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Na atualidade veem-se muitas crianças em situações de vulnerabilidade, a grande maioria está em uma esfera familiar conturbada, com figuras paternais que deveriam garantir sua segurança e desenvolvimento, sendo, muitas vezes, as mesmas que contribuem para um futuro de criminalidade. Por crescerem em um lar conturbado, acabam por buscar alternativas na rua, como forma de aliviar a tensão sofrida dentro do lar. Um pai que não demonstra afeto, uma mãe que não está presente, ou ambas as partes que preferem em troca do carinho oferecer aos filhos bens materiais, como forma de suprir aquilo que realmente deveria ser fornecido: o amor, são exemplos de condutas equivocadas que tendem a causar danos à formação saudável dos filhos.

Esse tipo de conduta resulta muitas vezes em crianças com distúrbios, adolescentes que se tornam usuários de drogas, jovens entrando no mundo da prostituição, gravidez na adolescência, além de contribuir para que eles estejam mais propensos a ideias suicidas, uma vez que começam a pensar que não são importantes para os pais, e não sendo importantes para quem os gerou, não serão importantes para mais ninguém.

Frequentemente o abandono ocorre dentro dos lares, onde mesmo que os pais morem juntos, não conseguem estabelecer um vínculo afetivo, o que acaba

ocasionado ainda mais o sentimento de culpa ou de revolta por parte dos filhos, o que alimenta um sentimento de justiça, e eles buscam uma forma de punir os pais por não lhes oferecer carinho, atribuindo-lhe a responsabilidade pelo abandono e consequentemente a punição pelo dano causado em sua moral. Segundo Rolf Madaleno,

[...] o abandono é resultado da falta de cuidados, onde os pais ou apenas um deles, deixa de exercer o verdadeiro sentido da paternidade, qual seja o afeto, limitando o convívio e entrosamento entre pais e filhos, preferindo deixar o filho no mais completo abandono, sem exercer o dever de cuidado que tem em relação à sua prole, tal descuido certamente afeta a higidez psíquica do descendente rejeitado, causando danos a sua moral. (MADALENO, 2020, p.405).

O abandono afetivo é resultado da negligência dos pais com seus filhos, onde estes deixam de prestar ao menor o auxílio necessário para sua identificação como pessoa. Não se trata tão apenas de garantir-lhes o sustento, mas sim outros deveres aos quais os pais estão obrigados a prestarem a sua prole. Muitas vezes o abandono vem acompanhado da alienação parental, onde os pais, após a dissolução dos seus relacionamentos, alimentam a ideia de que não são mais obrigados a prestar a assistência que antes era garantida dentro do lar.

Não há que se falar em criança saudável se não existir amor. O caráter é o principal legado que os pais podem deixar a seus filhos, são estes que devem garantir que o menor tenha ciência sobre a vida futura e os caminhos que deva seguir. A responsabilidade pelos atos futuros dos filhos é dos genitores, pois, é a eles a quem se atribui a obrigação de fornecer cuidado e instrução à prole. Para a autora Maria Helena Diniz,

[...] deve-se, portanto, vislumbrar na família uma possibilidade de convivência, marcada pelo afeto e pelo amor, fundada não apenas no casamento, mas também no companheirismo, na adoção e na monoparentalidade. É ela o núcleo ideal do pleno desenvolvimento da pessoa. É o instrumento para a realização integral do ser humano. (DINIZ, 2007, p.13).

Conforme Giselle Câmara Groeninga, citada por Madaleno, “[...] o amor é condição para entender o outro e a si, respeitar a dignidade e desenvolver a personalidade saudável.” (GROENINGA apud MADALENO, 2020, p.99).

Dentre os inescusáveis deveres paternos figura o de assistência moral, psíquica e afetiva, e quando os pais ou apenas um deles deixa de exercitar o verdadeiro e mais sublime de todos os sentidos da paternidade, respeitante a interação do convívio e entrosamento entre pai e filho, principalmente quando os pais são separados ou nas hipóteses de famílias monoparentais, onde um dos ascendentes não assume a relação fática de genitor, preferindo deixar o filho no mais completo abandono, sem exercer o direito de visitas, certamente afeta a higidez psicológica do descendente rejeitado. (MADALENO, 2013, p.282).

Ainda conforme já pontuado pelo art. 226 da Constituição Federal de 1988, assegura que a família, é base da sociedade, tendo especial proteção do Estado, sendo que o parágrafo 4º preceitua que a entidade familiar é entendida como a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. (BRASIL, 1988). Destarte, o art. 227 Caput da CF/88, institui ainda que:

[...] é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988).

Sendo de responsabilidades dos pais a oferta do cuidado, na falta destes o Estado deverá intervir para que haja meios de se suprir tal necessidade, seja pela destituição do poder familiar e da inserção desse menor no convívio familiar que o permita desenvolver-se saudavelmente, sem que haja prejuízos a sua personalidade e que venham resultar danos a sua moral.

Reitera-se ainda, como observa Álvaro Villaça Azevedo, que “[...] os pais não são obrigados a amar seus filhos, mas a cuidar deles, material e imaterialmente, os direitos e deveres da personalidade devem ser cumpridos, para que se valorize a pessoa com a dignidade necessária no convívio social.” (AZEVEDO,2019, p.249).

Neste entendimento Lizete Peixoto Xavier cita Monagle:

Um dos maiores desafios do século XXI é assegurar que as crianças cresçam transformando-se em adultos sábios, corretos e capazes; e são os pais responsáveis por essa árdua tarefa. Se a família é vista como alicerce do grupo social, os pais são, portanto como os primeiros professores das crianças, o tijolo essencial para a construção de uma pessoa saudável e equilibrada que por sua vez exercerá a parentalidade com tranquilidade e segurança no futuro. (MONAGLE apud XAVIER, 2006, p.61).

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 1º, institui que a República Federativa formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como principal fundamento a preservação da dignidade da pessoa humana, sendo assim cabe ao Estado na constância de garantidor da efetivação dos direitos dos menores, assegurar que estes tenham a sua personalidade preservada, visto que a personalidade é um direito fundamental de qualquer pessoa. (BRASIL, 1988).

As relações contemporâneas são regidas pela afetividade. Sabe-se que muitas vezes as famílias se reconhecem pelos laços afetivos e não mais pelos sanguíneos, desta forma, fica muito evidente o princípio da afetividade, sendo este um princípio basilar das famílias atuais. Tal princípio opera de forma oculta em nosso ordenamento jurídico vigente, sendo manifestado através de palavras como a proteção e o cuidado, sendo disfarçadamente entendido por afeto.

Para o autor Pablo Stolze Gagliano, “[...] todo o moderno Direito de Família gira em torno do princípio da afetividade, não mais se baseia pelas relações sanguíneas e contratuais, dessa forma, o direito de família se repaginou com o intuito de resguardar o princípio da afetividade.” (GANGLIANO, 2012, p.89). Ainda conforme dita Maria Berenice Dias:

[...] o princípio da afetividade é o que rege o direito de família e diz que: O afeto não é somente um laço que envolve os integrantes de uma família. Também tem um viés externo, entre as famílias, pondo humanidade em cada família, compondo, no dizer de Sérgio Resende de Barros, a família humana universal, cujo lar é a aldeia global, cuja base é o globo terrestre, mas cuja origem sempre será, como sempre foi, a família. (DIAS, 2009, p.33)

O artigo 229 da Constituição Federal de 1988, estabelece a reciprocidade de cuidado entre pais e filhos, que corresponde ao princípio da solidariedade, onde a troca de cuidado é mútua entre as partes da relação paternal. (BRASIL, 1988). Para o doutrinador Rolf Madaleno, o princípio da solidariedade é:

A solidariedade é o princípio e oxigênio de todas as relações familiares e afetivas, porque esses vínculos só podem se sustentar e se desenvolver em ambiente recíproco de compreensão e cooperação, ajudando – se mutuamente sempre que se fizer necessário. (MADALENO, 2013, p.93).

Os filhos precisam de cuidados especiais, cuidados esses que devem ser prestados por seus genitores desde o nascimento, até mesmo antes do nascimento, precisam de auxílio para alimentar-se até a instrução a vida adulta, necessitam de atenção e o principal de todos os cuidados, o amor. A educação dos filhos é uma obrigação dos pais, sendo que estes devem garantir apoio e o provimento dos meios que contribuam para a concretização do conhecimento, bem como a obrigação de nortear o conhecimento hierárquico de princípios, valores e discernimento sobre o que é certo e do que é errado.

Assim como afirma David E. Zimerman, “[...] uma família bem estruturada requer algumas condições básicas, como é a necessidade de que haja uma hierarquia na distribuição de papéis, lugares, posições e atribuições, com a manutenção de um clima de liberdade e de respeito recíproco entre os membros.” (ZIMERMAN, 1999, p.104).

Com isso, garante-se não somente o cuidado, mas a aplicação dos princípios familiares aos quais os pais foram submetidos e irão repassar aos seus descendentes, o cuidado que os pais prestarem aos filhos enquanto menores receberão deles enquanto idosos, garantindo assim a efetivação do princípio da afetividade e da solidariedade.

No entanto, quando a situação não ocorre segundo esses princípios, e especialmente quando o filho experimenta o abandono afetivo, é possível que ele busque a reparação civil, por dano moral sofrido em virtude da conduta dos pais? Essa é a questão que se aborda no próximo título.