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Candidatura do Montado Alentejano a Património Mundial da UNESCO

1. PAISAGENS

1.3. O MONTADO: PAISAGEM RURAL DO SUL DE PORTUGAL

1.3.5. Candidatura do Montado Alentejano a Património Mundial da UNESCO

“Ao meio do dia o calor é sufocante. No monte dorme-se a sesta, as paredes caiadas reverberam a luz e ferem a

vista. Os gados ficam imóveis. O zangarreio da cigarra é o único ruído do ser vivo: tudo o mais se queda amodorrado. Os olhos procuram em vão o repouso de um quadrado de verdura. As folhas das árvores estão coriáceas, amareladas, e os ramos, muito aparados, quase não abrigam da ardência do sol. Por isso,

Alentejo não tem sombra Senão a que vem do céu...

93 O Alentejo é isto: seara, montado e uma solidão solene.”

(Orlando Ribeiro e Hermann Lautensach, 1991: 1260. “Geografia de Portugal. A Vida Económica e Social”. Volume 4).

Ana Paula Amendoeira (2004), que foi Membro do Comité Executivo Internacional do ICOMOS (International Council on Monuments and Sites que “é o principal consultor da UNESCO em matéria de conservação e protecção do património”, ICOMOS, s/d), a propósito da Lista do

Património Mundial, entende-a “…como um possível instrumento de planeamento que possa

ajudar na correcção de desequilíbrios”. Ainda segundo a mesma autora, “O Património Mundial, e todo o trabalho que neste âmbito foi até aqui desenvolvido, representam hoje um recurso importante para o desenvolvimento, para o planeamento e gestão de outros valores e terá que aspirar cada vez mais a uma dimensão transversal nas políticas de desenvolvimento, a par das questões económicas e sociais”.

Acerca da representatividade da Lista do Património Mundial, foram levantadas várias questões dado que haveria categorias deficientemente representadas como a de Paisagem

Cultural e a de Itinerários Culturais.

Segundo Amendoeira (2004), “a categoria de Paisagem Cultural dá-nos a possibilidade de articular questões como o património construído, o património intangível, o ordenamento do território, a gestão dos recursos, a participação das comunidades, o património ambiental, em suma, o conceito de paisagem cultural encerra em si mesmo o pressuposto de um desenvolvimento durável” (o património imaterial, ou intangível, engloba “todo esse conjunto difuso de crenças, lendas, tradições escritas ou orais e comportamentos”, Areces, 2009: 16; Cancela d’Abreu, 2007: 76, refere valores imateriais como “carácter/identidade, simbolismos, sensações, memórias”).

O Comité atrás referido, e de que faz parte a autora que tem estado a ser citada, elaborou a

Decisão de Cairns que assinala, no tocante às listas indicativas, que elas devem usar-se como

instrumentos de planeamento com vista à redução dos desequilíbrios na Lista do Património Mundial, como já referido, e que se deveria fazer uma análise minuciosa dos sítios constantes nas Listas Indicativas (Francisco Lopez Morales in Amendoeira, 2004).

A Lista Indicativa Portuguesa para a Lista do Património Mundial, propõe a inclusão de categorias de que possuímos património representativo e excepcional de importância mundial, nalguns casos associado a sectores estratégicos da economia portuguesa como “…a paisagem cultural do montado associada à liderança na produção mundial de cortiça” (Amendoeira, 2004: 4). Segundo esta autora, essa lista considerada homogénea, seria importante para o País, permitiria a correcção de desequilíbrios e de assimetrias mas, sobretudo, contribuiria para um modelo de desenvolvimento durável.

O Comité do Património Mundial, em 2006, apelou para o desenvolvimento de compêndios de materiais relevantes e de decisões, a compilar na forma de manuais guia sobre o conceito de VUE (IUCN, 2008: 1).

A este propósito é de referir a diligência feita pela “Entidade Regional de Turismo do

Alentejo”, abreviadamente designada por “TA ERT”, e algumas Autarquias, no sentido de

promover a “Dinamização do Montado Alentejano como Bem Cultural Universal” (Figuras 1.28, 1.29, 1.30 e 1.31, Anexo 7).

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Trata-se da promoção de uma Candidatura do Montado Alentejano a Património Mundial da

UNESCO (UNESCO World Heritage) como Bem Cultural Universal. Para esse efeito estabeleceu

parcerias, nomeadamente com a Estrutura de Missão para a Valorização dos Montados – Centro Nacional de Valorização dos Montados (Serviço da DRFA / AFN), com vista à obtenção de financiamento pelo Eixo 5 do Programa Operacional Regional (Despacho (Extracto) n.º 31 745/2008, de 12 de Dezembro e Despacho n.º 9750/2010, de 9 de Junho).

Ferreira (2001: 186) estabelece uma comparação com o facto de recentemente a paisagem do Alto Douro ter sido declarada Património da Humanidade e dever também existir igual vontade política de manter uma paisagem cultural típica do Sul de Portugal, que constitui uma memória de uma história agrária igualmente rica.

Face ao atrás exposto, será perceptível a importância da proposta de classificação como Património Mundial da Paisagem Cultural do Montado Alentejano, pelo que terá todo o interesse o apoio e suporte a esta iniciativa particularmente bem-vinda.

Com a aprovação desta candidatura espera-se que venha a ajudar a economia nacional, nomeadamente através de um maior número de turistas e os próprios produtores na medida em que, sendo a cortiça um produto obtido numa área património mundial, tal venha a constituir um factor que pese na escolha, em termos de consumo, de uma multiplicidade de produtos e aplicações.

A recente Lista Indicativa do Património Mundial, Cultural e Natural designada pela Comissão Nacional da UNESCO incluiu: a Arrábida; a Baixa Pombalina de Lisboa; a Cerca dos Carmelitas Descalços, no Buçaco; a Costa Sudoeste; as Fortificações de Elvas; o Palácio, Convento e Tapada de Mafra; e a Universidade de Coimbra (AFN, 2009: 85-86). Esta lista de bens tem a validade de dez anos junto da UNESCO.

Os bens seleccionados teriam de corresponder aos “…critérios de excepcionalidade e autenticidade estabelecidos pela UNESCO, que tivessem capacidade de beneficiar de um plano de gestão que assegurasse a conservação e a fruição do bem, e cuja tutela tivesse a capacidade de garantir essa gestão”.

“O grupo de trabalho recomenda também que as entidades responsáveis por bens já inscritos na Lista do Património Mundial se empenhem activamente na conservação e divulgação desses bens, protegendo-os das agressões de que possam ser alvo, tanto directamente, como por alteração das condições do meio em que se integram. O grupo insistiu em que este mesmo cuidado deve ser tido com a generalidade dos bens do património nacional” (UNESCO, s/d(b)). Face ao exposto entende-se que, de acordo com os critérios já estabelecidos pela UNESCO (2005a: 21-22), poder-se-iam aplicar ao montado os seguintes, justificando desta maneira a sua candidatura à inclusão na Lista Indicativa Portuguesa para a Lista do Património Mundial: . (i) obra de arte do género criativo humano

. (ii) testemunho de uma troca de influências na criação da paisagem . (iii) testemunho excepcional de uma tradição cultural

. (iv) exemplo de um tipo de paisagem que ilustra um período significativo da história humana . (v) exemplo de uma utilização tradicional do território representativa da interacção humana

com o ambiente

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. (ix) exemplo representativo de um processo ecológico e biológico na evolução e desenvolvimento de ecossistemas e comunidades de plantas e animais

. (x) contém habitats naturais importantes para a conservação in situ da diversidade biológica, nomeadamente para a sobrevivência de espécies ameaçadas com um valor excepcional do ponto de vista da ciência e da conservação.

A título de exemplo, a “Proposta de inscrição na Lista indicativa do Património Mundial” da “Cerca dos Carmelitas Descalços, Buçaco”, envolveu os seguintes dados (AFN, 2009):

- a justificação do “valor universal excepcional”, em que os critérios de apreciação foram: . C (i) representar uma obra-prima do génio criador humano

. C (ii) testemunhar uma troca considerável de influências durante um dado período ou numa área cultural determinada, sobre o desenvolvimento da arquitectura, ou da tecnologia das artes monumentais, da planificação das cidades ou da criação de paisagens

. N (iii) reportar fenómenos naturais ou áreas de uma beleza natural e de uma importância estética excepcional

- as garantias de autenticidade e integridade (“de valor estético excepcional e inclui áreas que são essenciais para a manutenção da beleza do sítio”);

- a comparação com outros bens similares (no caso com a paisagem cultural dos Montes Sagrados – Sacri-Monti – do Piemonte e da Lombardia, na Itália). Esta paisagem “foi consagrada como Património Mundial pela UNESCO em 2003, 27 COM 8C35)”.

Ultimamente têm-se multiplicado as diligências chamando as atenções públicas para as paisagens culturais.

1.3.6. O Sobreiro, a “Árvore Nacional de Portugal”

Um movimento designado por “Sobreiro: Árvore Nacional de Portugal”, conduzido por duas associações portuguesas, a “Árvores de Portugal” e a “Transumância e Natureza” e que teve início com uma petição pública lançada em Outubro de 2010, para que o Sobreiro passasse a ser considerado como a “Árvore Nacional de Portugal”, teve o seu epílogo com a publicação da Resolução da Assembleia da República n.º 15/2012, de 10 de Fevereiro de 2012 (Figura 1.32, Anexo 8).

A Assembleia da República associou-se desta forma ao Ano Internacional das Florestas, com este diploma sobre o sobreiro, uma espécie florestal particularmente importante:

- é responsável por 10% das exportações nacionais, sendo a cortiça um dos mais importantes produtos da economia portuguesa;

- é estimado pela Associação Portuguesa de Cortiça (APCOR) que, actualmente, existam em Portugal aproximadamente 400 a 500 empresas dedicadas à fileira da cortiça. Cerca de 90 por cento da cortiça produzida tem como destino a exportação.

Constituindo o sobreiro a Árvore Nacional de Portugal, faria todo o sentido a atribuição de um

prémio, com uma periodicidade a determinar, ao proprietário que se destacasse pela gestão do montado de sobro.

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. a floresta portuguesa desde o início da Monarquia era sobretudo constituída por espécies do género Quercus

. as terras pertenciam ao Rei que, ao longo dos séculos, as foi doando à Nobreza e à Igreja . as decisões que foram tomadas envolveram várias medidas para evitar a diminuição e o

desaparecimento de diversas espécies, nomeadamente o sobreiro e a azinheira mas, por outro lado, era incentivado o abate dos exemplares de árvores de maior porte para obtenção de madeiras nobres (sobretudo azinho, sobro, carvalho, pinheiro manso), para a construção naval de naus e caravelas e para o comércio marítimo no período dos Descobrimentos . outras razões prenderam-se com a necessidade de construção de barcos para a pesca do

bacalhau e do atum, que além da madeira para a construção das embarcações era também

necessária madeira pelos tanoeiros no fabrico de barris onde se fazia a salga do peixe . o consumo de madeira pelas indústrias, os maus anos agrícolas

. o aumento da população nacional, em determinados períodos da história (por exemplo, no início do séc. XIX havia 3 milhões de habitantes e no início do séc. XX a população já era de 5 milhões), catalisou decisões com vista ao arroteio de terras para a produção de cereais para pão, à constituição de pastagens, à obtenção de lenhas e madeiras e ao fabrico de carvão. O fogo era usado para facilitar o desbravamento das terras, mas as árvores como os sobreiros e as azinheiras, mais resistentes, eram poupadas dada a produção de bolota, importante na alimentação dos suínos, uma vez que à época a cortiça não tinha ainda adquirido a importância económica que veio a ter posteriormente,

todos estes factores contribuiram para promover a desflorestação de Portugal.

Mais recentemente, com o início da Ditadura que durou 48 anos, outras decisões políticas então tomadas puseram em causa os montados de sobro e de azinho, como a insensata pretensão de tornar o País autónomo em cereais, principalmente em trigo.

Do mencionado infere-se que embora sempre se tenha atribuído muita importância às áreas florestadas, ocorreram períodos em que por motivos vários levaram a diferentes tomadas de posição, pelo aumento populacional e pela necessidade de produzir mais alimentos e combustível (lenhas) para a sobrevivência das pessoas.

Os diagnósticos que vêm sendo apresentados há vários anos identificaram os problemas de

degradação ambiental e paisagística do montado: a intensificação dos sistemas culturais e a

mecanização das operações agrícolas, a degradação do solo e um clima progressivamente mais agressivo, em que os factores socio-económicos foram suplantados pelos condicionalismos ambientais (Ferreira, 2001: 191).

No decurso da elaboração do presente trabalho observaram-se dois acontecimentos, um em prol do montado, outro mais específico que favoreceu o sobreiro:

- a elaboração da candidatura do Montado Alentejano a Património Mundial da UNESCO inserida na Lista Indicativa Portuguesa para a Lista do Património Mundial e que está a ser promovida pela “Entidade Regional de Turismo do Alentejo” e por algumas Autarquias, com a

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“Dinamização do Montado Alentejano como Bem Cultural Universal”. Esta candidatura pode contribuir para um modelo de desenvolvimento durável por ser

. uma obra de arte do género criativo humano

. testemunho de uma troca de influências na criação da paisagem . testemunho excepcional de uma tradição cultural

. exemplo de um tipo de paisagem que ilustra um período significativo da história humana . exemplo de uma utilização tradicional do território representativa da interacção humana

com o ambiente

. representação de áreas de uma beleza natural e de uma importância estética excepcional . exemplo representativo de um processo ecológico e biológico na evolução e

desenvolvimento de ecossistemas e comunidades de plantas e animais

. um sistema de exploração de uso múltiplo que contém habitats naturais importantes para a conservação in situ da diversidade biológica, nomeadamente para a sobrevivência de espécies ameaçadas com um valor excepcional do ponto de vista da ciência e da conservação;

- o lançamento de uma petição pública por duas associações de cidadãos para que o Sobreiro passasse a ser considerado como a “Árvore Nacional de Portugal”, o que foi conseguido através de uma Resolução da Assembleia da República.

Resta ainda poder avaliar, de futuro, o impacto real que estas medidas virão a ter.

O montado, sistema tradicional de exploração agro-silvo-pastoril, com um estrato arbóreo usualmente constituído por sobreiro e/ou azinheira em diversas densidades, que produz um conjunto de benefícios para o ser humano, traduzidos pelos chamados serviços dos ecossistemas, ao constituir a componente biofísica dominante da paisagem da Contenda tem, em consequência, um enfoque particular neste trabalho.

A dinâmica da evolução histórica da paisagem de montado no Alentejo teve a ver com factores históricos e factores físicos regionais condicionantes, essencialmente o clima e os tipos de solos (Ferreira, 2001:180).

Actualmente o montado confronta-se com vários problemas de que se destaca o envelhecimento dos povoamentos e o não seguimento do Código de Boas Práticas Silvícolas. O montado pode, assim, ser considerado como a paisagem simbólica do Sul de Portugal, sendo que é, ao mesmo tempo, uma paisagem produtiva e multifuncional. Tendo em conta as suas características únicas esta é sem dúvida uma paisagem de referência em termos

europeus. Síntese

Sendo o objectivo deste trabalho contar a história da Contenda e da sua paisagem, justifica- se ter sido feita:

- uma análise aos conceitos, às dimensões e ao simbolismo da paisagem, para o que se recorreu a alguns casos de estudo com vista a perceber como é que os respectivos autores percepcionavam as paisagens que investigaram e quais os critérios que, na sua perspectiva, estavam subjacentes às paisagens estudadas;

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- uma pesquisa em termos de referências históricas sobre as decisões tomadas no tempo da

Monarquia e relativas quer à alternância da posse do território pelas coroas portuguesa e

castelhana na região do Baixo Alentejo, nomeadamente a vila de Moura, quer ao montado, paisagem predominante na Herdade da Contenda, como será referido mais à frente – em termos de governança quais as decisões que teriam sido então tomadas e que condicionaram a protecção das espécies emblemáticas do montado, o sobreiro e a azinheira, bem como das decisões tomadas na sua transformação e gestão.

Assim, analisaram-se as formas não só como alguns investigadores vêem a paisagem, nos

aspectos ambientais e nos aspectos socio-económicos mas, também, a influência que a governança teve relativamente ao montado e às duas espécies dominantes, o sobreiro e a azinheira.

Procurou-se, também, perceber que paisagens é que podiam ser consideradas de referência através de pesquisa na bibliografia, o que permitiu identificar um conjunto de critérios nas várias fontes então consultadas (literárias, cartográficas, estatísticas e outras) e, assim,

estabelecer um paralelo entre alguns factos e acontecimentos da história daquelas paisagens

com a da Contenda.

Nessa pesquisa sobre diferentes paisagens simbólicas encontrou-se um conjunto de razões como: a história rica que envolveu a ocupação índia e a coerência da exploração (sustentável) em Indian Wells/Coachella Valley; a identificação de valores americanos de democracia, de

comunidade e de religião nas áreas urbanas do O e do S da Califórnia; a importância das áreas naturais para o povo americano serem consideradas paisagens icónicas da América, dando

como exemplo as áreas naturais da região do Hudson River Valley encaradas como a referência da cultura americana; a Hatfield Forest e as florestas inglesas, serem consideradas como

paisagens culturais e, no caso acabado de citar, ter uma história com uma gestão conflituosa

envolvendo os diferentes actores com uma evolução só possível de acompanhar com pormenor através da existência de cartografia; as Terras do Demo cuja análise permite o estudo da evolução de uma paisagem e a sua valorização pela literatura, terem sido consideradas “território literário” e uma fonte de informação sobre a paisagem e um elemento importante na gestão do território.

Assim, podemos concluir que a história de uma paisagem faz parte integrante da forma como a paisagem se apresenta dum ponto de vista natural mas também, e sobretudo, da forma como a paisagem é vista e valorizada por aqueles que com ela se relacionam. Daí ser

fundamental conhecer a história para compreender a relação que uma sociedade estabelece e pode estabelecer com uma paisagem.

De tudo o que se analisou neste capítulo, pode constituir-se um enquadramento para a

avaliação do que pode e deve ser considerado uma paisagem de referência em cada

contexto. Estão assim reunidos os elementos para poder avaliar se a Herdade da Contenda pode ser considerada uma paisagem de referência. A compreensão da sua história e das

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