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A visão Sociocognitiva dos processos de conceptualização e categorização

No documento fernandaraqueloliveiralima (páginas 58-62)

Desenho 2 Professor Ideal

3.2 Uma vertente da Lingüística Cognitiva – O Sociocognitivismo

3.2.1 A visão Sociocognitiva dos processos de conceptualização e categorização

Para demonstrar que a mente humana é um fenômeno essencialmente corporificado, ou seja, que a base de nossos sistemas conceptuais emerge da experiência concreta de nossos corpos, Lakoff (1987) e Lakoff e Johnson (1999, 2002) exemplificam com três tipos de conceitos dependentes das capacidades perceptuais e motoras humanas: formação do conceito de cores; as categorias de nível básico e os esquemas imagéticos.

Segundo Lakoff e Johnson (1999, p.23), as cores “não existem no mundo externo. Dado o mundo, nossos corpos e mentes envolvem-se para criar as cores”. O conceito de cor, assim como outros conceitos, é, portanto, motivado pelas experiências corpóreas do homem no meio que o circunda e depende, em grande parte, da relação da coisa com a percepção do ser que a observa. Logo, a formação corpórea do organismo é fundamental na forma como se vê as cores. Esse exemplo é correlato de uma hipótese da Lingüística Cognitiva sobre a realidade, conforme anunciado em Lakoff (1987), a realidade existe independentemente do sujeito, contudo, é através da perspectiva do sujeito instaurado que ela é conhecida e recriada.

Em relação às categorias de nível básico e aos esquemas imagéticos, os autores dizem se tratar de estruturas pré-conceituais da experiência, próprias da espécie humana, ou seja, estruturas vivenciadas antes da conceptualização, mas que não são compreendidas intelectualmente, são utilizadas de modo automático e inconsciente.

As categorias de nível básico estão relacionadas à forma como os homens categorizam as coisas no mundo, através da interação sujeito (corpo e mente), mundo físico e cultura. As crianças aprendem, em primeiro lugar, as categorias de nível básico, aquelas que nos permitem uma percepção gestáltica, para depois estendê-las metonimicamente em categorias cuja imagem mental do todo não é possível. Cadeira e mesa são, por exemplo, categorias de nível básico, enquanto móvel e cadeira escolar são, respectivamente, categorias super- ordenadas (inclusivas) e sub-ordenadas (especializadas).

Em oposição às teorias clássicas da categorização que definiam os membros de um grupo através de propriedades necessárias e suficientes, as teorias cognitivas se apóiam nas relações de prototipia: ao classificarmos o mundo partimos dos exemplos prototípicos de uma categoria, os casos centrais, para os outros membros semelhantes, casos periféricos. As categorias estão organizadas com base em relações de semelhança familiar, na qual os

membros de um segmento podem estar relacionados sem que todos possuam um conjunto de propriedades em comum e alguns membros podem ser, ainda, melhores exemplos (protótipos) de uma categoria do que outros (a concepção de prototipia e semelhanças de família são herdeiras, respectivamente, dos estudos de Eleonor Rosch (1976) e Ludwig Wittgenstein (1994)). É com base nas idéias de prototipia e nas relações de família que Lakoff (1987) enuncia a proposição de radialidade das categorias: pela extensão de uma instância básica são definidos os demais membros de um grupo.

A segunda estrutura pré-conceitual da experiência, os esquemas imagéticos, dizem respeito à maneira como os seres humanos conceptualizam o mundo em que vivem. Conforme apresentam Lakoff e Johnson (1999, 2002), as experiências corpóreas do homem com o mundo resultam em memórias de movimento (esquemas imagéticos) que servem de base para as significações lingüísticas. Nossas experiências corporais como deslocamento de um lugar para o outro ou estar dentro/fora de algum lugar, por exemplo, dão origem a esquemas de movimentos, denominados pelos autores, nesta ordem, esquema de CAMINHO e RECIPIENTE, que dão origem às significações de algumas expressões lingüísticas, como ir de uma cidade a outra ou estar em algum lugar qualquer.

Os pensamentos mais abstratos, que não são apreendidos diretamente em nossas experiências sensório-motoras, são estendidos por projeções figurativas. Assim como as categorias são estendidas por meio de processos metonímicos, os esquemas imagéticos são estendidos via metáfora. Por este motivo, Lakoff e Johnson (2002) afirmam que os conceitos abstratos são largamente metafóricos, argumentando que o pensamento é, além de corporificado, imaginativo. Metáfora e metonímia, na Lingüística cognitiva, são entendidas como mais que meras figuras de linguagem, cujo uso é limitado aos contextos literários. Ambas as projeções figurativas fazem parte da linguagem cotidiana e revelam a maneira como categorizamos e conceptualizamos o mundo, estando presentes não só na linguagem, mas também em nossas ações e pensamentos.

A metonímia é definida como o uso de uma entidade para fazer referência a uma outra que seja relacionada a ela, como uma estratégia de referenciação e entendimento. Já a metáfora pode ser de três tipos: estrutural, orientacional e ontológica. Podemos “compreender e experienciar uma coisa em termos de outra” (LAKOFF e JOHNSON, 2002, p.48), e neste caso estamos falando de metáforas estruturais; quando organizamos todo um sistema de conceitos em relação a orientações espaciais que têm por base nossas experiências físicas e culturais, trata-se de metáforas orientacionais; e, por último, podemos compreender experiências mais abstratas em termos de entidades e substâncias, metáforas ontológicas.

DISCUSSÃO É GUERRA ou TEMPO É DINHEIRO, são exemplos de metáforas estruturais; FELIZ É PARA CIMA e TRISTE É PARA BAIXO, são exemplos de metáforas orientacionais; MENTE É UMA MÁQUINA ou INFLAÇÃO É UMA ENTIDADE, são exemplos de metáforas ontológicas.

Para finalizar a apresentação das premissas fundamentais para Lingüística Cognitiva expostas por Lakoff (1987) e Lakoff e Johnson (1999, 2002), resta-nos expor que, para os teóricos, todas as operações cognitivas descritas acima não podem ser acessadas de maneira direta e consciente pelos falantes, dada a rapidez com o que o pensamento opera. Logo, considera-se que a maior parte de nosso pensamento é inconsciente (o inconsciente cognitivo).

Lakoff (1987) e Lakoff e Johnson (1999, 2002) rompem, ainda, com outras pressuposições básicas do paradigma tradicional do cognitivismo lingüístico ao argumentarem em prol do pensamento corporificado. Esta premissa desfaz, de início, a concepção de mente modularista, bem como a concepção de homem com um corpo e uma mente que não se comunicam. No entanto, apesar do significativo primeiro passo, os autores contemplaram de modo insatisfatório aspectos relativos ao uso concreto da linguagem e aos contextos culturais e sociais onde os usos e, consequentemente, os processos cognitivos estão situados. Teóricos como Croft (2004), Salomão (1999, 2006) contribuem para a inserção do uso lingüístico no estudo da cognição humana, assim como Tomasello (1999, 2005) e Clark (1996) contribuem para a consideração dos contextos sociais, históricos e culturais (cf. seção 3.1.1).

Dentre as hipóteses que Croft (2004, p.1) expõe como orientadoras da Lingüística Cognitiva, encontra-se o papel fundamental do uso para a emergência do conhecimento da linguagem. Segundo o autor (Idem, 2004, p. 3 e 4), “categorias e estruturas semânticas, sintáticas, morfológicas e fonológicas são construídas a partir de nossa cognição de emissões específicas em ocasiões específicas de uso.” Tomasello (2005) também argumenta a favor da importância da freqüência de uso para o surgimento de construções gramaticais, segundo o autor (Idem, 2005, p.5), “quando o ser humano usa símbolos para comunicar com outros, coloca-os juntos em seqüências, padrões de uso emergem e se consolidam em construções gramaticais”.

O uso concreto da linguagem, e seus padrões de freqüência deixam de ser, portanto, pano de fundo dos estudos sobre a linguagem para se tornarem fatores centrais na emergência e consolidação dos padrões lingüísticos. O uso configura-se como um fator determinante da cognição humana, uma vez que a reiteração gera convencionalização, que incorporada à cultura transforma-se em padrão. É neste sentido que esta pesquisa propõe um trabalho com

corpora – em consonância com a proposta da Lingüística de Corpus de se realizar estudos lingüísticos à partir da observação de extensa massa de dados – somando uma análise qualitativa a uma análise quantitativa, a fim de buscar as convencionalizações de padrões de uso da cena aula.

Outro aspecto essencial para compreensão do processamento cognitivo, e, consequentemente, lingüístico, é a consideração de que os processos cognitivos ocorrem não só internamente (na mente de indivíduos particulares), mas também externamente (nas interações, situadas social e culturalmente). Melhor dizendo, a contraposição externalidade e internalidade de outrora se desmancha, quando pensamos a cognição humana como interacional e cultural.

As premissas da escassez do significante, da semiologização do contexto, e do drama das representações, apresentadas por Salomão (1999) para uma hipótese sociocognitiva da linguagem, também auxiliam na argumentação a favor da existência de outros aspectos envolvidos na interpretação e na construção do sentido.

A nova agenda da Lingüística Cognitiva pressupõe a inclusão dos processos de construção do sentido nos estudos cognitivos da linguagem e para tal projeto é preciso, inicialmente, considerar a escassez do significante: o sinal lingüístico não carrega o significado, apenas guia o processo de significação diretamente no contexto de uso, onde se encontram outros sinais (contorno prosódico, expressões faciais e corporais, posicionamento dos corpos etc.) que refinam e complementam o sinal lingüístico (SALOMÃO: 1999, p.67). O contexto, nesta perspectiva, é entendido como a concorrência de diferentes semioses (verbais ou não) que disputam o centro da atenção comunicativa. Segundo Salomão (1999, p.69), essa concepção traduz a perspectiva da semiologização do contexto, que pode ser assim definida:

A abordagem que praticamos repudia a distinção entre linguagem e contexto como polaridades estanques. Mais útil será distinguir entre instruções verbais para construir configurações cognitivas e outras instruções semiológicas, variavelmente focadas, e que tanto podem corresponder a suposições integráveis ao senso comum ou informações específicas no chão da interação. Em todo caso, em uma e em outra situação, tratamos de instruções, pistas, sinais que podem ou não ocupar o centro da atenção comunicativa.

A última premissa, o drama das representações, parte do princípio de que “interpretar é representar, no sentido dramático da representação” (SALOMÃO, 1999, p.71). Logo, fazer sentido exige dos falantes que eles se enquadrem em uma cena social, estabeleçam uma perspectiva não fixa sobre esta cena, e assumam determinados papéis comunicativos.

No documento fernandaraqueloliveiralima (páginas 58-62)