há que mencionar que, dados os contextos de selecção, os níveis socioeconómicos das participantes são, de um modo geral, baixos, não tendo conseguido aceder, no âmbito deste trabalho, a participantes de estratos sociais mais elevados.