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Rodrigo Vieira Costa Lima

Claudia Pinto Marques Souza de Oliveira

Capítulo 4

Algumas medicações, como o orlistate, podem ajudar na perda ponderal e, dessa forma, ter efeito benéfico na evolução da doença. O mecanismo de ação consiste em reduzir a absorção de gordura da dieta, podendo ser usado na dose de 120 mg, até três vezes ao dia, junto às principais refeições. Ainda não é conhecido se o orlistate poderia ter algum benefício clínico adicional independente da perda ponderal nos pacientes com DHGNA.

Tanto os exercícios aeróbicos, como os treinos de resistência, parecem ser efetivos no controle do depósito de gordura no fígado, porém a prática regular e contínua é necessária para que consigamos atingir esse objetivo. A capacidade do exercício físico em melhorar a atividade necroinflamatória no fígado ainda não foi estabelecida.

O papel da dieta e do exercício físico não se limita à redução do depósito de gordura nos hepatócitos, mas essa abordagem em conjunto também au-menta a sensibilidade à insulina.

Pacientes portadores de DHGNA sem esteato-hepatite ou cirrose devem ser tratados apenas com as modificações do estilo de vida, sendo a farmaco-terapia desnecessária e não indicada.

Até o momento, nenhum tratamento, clínico ou cirúrgico, foi aprovado para a esteato-hepatite não alcoólica,(3) porém existem várias alternativas, de eficácia não completamente estabelecidas, que podem ser tentadas. Terapias farmacológicas ou cirúrgicas tornam-se muitas vezes necessárias pela baixa aderência às modificações no estilo de vida, que consiste na principal limita-ção do tratamento não farmacológico.

Como não existem biomarcadores validados para avaliação de resposta ao tratamento para EHNA, a realização de biopsia hepática torna-se neces-sária com esse intuito. Além disso, os tratamentos farmacológicos somente têm respaldo nos pacientes com EHNA confirmada histologicamente. Estes fatos muitas vezes consistem em uma dificuldade, a mais, na prática clínica na eleição dos pacientes candidatos ao tratamento e no seu seguimento.

Os principais pacientes candidatos ao tratamento farmacológico são aque-les com doença mais avançada, com fibrose significativa na biopsia (maior ou igual a fibrose grau 2 - F2), ou aqueles com doença menos avançada, mas com fatores de risco para progressão da fibrose, como idade avançada

(maiores de 50 anos), elevação persistente de transaminases, presença de diabe-tes ou síndrome metabólica ou intensa atividade necroinflamatória na biopsia.

Os alvos da terapia medicamentosa, tanto das já existentes como das que são objeto de muitas pesquisas, baseiam-se na patogênese da doença, com foco na resistência insulínica, no estresse oxidativo e no processo inflamató-rio, todos componentes essenciais para a evolução da esteatose simples para esteato-hepatite e fibrose.

Dentre as drogas que tem propriedade antioxidante, a vitamina E está entre as mais estudadas e utilizadas. Seu uso ganhou impulso após o estudo PIVENS publicado no New England Journal of Medicine (NEJM) em 2010, onde Sanyal et al. mostraram melhora do NAS com o uso de vitamina E.

A dose preconizada deve ser de 800 UI ao dia, porém seu uso deve ser restrito aos pacientes não cirróticos e não diabéticos, pois ainda não existe evidência, o suficiente, para indicarmos nos portadores de DM, nem nos pacientes com fibrose avançada.(4)

Ainda não se conhece o tempo ideal de uso, porém sabe-se que o uso prolongado de vitamina E deve ser evitado, pois foi observado aumento da incidência de câncer de próstata em homens acima de cinquenta anos e da incidência de acidente vascular cerebral (AVC) hemorrágico, além de um aumento da mortalidade geral. Nos pacientes que antes do tratamento têm enzimas hepáticas elevadas, a não redução dos seus níveis após seis meses de uso pode ser utilizada como critério de suspensão.

O ácido obeticólico é derivado sintético do ácido quenodesoxicó-lico, agonista natural do receptor nuclear farnesoide X (FXR). É uma droga promissora para o tratamento da EHNA, com estudos de fase II que já mostraram melhora histológica, com redução do NAS sem pio-ra do gpio-rau de fibrose, além de redução nos níveis de aminotpio-ransfepio-rases.

Os principais efeitos colaterais com seu uso são prurido e elevação do colesterol LDL (low-density lipoprotein). Entretanto, estudos de segui-mento em longo prazo e melhor conhecisegui-mento sobre o perfil de seguran-ça da droga são necessários para que passemos a utilizar essa medica-ção na prática clínica diária.(5) Além disso, ainda não é comercialmente disponível no Brasil.

A N-acetilcisteína (NAC) é um precursor de glutationa que leva à redu-ção das espécies reativas de oxigênio com menor lesão aos hepatócitos pela diminuição do estresse oxidativo. Alguns trabalhos usando NAC isolada-mente ou em associação com outras drogas, como a metformina, mostraram benefício na histologia hepática.(6)

As evidências atuais, entretanto, são insuficientes para recomendar ou refutar seu uso. Diversas outras drogas com potenciais ações antioxidantes e citoprotetoras já foram estudadas, como o ácido ursodesoxicólico e a pen-toxifilina, com alguns trabalhos mostrando redução nos níveis séricos de transaminases, mas nenhum demonstrando melhora histológica, sendo seu uso, portanto, não indicado.

O uso das estatinas, ômega 3 e outras substâncias hipolipemiantes é per-mitido nos pacientes com DHGNA e deve ser estimulado nos pacientes por-tadores de dislipidemia. Até a presente data, entretanto, não há estudos que mostrem benefício direto desses fármacos na EHNA.

A metformina atua inibindo a gliconeogênese hepática e reduzindo a ab-sorção de glicose, o que leva a uma maior captação da glicose pelas células musculares. Sua ação, portanto, diminui os níveis séricos de glicose pelo aumento da sensibilidade à insulina.

Alguns trabalhos iniciais mostraram melhora bioquímica não susten-tada quando usada para DHGNA, mas metanálise publicada no Hepato-logy, em 2010, mostrou que a metformina não foi efetiva no controle da EHNA, sem melhora histológica ou no nível das transaminases. Pode ser utilizada como adjuvante naqueles pacientes portadores de diabetes ou de glicemia de jejum alterada/intolerância à glicose, mas não na doença hepática isolada.(7)

Contudo, alguns trabalhos e metanálises recentes têm demonstrado que a metformina reduz a incidência de CHC, podendo ser associada à vitamina E ou à glitazonas.

Outros agentes sensibilizadores de insulina são as tiazolidinedionas, sen-do a pioglitazona o mais estudasen-do na EHNA. A pioglitazona é um agonista do receptor γ de peroxissomo proliferador-ativado (PPAR-γ), encontrado no tecido adiposo, músculo esquelético e fígado.

Quando ativados, esses receptores modulam a transcrição de genes que alteram a sensibilização à insulina. Dessa forma, agem reduzindo a resistên-cia à insulina na periferia, além de reduzir a produção de glicose pelo fígado.

O estudo PIVENS, já anteriormente citado, comparou o uso de pioglitazona na dose de 30 mg ao dia, por dois anos, em pacientes não cirróticos e não diabéticos com o placebo.

Como resultado, foi evidenciada melhora histológica, tanto na baloniza-ção como na inflamabaloniza-ção e esteatose, com diferença estatisticamente signifi-cante, mas sem melhora no grau de fibrose hepática.

Efeitos colaterais relatados com o uso da droga em longo prazo são ganho ponderal, aumento na incidência de fraturas e insuficiência cardíaca congestiva. Em resumo, apesar de nenhuma recomendação forte poder ser feita, a pioglitazona pode ser utilizada como alternativa, ou em associação à vitamina E nos pacientes com EHNA, mas efeitos em longo prazo ainda são desconhecidos e o tempo de tratamento seguro permanece obscuro.

Análogos da incretina, como a liraglutida, parecem ser terapias promisso-ras. São agonistas do receptor GLP-1 (glucagonlike protein 1) que, quando ativados, levam ao aumento da secreção de insulina, redução da secreção inapropriada do glucagon, redução da velocidade de esvaziamento gástri-co e gástri-consequente saciedade pregástri-coce. Dessa forma, está relacionado à perda ponderal. O estudo LEAN, publicado no Lancet em 2016, mostrou melho-ra bioquímica e histológica em pacientes que utilizamelho-ram limelho-raglutida em um seguimento de 48 semanas em comparação ao placebo. Novos estudos são necessários para confirmação desse benefício.(8)

Os agonistas do PPAR alfa/delta, como o elafibranor, têm sido recente-mente avaliados e estudos de fase II mostraram bons resultados na resolução da EHNA, sem piora ou até com melhora do grau de fibrose. Estudos de fase III estão em andamento e em breve esclarecerão o papel desses fármacos como nova alternativa de tratamento.(9)

Para os grandes obesos, principalmente se portadores de diabetes melli-tus e não respondedores às modificações de estilo de vida e à terapia farma-cológica, a cirurgia bariátrica é uma opção de tratamento, sendo efetiva na redução de progressão da doença, com excelentes perspectivas de melhora

da atividade inflamatória, balonização e esteatose na biopsia, além de possi-bilidade de regressão da fibrose, sendo este último objetivo raramente alcan-çado com a terapia farmacológica.

Os pacientes que evoluem com doença hepática avançada, com cirrose descompensada CHILD B ou C, devem ser listados para transplante, seguin-do os mesmos critérios e indicações das demais etiologias. Apesar de um maior risco cardiovascular em relação às outras etiologias no pós-transplan-te, a taxa de disfunção de enxerto é menor e a sobrevida dos transplantados por EHNA é semelhante aos transplantados por outros motivos.

A taxa de recorrência da cirrose por EHNA no pós-transplante é baixa na maioria das casuísticas, girando em torno de 3%.

Prevenção e prognóstico

A principal medida para prevenção primária da DHGNA é a prevenção da obesidade e do diabetes, visto que são os principais fatores de riscos associa-dos à doença. A implementação de uma dieta saudável, pobre em gorduras sa-turadas e carboidratos refinados e rica em frutas e verduras, associada à prática regular de atividade física, são as principais medidas a serem adotadas.

O controle das comorbidades associadas à síndrome metabólica pode prevenir a evolução para esteato-hepatite. A prevenção secundária, através do rastreio de esteatose hepática nos pacientes de maior risco, principalmen-te nos portadores de diabeprincipalmen-tes mellitus, pode levar à deprincipalmen-tecção e inprincipalmen-tervenção precoce, melhorando o prognóstico da doença.

A DHGNA é uma doença de progressão lenta, levando muitos anos para a evolução para cirrose hepática. Os fatores que determinam a evolução da estea-tose para a esteato-hepatite e desta para cirrose, ainda não estão completamente estabelecidos, porém sabe-se que provavelmente resultam da combinação de uma predisposição genética associada à múltiplos fatores ambientais, princi-palmente relacionados ao estilo de vida, que são potencialmente modificáveis.

A presença de hipertensão arterial não controlada, como já anteriormen-te citado, dobra a velocidade de progressão para cirrose. Os pacienanteriormen-tes por-tadores de EHNA têm maior mortalidade geral que a média da população,

porém um dado que chama a atenção é que portadores de EHNA morrem mais de doenças cardiovasculares e câncer do que de complicações diretas da doença hepática.

A prevalência e incidência de complicações cardiovasculares são maiores nos pacientes portadores de EHNA e síndrome metabólica quando compara-do com os pacientes portacompara-dores de síndrome metabólica sem EHNA, mos-trando que a doença gordurosa do fígado parece ser fator de risco isolado para doença cardiovascular. Isso justifica o fato de que todos os pacientes portadores de DHGNA devem ser investigados e estratificados quanto ao risco cardíaco para prevenção de eventos cardiovasculares.

A prevenção secundária de carcinoma hepatocelular no paciente portador de cirrose por EHNA deve ser feita com ultrassonografia semestral da mesma for-ma que para cirrose de outras etiologias. Os pacientes portadores de DHGNA, porém sem cirrose, também apresentam risco aumentado de carcinoma hepato-celular, porém a frequência de exames para rastreio ainda não está estabelecida.

A minoria dos pacientes com esteatose simples evolui para doença crô-nica, mas cerca de 20% dos portadores de EHNA evoluem para cirrose. A presença de fibrose é o principal fator prognóstico na EHNA, sendo pior quanto maior for o grau de fibrose.

A DHGNA ainda se constitui em grande desafio na hepatologia, tanto do ponto de vista do diagnóstico precoce e menos invasivo como, principal-mente, no que diz respeito ao tratamento, que ainda é bastante limitado, face à tamanha importância da enfermidade.

Referências

1. Schwenger KJP, Allard JP. Clinical approaches to non-alcoholic fatty liver disease. World J Gastroen-terol. 2014;20(7):1712-23.

2. Association E, et al. EASL-EASD-EASO Clinical Practice Guidelines for the management of non alco-holic fatty liver disease. J Hepatol 2016; 64: 1388-1402.

3. Ganesh S, Rustgi VK. Current Pharmacologic Therapy for Nonalcoholic Fatty Liver Disease. Clin Liver Dis 2016;20(2):351-64.

4. Sanyal AJ, Chalasani N, Kowdley KV, McCullough A, Diehl AM, Bass NM, et al. Pioglitazone, vitamin E, or placebo for nonalcoholic steatohepatitis. N Engl J Med 2010;362(18):1675-85.

5. Neuschwander-Tetri BA, Loomba R, Sanyal AJ, Lavine JE, Van Natta ML, Abdelmalek MF, et al.

Farnesoid X nuclear receptor ligand obeticholic acid for noncirrhotic, non-alcoholic steatohepatitis (FLINT): A multicentre, randomised, placebocontrolled trial. Lancet 2015;385(9972):956-65.

6. de Oliveira CPMS, Stefano JT, De Siqueira ERF, Silva LS, de Campos Mazo DF, Lima VMR, et al.

Combination of N-acetylcysteine and metformin improves histological steatosis and fibrosis in pa-tients with non-alcoholic steatohepatitis. Hepatol Res 2008;38(2):159-65.

7. Musso G, Gambino R, Cassader M, Pagano G. A meta-analysis of randomized trials for the treatment of nonalcoholic fatty liver disease. Hepatology. 2010;52(1):79-104.

8. Armstrong MJ, Gaunt P, Aithal GP, Barton D, Hull D, Parker R, et al. Liraglutide safety and efficacy in patients with non-alcoholic steatohepatitis (LEAN): A multicentre, double-blind, randomised, placebo--controlled phase 2 study. Lancet. 2016;387(10019):679-90.

9. Hossain N, Kanwar P, Mohanty SR. A Comprehensive Updated Review of Pharmaceutical and Nonpharmaceutical Treatment for NAFLD. Gastroenterol Res Pract. 2016;2016: 7109270.

A

resposta direta para esta pergunta seria: depende do risco do paciente.

Este risco está relacionado, basicamente, à história clínica do paciente e ao tipo e tempo de uso do anti-inflamatório (AINE).

Os AINES (incluindo o ácido acetilsalicílico-AAS), por sua ação anti-inflamatória, analgésica e antipirética, estão entre as medicações mais prescritas no mundo. De modo geral, são medicamentos seguros quando corretamente prescritos pelo médico. No entanto, em razão da frequência com que os AINES são utilizados, torna-se expressivo o percentual dos efeitos colaterais no aparelho digestivo, daí o porquê do interesse cada vez maior pela relação AINES/aparelho digestivo.

Estudos epidemiológicos sugerem que 15-40% de pacientes que utilizam AINES apresentam algum tipo de sintoma digestivo, sendo que 10% desses pacientes são obrigados a interromper o tratamento devido à severidade dos sintomas. Além disso, o uso de AINES aumenta de duas a cinco vezes o risco do desenvolvimento de úlcera gastroduodenal e suas complicações. A utilização de AAS, mesmo em doses baixas, como às utilizadas na prevenção de fenômenos tromboembólicos, aumenta o risco de hemorragia entre duas a quatro vezes, sendo considerada a causa mais frequente de hemorragia digestiva alta.

Todo o tubo digestivo pode sofrer a ação lesiva dos AINES. A maioria dos estudos da toxicidade dos AINEs no aparelho digestivo é direcionada para a ação agressiva sobre o estômago e o duodeno. No entanto, o esôfa-go, o delgado e o cólon são também locais das complicações decorrentes do uso dos AINEs.