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Carlos Fernando Francesconi Maria Helena Itaqui Lopes

Capítulo 3

(diarreia, constipação ou forma mista). Eles devem estar presentes por período superior à 6 meses, em atividade clínica nos últimos 3 meses; com uma frequência de sinais e/ou sintomas na média de pelo menos um dia/semana. Não podem estar presentes manifestações clínicas com anormalidades fisiopatológicas ou anatômicas óbvias, identificadas por exames diagnósticos de rotina.

Sua nova classificação é apresentada no quadro 1.

QUADRO 1. Classificação dos Distúrbios Funcionais Intestinais (Roma IV) C1- Síndrome do Intestino Irritável

C2- Constipação Funcional C3- Diarreia Funcional

C4- Estufamento (bloating*)/distensão funcional C5- Distúrbios Funcionais Intestinais não específicos C6- Constipação induzida por Opioides

*a palavra bloating não tem tradução estabelecida para o português. Neste texto, utilizar-se-ão as alternativas estufamento, empachamento ou inchaço.

Uma nova entidade foi introduzida nesse grupo de enfermidades: cons-tipação induzida por opioides. Isto deve-se ao reconhecimento de uma ma-nifestação clínica crescentemente observada pelo aumento significativo de analgésicos opioides na prática clínica e pelo mecanismo fisiopatológico que envolve a ação desses produtos nos sistemas nervosos entérico e central.

A nova definição de Síndrome do Intestino Irritável (SII) é como se se-gue: “dor abdominal recorrente, na média pelo menos um dia por semana nos últimos 3 meses, associada à dois ou mais dos critérios abaixo:

1. relacionada à defecação;

2. associada à alteração da frequência das defecações;

3. associada à alteração no forma (aparência) das fezes”.

Com relação à definição anterior do Roma III, ocorreram as seguintes modificações:

a. a palavra “desconforto” foi eliminada por ser pouco específica e levar os médicos a diagnosticarem de maneira não consistente essa entidade.

Optou-se pela manifestação de dor, que deverá ser significativa para o pa-ciente, interferindo nas suas atividades diárias e na sua qualidade de vida.

b. alteração da frequência da dor abdominal: uma vez por dia / semana e não três vezes por mês. Esta alteração foi o resultado de uma pes-quisa de base populacional nos Estados Unidos, que mostrou ser esta frequência mais apropriada como linha de corte da SII em relação à população normal.(3)

c. a substituição de “melhora com evacuação” por “associada à evacuação” foi consequência da observação de muitos médicos que, em alguns pacientes com SII, a evacuação na realidade desencadeia crises dolorosas e não necessariamente as alivia.

d. retirada da palavra “início” nos critérios 2 e 3 de Roma III. Isto se deve ao fato que cronologicamente é muito difícil caracterizar o início dos sintomas dos pacientes. A palavra “associada”, nesse sentido, se torna mais lógica e próxima da realidade dos pacientes.

Abordagem diagnóstica

Em termos práticos, o primeiro aspecto a ser considerado é o reconhe-cimento do paciente portador da síndrome. É relevante reconhecer que os pacientes com distúrbios intestinais se apresentam dentro de um continuum no qual existe uma grande variação dos sintomas que trazem os pacientes à consulta. Em um determinado momento poderá existir um predomínio de dor abdominal associada a uma alteração do padrão evacuatório, enquanto em outro momento este mesmo paciente poderá negar a presença de dor e referir uma outra manifestação evacuatória. O médico deverá focar sua atenção no diagnóstico positivo da SII e atender à manifestação que ocorre no momento mais relevante do paciente. Fatores de exacerbação (“gatilhos”) deverão ser pesquisados: gastroenterite prévia, cirurgias, intolerâncias ali-mentares, estresse crônico e episódio de diverticulite.

Deverão ser valorizados elementos de história (relevância de critérios diagnósticos), exame físico (pesquisar sinais de alarme como massas abdominais, alterações relevantes no toque retal e anuscopia, febre, emagrecimento involuntário e sinais de anemia). Hematoquezia sem alterações proctológicas que a explique deve ser considerada, igualmente, como manifestação de alarme.

Uma investigação laboratorial mínima com hemograma, Proteína C Reativa (PCR) ou calprotectina, Exame Parasitológico de Fezes (EPF) e coprocultura, se for justificado epidemiologicamente em pacientes com Síndrome do Intestino Irritável- Diarreia (SII-D) ou Síndrome do Intestino Irritável-Mista (SII-M), podem ser solicitados na consulta inicial.

A realização de colonoscopia ou outro método de imagem deve ser indi-vidualizada em função do quadro clínico do paciente. Naquele em que diar-reia é importante como manifestação clínica, principalmente se há suspeita que o volume evacuatório é mais significativo (>300 ml/dia), ela deve ser realizada para que se afaste o diagnóstico de doenças inflamatórias intesti-nais ou colites microscópicas. Neste cenário pode ser igualmente relevante excluir a possibilidade diagnóstica de doença celíaca. Nos pacientes com Síndrome do Intestino Irritável-Constipação (SII-C), a realização de proce-dimentos diagnósticos por imagem costuma ser menos relevante.

É necessária prudência na realização e utilização de testes laboratoriais que avaliem deficiência de lactase. Com muita frequência existe superposição dos dois diagnósticos (SII e intolerância à lactose). Vale ressaltar a mais recente de-finição da última pelo Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos como o aparecimento de sintomas gastrointestinais após a ingestão de forma cega de uma única dose de lactose, por um indivíduo portador de malabsorção de lactose, que não são observados após a ingestão de um placebo indistinguível. Trata-se de um conceito obviamente complexo, não factível de ser aplicado clinicamente, mas que traduz, por outro lado, a dificuldade de atribuir unicamente à lactose os sinais e sintomas que frequentemente estão presentes nos pacientes com SII (dor abdo-minal, diarreia, estufamento/ empachamento, flatulência e distensão abdominal).(4) Com muita frequência, os pacientes referem que os sintomas estão re-lacionados à alimentação. Com mais frequência, os alimentos que devem ser pesquisados são os lácteos, trigo, cafeína, frutas, vegetais, sucos, refri-gerantes e goma de mascar. Permanece duvidosa a relação causal direta da alimentação com a patogênese da SII (ver tratamento).

Nos casos mais graves, frequentemente se detectam sintomas associados, como dispepsia, enxaqueca, fibromialgia, dispareunia, fadiga, cistite inters-ticial, entre outros.

Tratamento

Existem princípios gerais que são aplicados ao tratamento de todos os pacientes com SII: o médico deve explicar a doença e apoiar o paciente com relação à natureza benigna da enfermidade. Deve ser ressaltado o fato que a sua cronicidade não implica em desenvolvimento de qualquer fator de risco para doenças malignas.

Eles deverão ser educados a respeito da segurança e utilidade dos méto-dos diagnósticos e das opções terapêuticas e, por fim, basear o tratamento no tipo e severidade dos sintomas.

Agentes no tubo digestivo (ação periférica) são utilizados no controle do hábito intestinal.

Quando a alteração predominante é diarreia, as melhores alternativas far-macológicas são a loperamida e a eluxadolina. A primeira é um agonista μ opioide que diminui o tempo de trânsito colônico, enquanto o segundo (ain-da não disponível no Brasil) é um agonista μ e antagonista δ; ambos dimi-nuem o tempo de trânsito colônico e aumentam a absorção iônica e de água.

A primeira não deve ser usada em doses fixas e na maioria das vezes o uso de 1 mg (equivalente a meio comprimido) após cada evacuação diarreica é suficiente. O risco de seu uso de forma inapropriada é o desenvolvimento de constipação, dor e distensão abdominal.

No caso da constipação, é recomendada suplementação com fibras hi-drossolúveis, nos casos menos graves. Laxantes devem ser prescritos, mas infelizmente o único que foi objeto de estudos clínicos de boa qualidade foi o polietilenoglicol. Os demais produtos disponíveis no Brasil não foram objeto de ensaios clínicos. Produtos e dosagens deverão ser cuidadosamente avaliados pelos prescritores.

Roma IV recomenda o uso de secretagogos que agem nos canais de cloro do bordo em escova dos enterócitos, estimulando a secreção de água e ele-trólitos. Os dois produtos disponíveis em outros países são a lubiprostona e o linaclotide. Existem evidências que estes produtos funcionam modulando a sensação dolorosa intestinal ao mesmo tempo que normalizam o hábito intestinal dos pacientes.

Agentes sistêmicos que agem no metabolismo da serotonina podem ser utilizados. Estão disponíveis no Brasil:

a. agonistas 5-HT4: tegaserode e prucaloprida. São produtos que agem estimulando o trânsito colônico. O primeiro ainda está disponível no Brasil e mostrou-se eficiente no tratamento da SII-C, mas foi retirado do comércio nos Estados Unidos por possível associação com colite isquêmica; o segundo não teve efeito benéfico demonstrado em pa-cientes com SII-C.

b. antagonistas 5-HT3: alosetron e odansetron. Somente o segundo está disponível no Brasil. Ele pode ser usado nas doses de 4 e 8 mg, depen-dendo da intensidade da diarreia. Pode-se repetir até duas vezes por dia, mas com muita atenção pelo risco de desenvolvimento de consti-pação e fecaloma.

Outros agentes sistêmicos incluem os analgésicos antiespasmódicos e os antidepressivos, apresentados a seguir:

a. antiespasmódicos. Apresentam tanto uma ação colinérgica como de re-laxamento da musculatura lisa intestinal. Vários representantes deste grupo de fármacos encontram-se disponíveis no Brasil.

b. antidepressivos: tricíclicos (amitriptilina e desipramina) e inibidores seletivos da recaptação da serotonina podem ser utilizados. Os primei-ros apresentam uma ação analgésica mais importante e, pelo fato de apresentarem constipação como evento colateral mais frequente, têm indicação preferencial na SII-D.

Moduladores do microbioma e imunológicos incluem os probióticos e os pré-bióticos. Poucos estudos realizados indicam que os primeiros podem ser úteis (incluindo Bifidobacterium infantis 35624 e Bifidobacterium lactis DN- 173010). Faltam definir cepas específicas que devem ser prescritas neste cenário e demonstraram benefícios principalmente nos pacientes com SII-C.

A rifaximina é um antibiótico não absorvível, não disponível no Brasil e que se mostrou eficiente da SII-D.

A prescrição de exercícios pode beneficiar alguns pacientes com SII. Recomendações dietéticas incluem a restrição de uso exagerado de gorduras e lactose e a prescrição de fibras vegetais. Toda suplementação

dietética não deve ser vista como uma panaceia para todos os sintomas.

Dietas FODMAPs (sigla para o inglês Fermentable Oligosaccharides, Disaccharides, Monosaccharides and Polyols) e sem glúten podem ser úteis para alguns pacientes com formas mais graves de SII. A primeira não deverá ser prescrita por mais de 30 dias pelos profundos efeitos na microbiota intestinal cujo potencial clínico é ainda desconhecido. Não está esclarecido, até o momento, se o efeito destas intervenções é decorrente da ação do glúten, de outras proteínas do trigo, de carboidratos de cadeia curta altamente fermentáveis ou relacionados a um efeito nocebo destes produtos.

Quanto à Medicina alternativa/complementar, Roma IV engloba neste grupo de intervenções terapias cognitivo-comportamentais, uso de ervas (fitoterapia; principalmente utilizada na China), hipnoterapia, psicoterapia psicodinâmica e terapia de relaxamento. Essas são alternativas pouco dispo-níveis no Brasil e exigem profissionais experientes e familiarizados com as diferentes técnicas. Para a hipnoterapia existem protocolos específicos para SII e deve-se evitar o charlatanismo de pessoas não competentes.

Referências

1. Francisconi, CF, et al. Multicultural Aspects in Functional Gastrointestinal Disorders (FGIDs). Gastro-enterology 2016; 150: 1344-54.

2. Drossman DA, et al. Rome IV - Functional Gastrointestinal Disorders: Disorders of Gut-Brain Interac-tion. Gastroenterology 2016; 150:1257-61.

3. Palsson OS, et al. Development and Validation of the Rome IV Diagnostic Questionnaire for adults.

Gastroenterology 2016; 150: 1481-91.

4. National Institutes of Health. NIH Consensus Development Conference Statement on Lactose In-tolerance and Health. Disponível em https://consensus.nih.gov/2010/docs/LI_CDC_2010_Final%20 Statement.pdf>. Acesso em 18 Mai 2016.

O

tratamento da DHGNA tem como principal foco a modificação do estilo de vida, sendo medida essencial em todas as fases da doença, tanto mais efetiva quanto mais precocemente instituída. Como ainda não existe um trata-mento específico padrão para a doença, frequentemente a abordagem se concen-tra no controle dos fatores de risco, como obesidade e resistência insulínica.(1)

O objetivo final do tratamento, além da redução de mortalidade, é a ten-tativa de reduzir a progressão da lesão hepática, principalmente para cirrose, além da redução da incidência de carcinoma hepatocelular.(2)

A implementação de uma dieta pobre em lipídios e de baixo teor calórico, assim como o incentivo à prática de atividade física, devem ser instituídos para todos os pacientes. O principal objetivo consiste em perda ponderal e melhora da composição corporal, com redução da massa gorda e aumento proporcional de massa magra. A dieta do Mediterrâneo é um modelo que pode ser seguido no ajuste da composição de macronutrientes da dieta.

O consumo de bebidas alcoólicas deve ser evitado, mas quantidades de até 30 g para os homens e 20 g para as mulheres parecem ser seguras nos pacientes com DHGNA.

A perda de peso é a medida mais eficaz de controle da doença. Alguns parâmetros séricos que avaliam o metabolismo e o depósito de gordura no fígado já podem melhorar com perda de até 5% do peso corporal, porém apenas perdas ponderais, de pelo menos 7-10% do peso inicial, é que mos-traram impacto na histologia da EHNA, com redução dos graus de esteatose e inflamação, assim como redução dos níveis séricos das aminotransferases.

Doença hepática gordurosa não