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Jorge Carvalho Guedes

Capítulo 13

As seguintes perguntas são pertinentes ao diagnosticar uma lesão cística do pâncreas: trata-se de uma lesão benigna ou cancerígena? Há potencial evolutivo para câncer? Justifica-se uma intervenção imediata? Qual a me-lhor estratégia de vigilância a ser adotada?

As respostas são dificultadas pela ausência de estudos prospectivos sufi-cientes e homogêneos para a construção de evidências.(2,3)

Trata-se de uma lesão benigna?

O diagnóstico diferencial entre as lesões benignas e malignas é difícil com base nos exames de imagem.

As NCP se tornaram mais frequentes que as lesões benignas após os exa-mes com maior definição de imagem. Entre as lesões benignas, os pseudo-cistos são mais comuns. Cistos verdadeiros, de retenção e lifoepiteliais são lesões benignas raras.(4)

Dados clínicos e epidemiológicos são importantes na definição da le-são. Os sintomas ocorrem em menos de um terço dos casos e são ines-pecíficos, como dispepsia e dor abdominal. Perda ponderal ou icterícia, menos frequentes, são considerados sinais de alarme. Os pseudocistos sucedem a pancreatite aguda ou crônica e podem ser também detectados após trauma abdominal fechado, nem sempre lembrado pelo paciente.

Quando um cisto é encontrado e há diagnóstico prévio de pancreatite de causa definida, a chance de NCP é mínima; entretanto, a investigação de cistos na vigência de pancreatite crônica familiar merece cuidado espe-cial. Os cistos associados à pancreatite aguda sem causa determinada ou com atrofia pancreática devem investigados, pois a principal possibilidade são IPMN.

As NCP são mais comuns a partir da quarta década de vida. Os CS ocor-rem após a quinta década de vida, enquanto os mucinosos, entre a quar-ta e a quinquar-ta décadas. As neoplasias pseudopapilares são mais frequentes em mulheres entre a terceira e a quarta décadas. Os cistoadenomas ocorrem mais em mulheres, sendo os mucinosos exclusivamente femininos. Por ou-tro lado, as IPMN são mais comuns nos homens.

História familiar de neoplasia de mama, cólon, pâncreas ou estômago é sinal de alerta. Essas neoplasias podem ocorrer em pacientes com NCP, necessitando investigação. Polipose múltipla e neoplasias endócrinas múltiplas (Peutz-Jeg-hers, Polipose Familiar por APC, Von Hippel Lindau) são causas raras de NCP.

O tabagismo é fator de risco para a pancreatite crônica e câncer de pân-creas e associado à ocorrência e progressão das NCP. Pacientes com NCP devem ser encorajados à abstinência ao tabaco. O diabetes melito encontra--se associado as NCP, especialmente com dependência de insulina.(2-5)

Características de imagem

O potencial de malignidade nem sempre é previsto com base nas caracte-rísticas de imagem. Os CS raramente evoluem para câncer. Se caracterizam por multiloculação em “favo de mel” e banda fibrosa central, achado nem sempre presente.

Os CM são tipicamente encontrados na cauda do pâncreas em mulheres acima dos cinquenta anos de idade. São uniloculados com cápsula fibrosa, por vezes calcificada.

A produção de muco se associa ao risco de câncer, tanto nos CM como na IPMN. Essas se diferenciam dos cistos pela comunicação com os ductos pancreáticos. Classificam-se as IPMN de ductos secundários, de ducto prin-cipal ou mistas. As IPMN mista e de ductos secundários são as que se apre-sentam como lesões císticas nos exames de imagem, cabendo a definição so-bre a existência ou não de comunicação com ducto pancreático principal.(6,7) As características em exames de imagem que podem indicar risco de neo-plasia maligna são: cistos maiores que 3 cm; componente sólido intracístico, dilatação do ducto pancreático principal e linfonodos aumentados.

Cistos maiores que 3 cm apresentam risco até sete vezes maior de serem malignos. O tamanho do cisto tem boa sensibilidade para diagnóstico de câncer, porém baixa especificidade. A dilatação do ducto pancreático prin-cipal, mesmo não apresentando relação estatisticamente significante, tem especificidade diagnóstica de 80%, indicando que na presença de ducto dila-tado a hipótese de câncer deve ser cogitada.

A presença de conteúdo sólido na parede do cisto é o principal dado as-sociado ao câncer. A especificidade desse achado é bem maior do que a sen-sibilidade, significando que pacientes mesmo sem conteúdo sólido podem apresentar neoplasia.(8) Quanto ao número, mais de quatro lesões em comu-nicação com o ducto principal fortalecem a suspeição de malignidade.

Há um potencial evolutivo para o câncer?

O maior preditor de evolução para câncer é o tipo histológico da NCP.

A maior associação com câncer ocorre nas IPMN, com 42% de prevalência nos casos operados. Para os CM, essa prevalência cai para 15%. O risco de câncer nos CS é insignificante.

O principal parâmetro para avaliar potencial evolutivo das IPMN é a lo-calização. Quando há envolvimento de ducto principal, o risco é cerca de dez vezes maior comparado com as de ducto secundário (60 a 70% versus 2 a 3%).

Cerca de 10% dos cistos vão experimentar crescimento de tamanho em períodos de até 36 meses. Embora a maioria dos estudos indique abordagem cirúrgica para cistos em crescimento, o percentual de câncer associado a es-ses cistos foi muito baixo. O crescimento não parece ser um preditor isolado de malignidade.(2,7)

Estudo do líquido cístico e punção aspirativa de agulha fina (PAAF) Considerando a ampla variação no risco de câncer dependendo da histo-logia, o estudo do líquido cístico e a PAAF pode ajudar no diagnóstico de malignidade. O risco de complicações da PAAF é de 1 a 2%, com possibili-dade de pancreatite aguda, sangramento e infecção.(2,3,7,8)

A dosagem de amilase no líquido é útil para exclusão de cistos de reten-ção ou pseudocistos, quando inferior a 240 U/l.

O Antígeno Carcino Embrionário (CEA) é útil para a detecção de cis-tos mucinosos, embora não haja relação adequada entre os seus níveis e presença de câncer. Níveis de CEA inferiores a 5 ng/mL são indicativos de

pseudocistos com especificidade de 95%, porém baixa sensibilidade. Para fins diagnósticos, valores de “cut off” de 192 ng/mL são considerados indi-cativos de lesão mucinosa.

Os níveis de CA 19-9, quando normais, reforçam a possibilidade de CS ou pseudocisto; se elevados, indicam origem pancreática da lesão. Sua esti-mativa não acrescenta valor quando comparada aos níveis de CEA.

A PAAF mostrou ser útil na detecção de neoplasia em apenas 48% dos casos, devido à dificuldade de obtenção de material para diagnóstico. A con-firmação do caráter mucinoso da lesão parece ter resultados menos decep-cionantes. Pela sua especificidade para o diagnóstico oncológico positivo, recomenda-se sua realização quando há material sólido dentro dos cistos. A aplicação exclusiva de critérios de imagem para decisão pode ser inadequa-da, com perda de até 42% de casos com câncer que poderiam ser diagnosti-cados através de PAAF.(2,3,7)

O estudo citogenético e biomolecular pode contribuir para o diagnóstico diferencial das NCP, mas permanece em investigação.

Justifica-se intervenção cirúrgica?

A chance de detecção de câncer numa lesão cística do pâncreas é de 0,25%. O risco operatório é de 7% em serviços gerais de cirurgia e em 2% em centros especializados; variando ainda com a idade e presença e comorbidades.(7)

Considerando a mortalidade do câncer de pâncreas, a indicação cirúrgica deve ser discutida com o paciente, especificando-se riscos e benefícios e salientando-se a insuficiência de evidências científicas sólidas. Para a indi-cação cirúrgica, dois grupos de sinais são considerados, combinando os pro-tocolos da AGA, de Fukuoka, da International Association of Pancreatology e do European Study Group on Cystic Tumors of Pancreas.(6,9)

Sinais de alto risco, indicativos de cirurgia: dilatação do ducto pancreá-tico principal com componente sólido; citologia com displasia de alto grau;

presença de icterícia; componente sólido intracístico com impregnação por contraste.

Sinais de alerta, indicativos de investigação complementar e acompanha-mento criterioso: dilatação ductal sem componente sólido; dilatação ductal discreta (entre 5 e 9 mm); componente sólido sem impregnação por con-traste; dilatação ductal com atrofia pancreática; pancreatite aguda associada, espessamento parietal do cisto; cistos maiores que 30 mm.

Mesmo utilizando os critérios de alto risco e de alerta, um percentual considerável de pacientes serão levados à cirurgia por lesões sem câncer;

e pacientes com neoplasia avançada serão perdidos, mostrando que ainda estamos longe do ideal em termos de critérios prognósticos.(10)

Entendendo-se que nenhum dos exames disponíveis apresenta capacida-de plena capacida-de capacida-descartar câncer e consicapacida-derando o potencial evolutivo das lesões, a cirurgia deve ser especialmente considerada para: IPMNs com comuni-cação com ducto principal em pacientes sem comorbidades, com tamanho maior que 3 cm associadas à dilatação ductal e nodulação intracística; cis-toadenomas mucinosos.

Cirugia é também habitualmente indicada para tumores pseudo papilares sólido-císticos (de Frantz); tumores neuroendócrinos com áreas císticas. A cirurgia não é inicialmente indicada em:

cistos com aspectos compatíveis com CS; exceto se apresentam sintomas relevantes.

As situações intermediárias entre esses dois polos devem ser analisadas caso a caso. Há tendência a conduta conservadora com acompanhamento para: prováveis IPMNs de ducto secundário e CM com tamanho menor que 10 mm.

lesões cuja classificação não seja possível e com tamanho entre 10 a 30 mm, que devem ser investigados adicionalmente com ecoendoscopia e PAAF.(2,3)

Qual a melhor estratégia de vigilância a ser empregada?

O tempo de evolução para o câncer nas NCP não está estabelecido. O exame de eleição para acompanhamento das lesões císticas é a RM, mas a ecoendoscopia pode ser empregada com o mesmo fim, se disponível.

Os protocolos variam quanto aos intervalos de avaliação. Para lesões sem indicação cirúrgica imediata, com sinais de alerta, a repetição de RM entre intervalo de 6 meses a um ano, seguido de intervalos bianuais até 5 anos, se não houver alterações. Os demais protocolos mantêm a observação por toda a vida.

Pacientes operados por NCP com câncer, mesmo totalmente ressecadas, devem ser acompanhados com exames de imagem (RM ou endossonografia) com intervalos bianuais.(2,3,6,8)

Referências

1. Hitzemann N, Cotton E. Incidentalomas: Initial Management. Am Fam Physician 2014; 90(11):784-789.

2. Scheiman J, Hwang JH, Moayyedib P. American Gastroenterological Association Technical Review on the Diagnosis and Management of Asymptomatic Neoplastic Pancreatic Cysts. Gastroenterology 2015;

148(4):824-48.e22.

3. Vege SS, Ziring B, Jain R, et al. American Gastroenterological Association Institute Guideline on the Diagnosis and Management of Asymptomatic Neoplastic Pancreatic Cysts. Gastroenterology 2015;148: 819-826.

4. Karoumpalis I, Christodoulou DK. Cystic lesions of the pancreas. Ann Gastroenterol 2016. 29(2):155-61.

5. Chiang AL, Lee LS. Clinical approach to incidental pancreatic cysts. World J Gastroenterol 2016;

22(3):1236-45.

6. Goh B, Lin Z, Tan DM, et al. Evaluation of the Fukuoka Consensus Guidelines for intraductal mucinous neoplasms of the pancreas: Results from a systematic review of 1,382 surgically resected patients.

Surgery 2015; 158(5):1192-202.

7. Sheth SG, Howell DA, Kent TS. Intraductal papillary mucinous neoplasm of the pancreas (IPMN): Eva-luation and management. In: UpToDate, Post TW (Ed), UpToDate, Waltham, MA. [Acessed 08/08/2016]

8. Okabe Y, Kaji R, Ishida Y, Tsuruta O, Sata M. The management of the pancreatic cystic neoplasm: the role of the EUS in Japan. Dig Endosc; 2011:39-42.

9. Lekkerkerker SJ, Besselink MG, Busch OR, et al. Long-term follow-up of neoplastic pancreatic cysts without high-risk stigmata: how often do we change treatment strategy because of malignant transfor-mation? Scand J Gastroenterol 2016; 51(9):1138-43.

10. Ma GK, Goldberg DS, Thiruvengadam N, Chandrasekhara V, et al. Comparing American Gastroente-rological Association Pancreatic Cyst Management Guidelines with Fukuoka Consensus Guidelines as Predictors of Advanced Neoplasia in Patients with Suspected Pancreatic Cystic Neoplasms, J Am Coll Surg 2016; S1072-7515 (16)30717-7.

A

disponibilidade de técnicas de radiologia não invasivas e de baixo custo, representadas principalmente pela ultrassonografia de abdome (USG), tem permitido a detecção de elevado número de lesões hepáticas nodulares, seja de modo incidental como em consequência de programas de rastreamento em pacientes com doenças hepáticas crônicas. A maior disponibilidade de métodos com utilização de equipamentos multidetectores e/ou contrastes hepatoespecíficos tem permitido a avaliação não invasiva das características desses nódulos como lesões hepáticas benignas ou malignas.

No que se refere às características dos nódulos hepáticos, podem ser císticos (que habitualmente prescindem de investigação radiológica posterior, notadamente os cistos simples) ou sólidas, devendo estas ser melhor avaliadas por tomografia he-licoidal trifásica (TC) ou por ressonância magnética nuclear (RMN), em aparelhos de alta resolução, de modo dinâmico, com avaliação contrastada das diferentes fa-ses de preenchimento e esvaziamento vascular (fafa-ses arterial, portal e de equilíbrio).

A compreensão e o conhecimento dos aspectos clínico-epidemiológicos são de grande importância na avaliação dos nódulos hepáticos, notadamente a presença de cirrose, principal fator de risco para carcinoma hepatocelular, a neoplasia maligna primária do fígado mais frequente. Assim, nódulos em fígados não cirróticos apresentam possibilidades maiores de serem benig-nos, embora nódulos benignos possam surgir em fígados cirróticos e o car-cinoma hepatocelular também ocorra em fígados normais.

Quanto a sua origem tecidual, podem se originar do hepatócito (carcinoma hepatocelular, adenoma hepático e hiperplasia nodular focal),