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1. PAISAGENS

1.3. O MONTADO: PAISAGEM RURAL DO SUL DE PORTUGAL

1.3.2. O Montado

“Só ao sul do Tejo e no sueste da Beira a dominância dos montados de sobro e azinho marca no revestimento arbóreo um tom mediterrâneo puro”.

(Orlando Ribeiro, 1967: 53. “Portugal – o Mediterrâneo e o Atlântico”).

Qualquer que seja a definição adoptada, o conceito de montado enquanto sistema agrário em que se associam azinheiras, sobreiros, carvalhos ou castanheiros que produzem fruto para

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alimento de gado em regime extensivo, só aparece em meados do século XIX (Belo et al., 2009: 253).

Para Blondel et al. (2010: 231) o termo português montado deriva do nome de uma taxa medieval que era paga ao rei por cada cabeça de gado e pelo uso de algumas áreas de pasto, em diferentes regiões da Península Ibérica.

O termo montado deriva de “montar”, que na Idade Média se referia a um modo de exploração tradicional baseado nas utilizações agrícola, silvícola (madeiras, lenhas), pastoril (pastos) e caça (Coelho, 2007; Fonseca, 2004: 37 in Belo et al., 2009: 253) e que mais tarde passou a englobar a produção de cereais e de cortiça.

O montado como sistema com várias utilizações, desenvolve-se na bacia do Mediterrâneo (Espanha, Sul de França, Oeste de Itália, Marrocos, Argélia, Tunísia, Córsega e Sardenha) e tem uma presença muito significativa no Sul de Portugal (Natividade, 1990: 37 a 73) (Quadro 1.1).

“Os montados são sistemas de uso múltiplo, em que as várias produções estão em equilíbrio dinâmico no espaço e no tempo”. São considerados como “floresta aberta de baixo grau de coberto com actividade pecuária e/ou agrícola associadas” (Ferreira, Ribeiro, Gonçalves et al., 2007: 181-182).

Para Potes (2011: 29) os montados são sistemas de “produção agro-pecuária e florestal ou agrosilvopastoril, multifuncionais porque se constituem por diversos subsistemas e sistemas de produção integrados e interdependentes”. Este autor subdivide-os em diversos sistemas de acordo com o trinómio “solo – planta (estrato arbóreo, estrato arbustivo e estrato herbáceo) – animal” (como o sistema de produção de cortiça e seus derivados; o de carne e seus derivados; o de queijo; o de lã; etc.).

Quadro 1.1 – Área de sobreiro por países, em povoamentos puros e mistos dominantes, no final dos anos 90 e no princípio do séc. XXI (Mendes, 2007: 77). Os dados referentes a 1936 foram retirados de Ryan (1948: 19).

Países Ano Área (ha) % da área mundial

Portugal 1995 712 813 37.4 1936 33.8 Marrocos 2002 376 600 19.8 1936 14.6 Espanha 1996 373 000 19.6 1936 12.2 Argélia 2000 229 000 12.0 1936 21.6 Itália 1998 99 502 5.2 1936 4.9 Tunísia 2003 70 203 3.7 1936 4.6 França 1999 44 000 2.3 1936 6.9 TOTAL 1 905 118 100.00

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De acordo com vários autores o montado é caracterizado como um sistema tradicional de exploração agro-silvo-pastoril baseado num estrato arbóreo de cerca de 60 árvores por hectare, com uma cobertura variável (com valores usuais de 20 a 40%), composto por azinheiras e/ou sobreiros, por vezes zambujeiros, com um aproveitamento no sob-coberto realizado através de rotações descontínuas com pousios e pastagens em rotações longas, constituindo ecossistemas caracterizados pela sua multifuncionalidade, com elevado valor do ponto de vista da biodiversidade, gerador de serviços de produção (frutos, criação de ovinos, caprinos, porcinos e bovinos, obtenção de lenhas, retirada de cortiça e cultivo extensivo de cereais, mais com carácter subsidiário) e de bens de uso indirecto representados pelos serviços de regulação, de suporte e culturais, constituindo unidades de paisagem em transformação (Cary, 1997: 56; Belo et al., 2009: 251 e 253-254; Ribeiro, 1986: 67; Carvalho, 1994 in Fonseca, 2004: 45; Ferreira, 2001: 180; Costa e Pereira, 2007: 18-19) (Figura 1.21).

Do ponto de vista jurídico, não existe uma definição de montado, embora no “Preâmbulo “ do DL 169/2001 se refira que “... os povoamentos destas duas espécies, nomeadamente os sistemas com aproveitamento agro-silvo-pastoril são conhecidos por «montados»”. No mesmo diploma legislativo, na alínea q) do Art.º 1.º, é definido “povoamento de sobreiro, de azinheira ou misto”, baseando-se na densidade de árvores existente em função da altura e do diâmetro (esta definição, por sua vez, baseou-se na definição de “Povoamento Florestal” da FRA2010- FAO: 209, densidade de coberto > 10%, abrange muitos “Montados” que têm essa densidade, mas não os restantes que são contabilizados no IFN6 como “outras áreas florestadas”).

Figura 1.21 – Multifuncionalidade do montado de sobro com identificação dos principais sistemas de exploração e respectivos produtos (Fonte: Árvores e Florestas de Portugal, 2007: 30, Vol. 3. Adaptado de Pinto Correia e Vos, 2004).

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É sugerida a seguinte definição de montado: “designação corrente de um conjunto heterogéneo de sistemas de produção florestal não lenhosa, assentes na exploração de quercíneas – usualmente o sobreiro (Quercus suber) ou a azinheira (Quercus rotundifolia) – de modo conjugado com uma utilização não intensiva do solo sob o coberto com propósito agrícola, pecuário ou cinegético”.

Os dados apurados no último Inventário Florestal Nacional (IFN6) indicam um leve aumento das áreas de povoamento de sobro e uma pequena diminuição para o de azinho (ICNF, 2013: 13) (Quadro 1.2; Figura 1.22).

Os dados sobre a evolução da área florestal referidos no quadro acabado de indicar foram agregados em dois grandes grupos: os dados apurados até 1939, que diziam respeito a “montado”, na altura assim designado por via do uso, foram obtidos utilizando uma metodologia em que os critérios de análise não são os mesmos que foram utilizados mais tarde pelo Inventário Florestal Nacional (IFN), em que se usou o termo “povoamento florestal”, tal como definido no glossário do IFN5 (AFN, 2010b: 203).

Para ser efectuada uma correcta comparação e análise da evolução das áreas florestais referentes aos anos de 1995, 2005 e 2010, optou-se por utilizar em vez da informação oficial publicada para cada um destes anos, os resultados preliminares apresentados no IFN6. Estes resultam da aplicação de uma nova metodologia, numa abordagem multi‐temporal para os anos de 1995, 2005 e 2010: apesar das coberturas aerofotográficas serem as mesmas, a metodologia de amostragem e classificação utilizada foi distinta e, entre outras variáveis, a superfície total de referência de Portugal continental (com base na Cartografia Administrativa Oficial de Portugal) é também diferente, pelo que foi efectuada a correcção desta informação de modo a garantir a comparabilidade da informação (ICNF, 2013: 5).

Portugal tem uma área de cerca de 737 000 ha de montado de sobro, dos quais cerca de 527 000 ha estão na região do Alentejo (Belo et al., 2009: 265), mas com o Vale do Tejo a apresentar uma área significativa. No País há 70 concelhos com uma área de ocupação

Quadro 1.2 – Evolução da área florestal em milhares de hectares (de montado de sobro e azinho/espécie de árvore dominante) em Portugal continental (Radich e Baptista, 2005: 146; ICNF, 2013: 13). ÁREAS 1875 (Pery, 1875) 1910 (Folque, 1910) * 1939 (Gomes et al., 1945) 1972 (DGSFA, 1973) 1984 (DGF, 1985) 1995 (ICNF, 2013: 13) 2005 (ICNF, 2013: 13) 2010 (ICNF, 2013: 13) Mon- tado sobro 370 366 690 --- --- --- --- --- azinho 417 360 --- --- --- --- --- Total da área 370 783 1050 --- --- --- --- --- Povoa- mento sobro --- --- --- 641 680 746.8 731 736.8 azinho --- --- --- 526 534 366.7 335 331.2 Total da área --- --- --- 1167 1214 1113.5 1066 1068.0

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superior a 10 000 ha, correspondentes a mais de 95% da superfície total e a maior concentração regista-se apenas em 10 concelhos com mais de 50% dessa área total (Monteiro Alves, 1997: 74).

Em relação à azinheira, ela ocupa cerca de 500 000 ha, sobretudo no interior da zona Sul, onde 9 concelhos apresentam mais de 20 000 ha (Monteiro Alves, 1997: 74).

O que determina, ou que determinava, a função principal do montado era o estrato arbóreo que pode ser constituído por várias espécies, nomeadamente o Sobreiro (Quercus suber) e a Azinheira (Quercus rotundifolia) e, menos representado em área ocupada, o Carvalho negral (Quercus pyrenaica) mais presente no Norte Alentejano e o Carvalho cerquinho (Quercus faginea) (Fonseca, 2004: 46) .

Como já foi referido a pastorícia desempenhou sempre um papel determinante no montado a vários níveis, o que é traduzido pelo facto de só encontrarmos os azinhais mais antigos, com algumas centenas de anos, no Alentejo interior. Tal deve-se a ter sido nas regiões fronteiriças que a criação de gado em sob-coberto se fez com mais intensidade ao longo dos séculos, com destaque para os concelhos de Mourão, Moura, Barrancos e Serpa. Ainda de acordo com Ferreira (2001 in Fonseca, 2004: 49) no início dominavam os ovinos mas, como sobreveio a Figura 1.22 – Carta da Distribuição do Sobreiro e da Azinheira em Portugal Continental. (Fonte: Capelo e Catry, 2007: 112 e 128).

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desvalorização do mercado da lã, a aposta passou a ser no gado porcino que aproveitava bem a bolota, mas que acabou por ser abandonada devido ao aparecimento da peste suína africana no Alentejo (Ferreira, 2001: 181; Fonseca, 2004: 50).

Uma das questões mais debatidas tem a ver com o estrato arbustivo que, num montado, deve ser controlado por várias razões e essa gestão poder ser feita por formas diferentes.

Com efeito o desenvolvimento dos matos dificulta o acesso do gado ao pasto, reduz a área cultivável, dificulta o acesso das pessoas às várias actividades de manutenção das árvores, como as limpezas e podas, diminui a qualidade da cortiça e facilita a propagação de fogos e doenças. Aquele controle pode ser conseguido através da utilização de algumas alfaias agrícolas e florestais (como os corta-matos de correntes, de facas e martelos, estes mais conhecidos por destroçadores, além das grades de discos, eventualmente as mais usadas) ou pelo próprio gado (Fonseca, 2004: 47; Ribeiro et al., 2008).

O controle de matos deve ser obtido pelo seguimento de “um conjunto de técnicas integradas que incluam ciclos alternados de controlo mecânico, destroçamento, gradagem, fertilização para favorecer as espécies herbáceas, implementação de zonas de regeneração protegidas dos meios mecânicos e vedadas ao gado e que entrem em rotação com a restante área da exploração” (Ferreira, Ribeiro, Gonçalves et al., 2007: 188).

O uso da “grade de discos” nas situações que exijam o eventual controle de matos, como no montado de sobro (Ferreira, Ribeiro, Gonçalves et al., 2007: 187-188):

. acentua os fenómenos de erosão nos solos, sobretudo a partir de inclinações iguais ou superiores a 2%, diminuindo a espessura de solo em relação à camada impermeável e, portanto, o volume de solo para o suporte das raízes dos sobreiros que preferem solos profundos e bem drenados (Natividade, 1990)

. expõe o solo à acção dos raios solares e, concomitantemente, aumenta a sua temperatura promovendo alterações de natureza biológica nos solos. Em ensaios que foram realizados (Gonçalves, 1999 in Ferreira, Ribeiro, Gonçalves et al., 2007: 188) os registos de temperatura do solo indicaram “que o solo sem coberto, em relação ao solo com coberto herbáceo, apresentava mais 5 0C nas temperaturas máximas diárias e menos 3 0C nas mínimas”, tanto em situação de povoamento recém instalado como em povoamento adulto (a presença de vegetação herbácea não teve influência “na evolução do teor de água no solo à profundidade de 0.30 m”)

. favorece os fenómenos de mineralização da matéria orgânica pelo aumento da temperatura do solo

. torna mais débil e/ou pode provocar mesmo a morte da raiz mestra dos sobreiros, ficando o suporte daquelas árvores apenas assegurado pelas raízes superficiais, nas zonas de drenagem natural onde possa ocorrer coluviação e excesso de água

. agudiza a situação de carência hídrica no período seco com o corte das raízes superficiais dos sobreiros pela operação de gradagem, de que podem resultar fenómenos de cavitação nos vasos de transporte da seiva e a morte das zonas da copa abastecidas por esses vasos.

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A utilização de destroçadores no controle do sob-coberto promove a dominância das espécies

arbustivas e o desenvolvimento de toiças com caules (por ex. de Cistus ladanifer) que podem

causar danos nos animais e no parque de máquinas (ex. furos nos pneus de tractores “borracheiros”).

Porém, este estrato desempenha um conjunto importante de funções. De acordo com Fonseca (2004: 47) as espécies arbustivas que constituem os matos promovem um abaixamento das temperaturas que, na época estival, são particularmente elevadas ao nível do solo, melhorando as condições das plantas jovens e contribuindo para a regeneração das plantas que constituem o estrato arbóreo.

É também relevante o papel que os matos desempenham na redução dos processos erosivos, uma função ecológica importante.

Proporcionam ainda outras actividades como a apicultura, a exploração de plantas aromáticas e medicinais e a colheita de cogumelos silvestres, bem como a criação de caça (Belo et al., 2009: 268).

Face aos benefícios que o estrato arbustivo proporciona e às desvantagens conhecidas, poder- se-á alegar estar-se em presença de uma matéria que gera contradições. Sem se pretender invocar que “no meio está a virtude”, a gestão deste assunto passará pela definição dos objectivos que se pretendam atingir com a exploração do montado.

Fonseca (2004: 112) refere, acerca da caça, que “os montados e as áreas de charneca envolventes eram verdadeiros viveiros de caça e animais selvagens”. Muitas regiões do País estavam coutadas para a utilização do Rei – nomeadamente a caça grossa ou para a totalidade das espécies cinegéticas – que, por vezes, cedia os seus direitos a determinadas populações em áreas estabelecidas, pois a caça constituía uma forma de complementar a alimentação das populações rurais.

Alguns trabalhos feitos na área da cinegética sobre o rendimento económico da actividade da caça em terrenos ordenados e em dois tipos de exploração agrária trouxeram ao conhecimento que nas áreas de montado de sobro em que a cortiça é a principal fonte de receitas, a caça pode significar “7% do rendimento económico das explorações em áreas de montado de sobro onde a cortiça continua a ser fonte significativa de receitas”, mas em terras marginais exploradas com ovinos a caça pode chegar aos 65% do rendimento das explorações, ou seja 10.62 € por hectare (Vacas, 1995 e Lança, 1997 in Belo et al., 2009: 268).

A riqueza biológica dos ecossistemas do montado é enaltecida por Costa e Pereira (2007: 22) pelo abrigo a uma fauna de quase 400 espécies de vertebrados (das quais muitas protegidas e várias espécies cinegéticas) e uma flora muito rica com cerca de 140 espécies aromáticas, medicinais e melíferas.

Estima-se que se reproduzam no montado de sobro e de azinho mais de 130 espécies de vertebrados, sendo cerca de 75 aves, 28 mamíferos, 10-15 répteis e 5-7 anfíbios. Tal deve-se ao facto de a paisagem de montado se caracterizar pela sobreposição de estruturas vegetais distintas com composições de densidade variável, o que permite uma grande riqueza faunística (Belo et al., 2009: 252 e 272).

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Pelo que foi referido, infere-se ainda da importância do montado em termos de diversidade

biológica.

Os terrenos que servem de suporte ao montado, são geralmente ondulados, com solos de baixa fertilidade, de reacção ácida ou neutra, pobres em nutrientes, com pouca matéria orgânica e origem em várias rochas como os granitos, xistos, gneisses, quartzitos e arenitos (Fonseca, 2004: 28).

“O montado distribui-se por áreas de clima sub-húmido seco e semi-árido” (Belo et al., 2009: 251).

Em Espanha o conceito de montado é semelhante ao nosso, conquanto a designação será diferente e designada por “dehesa”, uma palavra derivada do latim “defensa”, que significa “defesa, delimitação”, protecção de um espaço rural dos animais selvagens, uma área reservada para gado doméstico (Fonseca, 2004: 42; Balbuena e Doncel, 2004: 32).

A definição estabelecida para a “dehesa ibérica mediterránea“ pelo Ministerio de la Agricultura, Pescas y Alimentación, é a seguinte: “Sistema antrópico de uso y gestión de la tierra basado principalmente en la explotación ganadera extensiva de una superficie de pastizal y arbolado mediterráneo, en la que más del 20% está ocupada por especies frondosas con una fracción de cabida cubierta arbolada comprendida entre el 5 y el 60%, que da lugar a un ecosistema en el que la conjunción del manejo agrosilvopastoral propicia importantes valores ambientales, el uso sostenible del territorio, un paisaje equilibrado y una adecuada diversidad a distintos niveles de integración" (MAPA e Tragsatec, 2008 : 7).

Na Península Ibérica a área ocupada por montado é de mais de 2.5 milhões de hectares, sendo 80% em Espanha (Salamanca, Extremadura e Andaluzia Ocidental) (Cabo Alonso, 1998 in Ferreira, 2001: 180) e 20% em Portugal (Alentejo e Beira Baixa) (Ferreira, 2001: 180).

Em Portugal a estrutura mais parecida com aquela “dehesa” era a “coutada” ou “pequena coutada” criada em 1362 por D. Pedro para conciliar os interesses que opunham agricultores e ganadeiros, em que os primeiros podiam coutar uma parte dos seus terrenos para os bovinos (Fonseca, 2004: 42). “Os concelhos é que decidiam, mas era normal coutar-se um arado de terra por cada quatro vacas, ou seja, cerca de 80-100 ha, num máximo de 16 cabeças” (Beirante, 1995 in Fonseca, 2004: 42). Se fizermos o cálculo obtém-se um ratio de cerca de 1 cabeça / 5-6 ha, valor muito abaixo dos encabeçamentos que actualmente ocorrem em muitas áreas de montado.

Para Balbuena e Doncel (2004: 35) a densidade de animais por hectare nos montados deveria ser de 0.25 bovinos/ha, 1-3 ovinos/ha e de 0.51 suínos/ha.

No tocante à cortiça, a Universidade de Évora está a desenvolver mais uma entre as múltiplas aplicações daquele produto obtido do sobreiro como a “transformação de desperdícios de cortiça em carvão activado, um material de carbono com inúmeras aplicações, capaz de reter substâncias de um fluído na sua superfície sólida e volume poroso acessível, como moléculas diversas, poluentes ou outros compostos e tem aplicações cada vez mais variadas”. As aplicações mais vulgares “são nos tratamentos das águas residuais ou potáveis, gases, zonas poluídas e também em células de combustível das pilhas de armazenamento de energia dos

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carros de nova geração”. Outras aplicações mais básicas são para evitar odores (palmilhas dos sapatos) e em vários tipos de filtros de frigoríficos, dos exaustores e dos ares condicionados (Floresta e Ambiente, 2011: 5). A UE pretende criar um carvão activado com um desempenho diferente do clássico em relação a determinados poluentes ou moléculas (Diário do Sul, 2011a) (Figura 1.23, Anexo 3).

Tendo em conta que as emissões totais em Portugal são cerca de 85 milhões de toneladas de CO2 e a área de montado existente no País de cerca de 736 700 ha, tal traduz-se num

sequestro de carbono (sumidouro) de cerca de 4.8 milhões de toneladas de carbono (CO2) (ISA, in Floresta e Ambiente, 2010a: 14), uma das conclusões de um estudo elaborado no Instituto Superior de Agronomia e citado no relatório de sustentabilidade da “Corticeira Amorim”.

Segundo Domingos e Teixeira (Floresta e Ambiente, 2010b: 15), Portugal comprometeu-se a restringir as emissões de carbono para o período de 2008-2012: estas não poderiam aumentar mais do que 27% em relação a 1990. Porém, aquele valor foi ultrapassado, o que motivou que o nosso País tivesse de recorrer a medidas adicionais.

Uma das formas de contribuir para a diminuição do valor de CO2 na atmosfera é promovendo a instalação de pastagens permanentes ricas em leguminosas:

- a parte radicular das plantas que constituem uma pastagem, é constituída por matéria orgânica, formada a partir do dióxido de carbono durante a fotossíntese, pelo que quanto maior for a massa de raízes, maior será o sequestro de carbono no solo e menor a concentração de gases com efeito de estufa na atmosfera. Os próprios animais ao alimentarem-se da parte aérea das plantas, controlam o crescimento das pastagens (incluindo o dos matos que aumentam o risco de incêndio), evitando o seu controlo de forma mecânica e a queima de combustíveis;

- as leguminosas que entram na constituição das pastagens, ao promoverem a fixação do azoto atmosférico, levam à redução do consumo de adubos azotados.

Resumindo, o montado fornece uma série de serviços dos ecossistemas, isto é um conjunto de benefícios que a sociedade retira dos ecossistemas, incluindo serviços (Santos, 2010) – os

serviços de produção (produtos e bens transaccionáveis): os bens produzidos pelo montado

para os quais há um mercado definido são a cortiça no montado de sobro (principalmente utilizada no fabrico de rolhas, de aglomerados e ultimamente no fabrico de bens de consumo, os mais diversos em termos de gama de acessórios), a agro-pecuária (culturas agrícolas, forrageiras e o pastoreio do gado ao alimentar-se da pastagem e, também, de bolota), a madeira, a lenha, o carvão, a casca (que já serviu e pode servir para curtir couros por conter taninos como o ácido quercitânico, o ácido gálico e o ácido elágico, além de catecol e pirogalol, em Paiva, 2007: 217), a caça, o mel, os cogumelos, os espargos, as plantas aromáticas e medicinais e o turismo de natureza.

O Turismo em Espaço Rural (TER) pode constituir uma actividade interessante como complemento do sistema montado.

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Existe ainda um conjunto de bens sem preço de mercado, as externalidades positivas ou

valores de uso indirecto como:

- os serviços de regulação, por exemplo do clima, das cheias (a intercepção da água da chuva pelo coberto arbóreo que reduz o escoamento superficial, promove a sua infiltração e o armazenamento de água no solo em quantidade e qualidade, conservando e protegendo o solo da erosão); das doenças; da qualidade do ar; do sequestro (ou sumidouro) de carbono; - os serviços de suporte, como os ciclos biogeoquímicos, a formação do solo, a produção

primária dos ecossistemas, a biodiversidade e o habitat para várias espécies, muitas delas endémicas, os quais asseguram a estrutura necessária à prestação dos restantes serviços; - os serviços culturais (imateriais), relacionados com experiências estéticas, espirituais ou

recreativas como o turismo, o valor cultural da paisagem a que o recreio e o lazer estão ligados (Belo et al., 2009: 252, 269, 712 e 724; Santos, 2010; Ferreira, Ribeiro, Gonçalves et al., 2007: 181).

Os registos do inventário florestal indicam uma diminuição das áreas de montado entre 1995 e 2010. Um dos aspectos que se devem ter como relevantes tem a ver com o declínio do sobreiro e da azinheira, considerando-se declínio das espécies florestais “o progressivo enfraquecimento das árvores, em resultado da interacção de factores bióticos e abióticos com o hospedeiro” (Manion e Lachance, 1993 in Belo et al., 2009: 264).

Assim, considera-se que ocorre um número de problemas e impactes que, em conjunto, são os principais responsáveis pelo declínio dos montados (perda da sua resiliência devido à idade, estrutura, variabilidade da precipitação anual, condições do solo e maneio):