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As Metáforas da Aula

No documento fernandaraqueloliveiralima (páginas 93-97)

Desenho 2 Professor Ideal

5.1 Questão 1: “Para você, o que é uma aula?”

5.1.2 As Metáforas da Aula

Para iniciar uma análise das metáforas implícitas na forma como os alunos definem o que é aula, faremos um breve parêntese para apresentar uma pesquisa desenvolvida por Michael Reddy (2000) sobre a maneira como os falantes de língua inglesa demonstram entender o fenômeno da comunicação através de suas mensagens. O objetivo de tal explanação é demonstrar as semelhanças existentes entre a forma como, através da linguagem, os falantes de língua inglesa indicam conceber o fenômeno da comunicação humana e a forma como os alunos investigados na presente pesquisa demonstram conceber o

frame Aula.

Ao observar mensagens produzidas cotidianamente por falantes de língua inglesa, Reddy (2000) destacou a existência de uma metáfora que traduz a forma como os sujeitos pensam o fenômeno da linguagem: a metáfora do conduto. Segundo o pesquisador, através da análise de mensagens como (1) “você ainda não me deu nem uma idéia do que você quer dizer” (Idem, 2000, p.8); (2) “sempre que você tiver uma boa idéia, acostume-se a captá-la em palavras” (Ibidem, 2000, p.9); (3) “será que dá mesmo para extrair idéias coerentes desse texto?” (2000, p.10); e (4) “você está lendo coisas para dentro do poema” (entre outras); é possível destacar alguns elementos que configuram a metáfora do conduto. Com base nos exemplos citados, respectivamente, o autor observa que:

[...] (1) a linguagem funciona como um conduto, transferindo pensamentos corporeamente de uma pessoa para outra; (2) na fala e na escrita, as pessoas inserem nas palavras seus pensamentos e sentimentos; (3) as palavras realizam a transferência ao conter pensamentos e sentimentos e conduzi-los às outras pessoas; (4) ao ouvir e ler, as pessoas extraem das palavras os pensamentos e sentimentos novamente. (REDDY, 2000, p. 12).

Em seguida à “colocação do problema”, Reddy apresenta as implicações da metáfora do conduto no desenvolvimento da comunicação humana. A linguagem, concebida através da metáfora do conduto, pode apresentar “falhas” em duas circunstâncias: ou o falante/escritor pode não cumprir, a contento, a tarefa de inserção de pensamentos e sentimentos nas palavras, ou o ouvinte/leitor pode não cumprir, satisfatoriamente, a tarefa de extrair os significados contidos nas palavras.

Conforme conclui Reddy, a idéia que os falantes de língua inglesa têm sobre os funcionamentos da linguagem tem implicações nos processos mentais destes falantes, logo, pode vir a influenciar até sua vida prática. Um dos problemas apresentados é a crença no sucesso da comunicação sem “dispêndio de energia” (REDDY, 2000, p.31); outro é a

suposição de que há cultura nas bibliotecas sem que haja reconstrução pelas novas gerações; e, por fim, o pensamento de que:

[...] estamos ‘captando idéias’ e vertendo-as por um funil para o maior público na história do mundo. Porém, se não há idéias ‘dentro’ desta inundação infinita de palavras, então, tudo o que estamos fazendo é recontar o mito de Babel – centralizando dessa vez ao redor de uma torre de transmissão. (REDDY, 2000: 33)

A metáfora do conduto, destacada por Reddy nas mensagens dos falantes de língua inglesa, pode, igualmente, ser destacada no discurso dos alunos investigados neste estudo, caracterizando a forma como eles concebem o frame Aula. Como pôde ser observado na seção anterior (5.1.1), o professor assume o papel de Agente da interação e o aluno assume, principalmente, um papel mais passivo, de Paciente da ação, no discurso dos estudantes investigados. Ao professor cabe a tarefa, portanto, de inserir os significados nas mensagens e ao aluno, a tarefa de extrair os significados contidos nos “pacotes” enviados pelos professores. Desta forma, a “falha” no processo educativo encontra-se ou no professor, que não soube converter o conhecimento em palavras ou expressões satisfatórias, ou no aluno, que não foi capaz de extrair as informações contidas nas mensagens. Nos exemplos abaixo podemos observar que em 12 a falha está no professor que não sabe explicar (verter o conhecimento em palavras); já em 13 a falha encontra-se no aluno que não é capaz de decodificar o que o professor fala:

12. 22A9-10 Aula é uma coisa para aprender, mas Há certos professores que não sabem explicar as matérias, não vou citar nomes.

13. 52A9-22 Um lugar onde os professores ficam falando e a gente não entende nada. O levantamento dos verbos que acionam o frame Aula e a relação estabelecida entre estes verbos e os papéis assumidos por professor e aluno em uma aula, nos aponta, portanto, a definição de aula através da metáfora estrutural AULA É UM CONDUTO, no qual nas pontas encontram-se os atores da cena, entre eles, um conduto (um canal), por onde são enviadas as informações (que contêm os significados inseridos pelo professor) em um único sentido: professor via aluno.

PROFESSOR ALUNO

Outras implicações da conceptualização da aula através da metáfora do conduto, além da atribuição de culpa pelas “falhas” no processo educativo, é a caracterização do professor como o detentor do conhecimento e o aluno como um ser passivo que assimila tudo que lhe é

transmitido. Esta forma de conceber o papel dos atores da cena e a própria interação resulta em diversos problemas, principalmente na era da informação, na qual vivemos. O aluno, nos dias de hoje, tem uma acesso mais facilitado às fontes de conhecimento devido à revolução tecnológica nos meios de comunicação. Logo, a aula não é mais o único momento para aprender com o auxílio do professor, como os próprios alunos revelam em suas respostas:

14. 10A9-12 É tudo o que se aprende tanto faz na escola como na vida. Aula é aula não importa qual!

15. 10A9-13 É um tempo do nosso dia-a-dia que tiramos para ter mais sabedoria. Não que não aprendemos ao longo do tempo do dia, mas esse é o nosso momento.

Contemporaneamente, o professor que tenta dar conta de todas as informações se esgota, e aquele que pensa ser a única a única ponte entre o aluno e o conhecimento é ingênuo. O professor ensinar e o aluno aprender não é mais, e nunca foi, de fato, a única forma pela qual o ensino-aprendizagem pode se dar.

A definição de aula como um conduto demonstra que os alunos ainda entendem a cena nos moldes como nossa cultura, o senso comum, a concebe (como pode ser observado na acepção presente no dicionário e no frame Ensino-Educação da Framenet – único frame de Educação nesta rede): o professor assume, unicamente, o papel de Agente da interação e o aluno, o papel de Paciente; o professor insere o conhecimento nas mensagens e os alunos extraem estes conhecimentos de forma passiva.

A questão não está em mudar o conceito de ‘aula’ do senso comum – não temos poder para tal façanha. Assim, a mudança deve começar pelas instituições educacionais de modo a alargar o conceito veiculado na cultura. De fato, o problema está em a escola (e, metonimicamente, a aula), como evidenciam as definições de nossos alunos, replicar, em suas práticas, o que o senso comum traduz pela Metáfora do Conduto. O que se observa é que as mudanças e avanços nos frames interacionais da sociedade em termos dos processos de troca de conhecimento – os meios de comunicação, por exemplo, que facilitam o acesso aos mais variado conhecimentos pelos jovens, o que lhes assegura um estatuto diferente diante do saber – não são, via de regra, assimilados, de modo produtivo, pelas práticas educativas institucionais. Permanece nessa cena um processo educacional de uma única via: professor → conhecimento → aluno. Os conflitos daí decorrentes não são poucos, como veremos no decorrer de nossas análises.

Michael Reddy (2000) expõe um modo alternativo de conceber a comunicação humana, buscando um entendimento da linguagem que traduza o fenômeno de maneira mais condizente com o que de fato ocorre no momento da interação comunicativa do que a

metáfora do conduto. O meio alternativo que o autor apresenta para o entendimento da comunicação segue um percurso argumentativo semelhante ao da concepção de linguagem que sustenta a presente pesquisa: a linguagem é uma forma de ação conjunta e social, e requer esforço cooperativo de todos os participantes do ato comunicativo. Além disso, a palavra não porta o significado, apenas o guia no interior do processo comunicativo (cf.cap. 3).

No documento fernandaraqueloliveiralima (páginas 93-97)