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1. PAISAGENS

1.2. CLASSIFICAÇÃO E GESTÃO DA PAISAGEM

1.2.3. Abordagem das Nações Unidas

Quando da reunião que teve lugar em Paris, de 17 de Outubro a 21 de Novembro de 1972, da Conferência Geral da UNESCO (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organisation Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), já naquela altura se constatavam ameaças de destruição do património natural e cultural não só a partir das causas tradicionais de degradação, mas também pela evolução da vida social e económica que as agravava (UNESCO, 1972). Daí se ter aprovado a Convenção do Património Mundial, Cultural e Natural.

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Esta Convenção foi adoptada desde então pela Conferência Geral da UNESCO e tem sido o instrumento mais universal e bem sucedido para a salvaguarda, cooperação e democratização do património a uma escala mundial.

Dentro dos objectivos a atingir será de destacar o de um papel mais activo nos processos de desenvolvimento a nível mundial (Amendoeira, 2004: 1) (Anexo 2).

Segundo a UNESCO (2005a: 15) considera-se património misto cultural e natural, os bens que respondem a uma parte ou ao conjunto das definições do património cultural e natural que figuram nos artigos 1.º e 2.º da Convenção.

Os “sítios” (e os monumentos e os grupos de edifícios) são considerados como tendo valor

universal excepcional, em termos da Convenção, quando o Comité entender que eles

apresentem um ou mais dos seguintes critérios (além do teste de autenticidade) : . ser uma obra-prima do génio criativo humano

. ser um importante intercâmbio…

. ter um único, ou pelo menos excepcional, testemunho… . ser um exemplo excepcional de…

. ser associado com ideias, ou com opiniões, com trabalhos artísticos ou literários de significado universal excepcional…(extraído dos critérios).

Os monumentos, os grupos de edifícios e os lugares são, por conseguinte, considerados como de valor universal excepcional se forem considerados umas “obras-primas” ou “importantes”, “únicos”, “excepcionais” ou “proeminentes” do ponto de vista da história, arte, ciência, estética, etnologia ou antropologia (WHC, 2005: 22).

A UNESCO (1999 in Moreira et al., 2006) e autores como Farina (1998) e Fadigas (2007: 161) defendem que a paisagem cultural resultou da interacção entre os seres humanos e a natureza, posição semelhante à de Head (2000), “uma paisagem transformada fisicamente pela acção humana”.

Uma paisagem cultural reflecte as interacções entre o ser humano e o seu ambiente natural e é um fenómeno complexo com uma identidade tangível e intangível(Plachter & Rossler, 1995 in Farina, 2007: 270).

Estas paisagens proporcionam múltiplos valores e funções, incluindo recursos naturais, habitats, benefícios económicos na forma de bens e serviços, recreio (Merlo e Croitoru, 2005 in Moreira et al., 2006: 218) e herança cultural (EEA, 1995 in Moreira et al., 2006: 218).

Schama (2004 in Zukas, 2009: 34) analisa a produção humana de paisagem na Europa e na América do Norte nos últimos quinhentos anos e observa que é difícil pensar num único sistema natural que não tenha, para o melhor ou para o pior, sido substancialmente alterado pela civilização humana.

A UNESCO (2005a: 90-91) subdividiu as paisagens culturais nas seguintes categorias:

1) Paisagem claramente definida – paisagem intencionalmente concebida e criada pelo homem, na qual se englobam os jardins e parques, urbanos e rurais, privados e públicos, criados por razões estéticas, importantes pelo seu valor artístico e cultural. Nesta categoria

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englobam-se muitas vezes (mas não sempre) paisagens associadas a construções ou conjuntos religiosos;

2) Paisagem essencialmente evolutiva – paisagem resultante de um processo com origem social, económica, administrativa e/ou religiosa e que atingiu a sua forma actual por associação e em resposta ao seu meio natural. Estas paisagens reflectem, na sua forma e composição, o processo evolutivo que lhes deu origem.

Esta categoria subdivide-se em outras duas:

. paisagem relíquia (ou fóssil) – paisagem que sofreu um processo evolutivo interrompido num dado momento do passado mas cujas características essenciais se mantêm materialmente visíveis;

. paisagem viva – paisagem que conserva um papel social activo na sociedade contemporânea, intimamente associado ao modo de vida tradicional e na qual o processo evolutivo continua, mostrando provas manifestas da sua evolução ao longo do tempo;

3) Paisagem cultural associativa – a inscrição destas paisagens na Lista do Património Mundial é justificada por força da associação a fenómenos religiosos, artísticos ou culturais, mais do que por sinais culturais materiais, que podem ser insignificantes ou mesmo inexistentes. A Convenção do Património Mundial constitui uma plataforma para debate de conceitos e de políticas relativos à conservação do património e estabeleceu as seguintes categorias (ICOMOS, 2008: 7; UNESCO, 2005a: 14-15):

- património cultural: . “monumentos”,

. “conjuntos de edifícios”

. e “sítios”, estes definidos como “obras do homem ou obras conjugadas do homem e da natureza, e os lugares, incluindo os locais de interesse arqueológico, com um valor universal excepcional do ponto de vista histórico, estético, etnológico ou antropológico”;

- património natural:

. “os monumentos naturais constituídos por formações físicas e biológicas ou por grupos daquelas formações que têm um valor universal excepcional do ponto de vista estético ou científico”;

. “as formações geológicas e fisiográficas e as zonas estritamente delimitadas, que têm um valor universal excepcional do ponto de vista da ciência e da conservação”;

. “os sítios naturais ou as zonas naturais estritamente delimitadas, que têm um valor universal excepcional do ponto de vista da ciência da conservação ou da beleza natural”.

Um pouco mais tarde a UNESCO passou a considerar na classificação como património

mundial, as paisagens culturais de Valor Universal Excepcional.

As paisagens, além de serem um recurso, passaram a ser também consideradas como

património. Espenica (1997: 92), a propósito da conservação de certas paisagens humanizadas

em que, entre outras, citava os montados, referia que além do seu valor cultural, representam um importante património empírico sobre os sistemas ecológicos e uma boa forma de explorar as condições locais.

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As “paisagens culturais são bens culturais e representam as «obras conjugadas do homem e da natureza» mencionados no artigo 1.º da Convenção. Ilustram a evolução da sociedade humana e o seu estabelecimento no decorrer dos tempos, sob a influência dos constrangimentos físicos e/ou das possibilidades apresentadas pelo seu ambiente natural e das forças sociais, económicas e culturais sucessivas, internas e externas” (UNESCO, 2005a: 15). A UNESCO estabeleceu um conjunto de regras para a classificação como património mundial e promoveu a elaboração de uma Lista do Património Mundial, apoiada nas listas indicativas apresentadas pelos Estados (Amendoeira, 2004: 1; UNESCO, 2005a: 15-16).

Para tal foram estabelecidos critérios para avaliação das candidaturas (UNESCO, 2005a: 21-22). Assim, para que os lugares se possam qualificar para aquela lista, têm de satisfazer pelo menos um de dez critérios, além de cumprir as condições de autenticidade e de integridade para serem considerados “Valor Universal Excepcional – VUE” (ou “Outstanding Universal Value” – OUV), de acordo com a “Operational Guidelines for the Implementation of the World Heritage Convention”, considerando como:

. “autenticidade”, a capacidade de compreender o valor atribuído ao património depende do grau de credibilidade ou de veracidade que se pode atribuir às fontes de informação relativas a este valor (UNESCO, 2005a: 23);

. “integridade”, referida na identificação das condições funcionais e históricas de um lugar (ICOMOS, 2008: 13) e é uma apreciação do conjunto e do carácter intacto do património natural e/ou cultural e dos seus atributos (UNESCO, 2005a: 24).

Para assegurar estes critérios está previsto um conjunto de exigências como o seu “bom estado”, o controle do impacto dos processos de deterioração, os processos biofísicos e as características terrestres devem estar relativamente intactas, deve estar assegurada a protecção e a gestão dos bens do património mundial, além de medidas legislativas de carácter regulamentar e contratual para a protecção (UNESCO, 2005a: 24-26).

Portanto, o património considerado como de “Valor Universal Excepcional”, pode definir-se como o património cultural e/ou natural com um valor de uma importância de tal forma excepcional que transcende as fronteiras nacionais e que apresenta um carácter inestimável para as gerações actuais e futuras da humanidade (UNESCO, 2005a: 15; UNESCO, 2005b: 30- 56).

O Prémio Internacional Melina Mercouri, UNESCO – Grécia (“Melina Mercouri International Prize for the Safeguarding and Management of Cultural Landscapes – UNESCO, Greece”), tem por fim recompensar exemplos excepcionais de acções destinadas a salvaguardar e a realçar as maiores paisagens culturais do mundo. Instituído para perpetuar o nome de Melina Mercouri, uma percursora da conservação integrada e do desenvolvimento sustentável, uma actriz memorável e que também foi Ministra da Cultura na Grécia, responde a uma necessidade identificada claramente pelo “World Heritage Committee” que, na sua 16.ª Sessão que teve lugar em Santa Fé, em Dezembro de 1992, reconheceu que a protecção das paisagens culturais, um conceito mais rico do que o conceito convencional de “monumentos” ou “sítios”, é uma das principais prioridades da actualidade.

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O prémio foi atribuído pela primeira vez em 1997. Os critérios a que as paisagens propostas devem, de acordo com a nomeação, integrar pelo menos uma das três categorias de paisagens culturais decididas pelo Comité e já referidas (UNESCO, s/d(a)).

A propósito das paisagens culturais, e no âmbito da directiva proposta pelo ICOMOS para 2010, o IGESPAR IP lançou o tema “Património Rural/Paisagens Culturais” para comemorar o Dia Internacional de Monumentos e Sítios em 18 de Abril. As entidades públicas e privadas poderiam associar-se à comemoração através de iniciativas que dariam a conhecer um património que devesse ser preservado (IGESPAR, 2010).

As paisagens culturais têm cada vez mais ameaças, e algumas, tal como as espécies, enfrentam a extinção e o seu eventual desaparecimento constituirá uma dupla perda, em termos naturais e culturais.

“O Livro Vermelho das Paisagens Ameaçadas” (Green & Voos, 2001; Naveh, 1993 in Moreira et al., 2006: 223) ao apelar para a sua conservação constitui um ponto de partida válido para identificar os factores que influenciam a mudança (“driving forces”) e os níveis de ameaça a um nível regional ou global.

Os critérios para avaliar as ameaças poderiam basear-se no seguinte: (a) identificação da paisagem de referência e (b) avaliação do nível de degradação de cada componente operacional da paisagem.

Ainda de acordo com Moreira et al. (2006: 223), deveriam ser definidas a seguir as prioridades para protecção e as oportunidades para restauro. As limitações do restauro da paisagem (questão tratada no capítulo 4) sugerem que há uma necessidade urgente de preservar as paisagens ameaçadas antes que estejam demasiado degradadas.