• Nenhum resultado encontrado

A POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO DOS PAIS PELO NÃO CUMPRIMENTO DE SEUS DEVERES

O papel fundamental dos pais é o cuidado com seus filhos. Ao Estado cabe resguardar e garantir esses direitos instituído ao menor. Quando a entidade familiar deixa de garantir o bem-estar da criança ou adolescente, estes passam a ter um dano em seu desenvolvimento pessoal, afetando assim a sua personalidade. Nessa hipótese os pais estão descuidando dos seus deveres, legalmente estabelecidos, o que pode gerar a intervenção estatal no sentido de responsabilizar os genitores.

Quando os pais negligenciam as necessidades dos filhos, além da possível responsabilização civil, eles podem ter suspenso ou mesmo extinto o poder familiar, conforme institui o artigo 1.638 do CC/2002:

Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: I - Castigar imoderadamente o filho;

II - Deixar o filho em abandono;

III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; [...]. (BRASIL, 2002).

Quando os pais são destituídos do poder familiar eles perdem o direito de exigir dos filhos que lhe amparem na velhice. Mas independentemente de serem detentores do referido poder, podem ser responsabilizados pelos seus atos, sempre que deles resultarem efetivo e comprovado dano ao(s) filho(s). Segundo Nader,

[...] não basta aos pais prover às necessidades de alimentação, moradia, transportes, assistência médica, odontológica; é igualmente essencial a educação, os estudos regulares, a recreação. De singular importância é a convivência diária, o diálogo permanente e aberto, a transmissão de afeto. Se a criança cresce em um ambiente sadio, benquista por seus pais, cercada de atenção, desenvolve naturalmente a autoestima, componente psicológico fundamental ao bom desempenho escolar, ao futuro sucesso profissional e ao bom relacionamento com as pessoas. (NADER, 2016, p. 391).

Ainda conforme preceitua o art. 226 da Constituição Federal, a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. Quando os pais não cuidam dos direitos dos filhos o Estado precisa intervir, devido a sua vulnerabilidade. (BRASIL,1988)

Considerando-se o fato de os indivíduos que integram uma família muitas vezes possuírem interesses antagônicos, interesses individuais que colidem com os

da própria família, é necessário a existência de normas que visem a impedir que a vontade individual prevaleça e ofenda os interesses do grupo familiar. (LUZ, 2009, p.265).

Em relação aos pais e aos poderes/deveres que lhes são atribuídos, o Código Civil traz em seu art. 1634 os seguintes poderes atribuídos aos detentores do poder Familiar:

Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos.

I - Dirigir-lhes a criação e a educação;

II - exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584 ; III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;

IV - Conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior; V - Conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município;

VI - Nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder família:

VII - representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;

VIII - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;

IX - Exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição. (BRASIL, 2015)

A CF/88, em seu art. 227, § 6o, não faz distinção entre os filhos, limitando-se apenas a referir que os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores, não importando se adotivos ou legítimos. Diante disso, o mesmo artigo, institui que:

É dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL,1988).

Cabe aos pais ainda um rol de deveres instituídos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo o sustento, guarda e educação dos filhos menores, incumbindo a esses, além da obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais impostas referente aos menores.

Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.

Parágrafo único. A mãe e o pai, ou os responsáveis, têm direitos iguais e deveres e responsabilidades compartilhados no cuidado e na educação da criança, devendo ser resguardado o direito de transmissão familiar de suas crenças e culturas, assegurados os direitos da criança estabelecidos nesta Lei. (BRASIL, 1990).

Ressalta-se que os pais que deixarem de prestar assistência aos menores, descumprindo os deveres acima citados, podem ser punidos com a perda do poder familiar, devido à negligência com sua prole, que pode resultar em danos irreversíveis para a personalidade do menor. Conforme Paulo Nader,

[...] se verificado o dano, surge para o filho o direito de reparação, a ser exercitado em face de quem lhe deu a causa. A quaestio facti é muito complexa, pois requer: a identificação do dano, a definição da conduta dos pais, a certeza do nexo de causalidade, ou seja, que a conduta dos pais deu a causa do dano. Como se trata de responsabilidade extracontratual subjetiva, é fundamental que a conduta do indigitado tenha sido intencional ou decorrente de negligência ou imprudência. (NADER,2016, p. 393).

Para que seja caracterizado o dano é necessário o preenchimento de todos os requisitos do ato ilícito, conforme a definição do art. 186 do Código Civil: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” (BRASIL,2002).

Em síntese, sabe-se que o abandono decorre da vontade da parte que o prática em relação a quem o sofre, em que a conduta de um dos genitores causa o dano ao menor. Os pais, quando assumem a responsabilidade de terem filhos, tem o conhecimento sobre as suas necessidades, e quando deixam de prover aquilo que nem necessita de recursos materiais, o afeto, assumem o risco pelos possíveis danos psicológicos que irão causar na vida do menor.

A responsabilidade civil, no Direito de Família, é subjetiva. O dever de indenizar decorre do agir doloso ou culposo do agente. No caso, restando caracterizada a conduta ilícita dos pais em relação aos filhos, bem como o nexo de causalidade entre a conduta e o dano, cabe indenização por danos materiais e morais. (NADER, 2016, p.393).

Diante do exposto, fica explícito que é dever dos pais garantir, além da manutenção dos filhos, a convivência familiar para o melhor desenvolvimento do menor, não sendo somente necessário garantir a este um lar, alimentação e vestuário, mas também o afeto. É através do afeto que o menor norteia os seus atos

futuros, pois é na infância que este começa a desenvolver seu caráter, sendo de extrema importância que as duas figuras, paterna e materna, exerçam suas funções para auxiliar neste processo.

Nesse sentido, faz-se pertinente à análise mais detalhada sobre o que é considerado abandono afetivo, para se compreender se tal conduta é passível de reparação civil. Por isso, no próximo capítulo, busca-se, inclusive, através da análise de casos concretos, a partir de acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – TJ/RS, conhecer o entendimento jurisprudencial sobre o tema.

3 O ABANDONO AFETIVO DOS PAIS E A POSSIBILIDADE DE REPARAÇÃO