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3. DA EFETIVIDADE NORMAS DO ARTIGO 170, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL,

3.2. PODER ECONÔMICO E A SOCIEDADE DE CONSUMO

3.2.1. PODER COMO MEIO DE COMUNICAÇÃO

3.2.1.1. ABORDAGEM ETIMOLÓGICA DA PALAVRA PODER

A palavra poder é plurissêmica e nossos dicionários a trazem como verbo transitivo direto, indireto ou intransitivo, cujas acepções são diversas172; figura, também, como substantivo que, tal como o verbo, apresenta diferentes significações173.

Muitas são as dificuldades terminológicas que derivam para nós da não correspondência dos termos alemães de “Poder” com aqueles italianos “Potere” e

em geral das línguas latinas (“Pouvoir”). (...) Desta perspectiva a palavra “Poder”

provêm do latim “Potere” derivado do latim arcaico “Posse”. Segundo o professor

de Filosofia Romanica da Universidade de Chicago, J. Corominas, a conjugação do citado verbo “Posse”, em latim clássico “resultava de uma complicada combinação de reações analógicas entre as formas de um antigo verbo simples, “Potere”, conservadas em língua tosca, e a combinação de “Potis Esse”, ser capaz, contraída em “Posse”. Em muitos autores modernos a noção vem sendo tratada com noções afins tais como as de: “capacidade”, “autoridade”, “potência”, “influência”, etc.174

Ainda com relação ao seu sentido etimológico, o termo poder, tomado em seu uso intransitivo, caracteriza um ato pleno, isto é, um ato que faz sentido em si, sem a necessidade de agregar-se a um verbo principal. Por outro lado, em seu uso transitivo, a palavra poder é

171 Id. Ibid., p. 07.

172 Veja-se, a propósito, a quantidade de acepções do verbo poder trazida pelo Dicionário Houaiss.

http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=poder&stype=k – acesso aos 20 de novembro de 2011.

173 Id., Ibid.

174 SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite dos. Poder Jurídico e Violência Simbólica. São Paulo : Cultural

modal, isto é, modaliza a ação designada por outros verbos175, característica essa que encontra suas raízes na acima mencionada origem latina dessa palavra (potere), que, no latim clássico, era um substantivo (potestas), o qual se relacionava com potência, trazendo consigo a ideia de possibilidade.176

Ao pensar em poder como potência, encontramos na expressão grega dynamis outra fonte de auxílio na busca por se conferir sentido à palavra poder. Dynamis traz consigo a noção de poder não apenas como mera possibilidade – tal como potestas traz –, mas como algo que se transforma em uma força compulsiva.177 É também o sentido que as demais derivações modernas da palavra envolvem, assim como o alemão Match, ao indicarem o caráter de potencialidade do termo poder, que é sempre um potencial de poder e não uma entidade imutável, mensurável e confiável, como a força e o vigor.178

Então, de um lado, temos a idéia de poder como algo que acopla a noção de possibilidade, de potência para começar alguma coisa. De outro lado, há também esse momento compulsivo da força, em que ter poder significa possuir, de alguma forma, força. Poder, no primeiro sentido, é sempre uma possibilidade que virá a ser atualizada. Poder é a relação entre possibilidade e atualização. O outro lado do sentido usual é o da dynamis ou do poder, que aparece da palavra dinâmica. Assim, a dinâmica é o dispositivo que gera energia, donde alguém dinâmico como alguém que possui energia, capacidade de ação, força energética. Quando olhamos esses

dois aspectos, podemos dizer que a noção de poder resulta de um jogo entre potência, possibilidade e atualização, e força para que isso aconteça. Ao falarmos do poder, estamos pensando em um jogo que vai dessa possibilidade concentrada à sua atualização completa, graças a um elemento de força energética.179– negritamos

O conhecimento das origens etimológicas da palavra poder, especialmente aquela advinda do termo dynamis, permite-nos identificar o poder como um processo e não como algo estático: ele atualiza-se e modifica-se de acordo com os parâmetros que lhe circundam, na medida em que a teoria do poder deve ser compreendida de acordo com a própria sociedade. E, ao entendermos o poder como um processo e, acima disso, um processo social, o visualizamos como um meio de comunicação.

175 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Estudos de Filosofia do Direito. 3. Ed., São Paulo : Atlas, 2009, p. 3. 176 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Poder Econômico e Gestão Orgânica. In: FERRAZ JUNIOR, Tércio

Sampaio. SALOMÃO FILHO, Calixto. NUSDEO, Fábio (org.). Poder Econômico: direito, pobreza,

violência, corrupção. Barueri : Manole, 2009, p. 19.

177 Id., Ibid.

178 ARENDT, Hannah. A condição humana. 11. Ed., Rio de Janeiro : Forense Universitária, 2010, p. 249-250. 179 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Poder Econômico e Gestão Orgânica. In: FERRAZ JUNIOR, Tércio

Sampaio. SALOMÃO FILHO, Calixto. NUSDEO, Fábio (org.). Poder Econômico: direito, pobreza,

O estudo do poder com base na teoria dos meios de comunicação traz a vantagem de podermos compará-lo com meios de comunicação de outro tipo, mediante formulações de questões equivalentes – comparação, por exemplo, com o dinheiro –, o que, de certa maneira auxilia não apenas a própria explicação do fenômeno poder, mas traz igualmente um interesse comparativo com campos de análise mais amplos e, também, um intercâmbio de pontos de vista teóricos dos mais diferentes tipos de meios. A teoria do poder obtém disto, além destes pontos de vista, a vantagem de uma visão global das formas de influência pelas quais pode ser tratada para além de uma concepção restritiva do poder, evitando, assim, a sobrecarga, frequentemente constatada, do conceito de poder com características de um processo de influências entendido demasiado vaga e amplamente.180 É dizer: afastamos, assim, o uso banalizado da expressão poder.

Feitos os apontamentos a respeito das noções etimológicas da palavra poder, que nos conduziram à sua compreensão como um processo e, portanto, como um meio de comunicação, essencial analisarmos o que seria, efetivamente, um sistema de comunicação, exame este que, por sua vez, demanda o estudo do próprio conceito de sistema.

3.2.1.2. LINGUAGEM, COMUNICAÇÃO E SISTEMA

Na mesma vereda trilhada acima para iniciarmos o estudo do poder, partimos aqui, para a análise de sistema, de suas raízes etimológicas. A palavra sistema encontra sua origem no grego systema, que, por sua vez, provém de syn-istemi, significando o composto, o

construído.181

De um ponto de vista histórico, partindo da noção de sistema no grego antigo, seus dois significados técnicos – ligados à música e à métrica – extinguiram-se com o mundo clássico, ao passo que os dois significados atécnicos – conjunto (acepção menos rigorosa) e organização do mundo (acepção mais rigorosa) – chegaram aos dias atuais182, passando pela

tradução do termo para o latim (systema), com o que, no que tange ao direito, deu-se início ao desenvolvimento de uma ordem jurídica sistemática, o que se vê, por exemplo, no Corpus

180 LUHMANN, Niklas. Poder. Brasília : Editora Universidade de Brasília, 1985, p. 05.

181 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Conceito de Sistema: uma investigação histórica a partir da obra

jusfilosófica de Emil Lask. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 1976, p. 9.

182 LOSANO, Mário. Sistema e Estrutura no Direito: das origens à Escola Histórica. v. 01, São Paulo : WMF

iuris de Justiniano.183

Após sua consolidação no direito e na teologia na Idade Média, o termo sistema passou a ser objeto de reflexão de inúmeros autores em meados do século XVII184, porém sempre sob a perspectiva, em geral, do sistema externo, isto é, como a organização lógica da exposição de uma disciplina185, conceito que alcançou seu apogeu com o pensamento de Kant.186 Apenas com o Iluminismo é que se deu início à afirmação de um discurso sobre o sistema interno e sobre o sistema externo187, que evoluiu até os dias atuais.

Hoje, encontramos ao menos quatro acepções principais para o vocábulo sistema, que pode significar: conjunto de partes coordenadas entre si; reunião de proposições, de princípios coordenados de modo a formarem um todo científico ou um corpo de doutrina; reunião, combinação de partes reunidas para concorrerem para um certo resultado; ou método, combinação de meios de processo destinados a produzirem um certo resultado.188

Um dos principais estudiosos da teoria dos sistemas, Ludwig von Bertalanffy, identificou a existência de determinados elementos dentro do sistema que assumem maior importância em face dos demais, os quais chamou de partes dirigentes.189 Essas partes dirigentes atuariam no que ele chamou como princípio da mecanização progressiva, consistente na centralização do sistema através da atuação destes elementos predominantes, que ganhariam papel dominante e passariam a determinar o comportamento do todo, a ponto de o sistema independer das relações entre os elementos e atuar como uma verdadeira máquina.190 Trata-se de importante visualização do sistema, que será retomada posteriormente.

Com base nessas acepções, temos que o termo sistema traz consigo as noções de ordem e de organização, isto é, de uma estrutura capaz de ordenar elementos a fim de que eles se relacionem. Todo sistema possui uma estrutura que serve para manter sua organização e sua identidade, e é essa estrutura, formada a partir das interações entre os elementos, que o

183 Id.Ibid., p. 22-26. 184 Id. Ibid., p. 60-62. 185 Id. Ibid., p. 88-90. 186 Id. Ibid., p. 127-133. 187 Id. Ibid., p. 208-210.

188 CARVALHO, Cristiano. Teoria do Sistema Jurídico – direito, economia, tributação. São Paulo : Quartier

Latin, 2010, p. 38.

189 BERTALANFFY, Ludwig von. Teoria Geral dos Sistemas. 4. Ed., Petrópolis/RJ : Vozes, 2009, p. 103. 190 MARTINS, Ricardo Marcondes. Abuso de Direito e a Constitucionalização do Direito Privado. São Paulo

diferencia de seu entorno.191 E a classificação dos elementos de um dado sistema só é alcançada a partir do processo de conhecimento, o qual, por seu turno, é construído pela linguagem.

(...) Há investigação psicológica do que ocorre no sujeito cognoscente, quer no momento do conhecimento empírico-sensível, quer na fase do conhecimento conceptual. Esse conhecimento através de conceitos requer a linguagem. Mediante a linguagem fixam-se as significações conceptuais e comunica-se o conhecimento. O conhecimento ocorre num universo-de-linguagem e dentro de uma comunidade-do- discurso.192

A sistematização, portanto, requer, em um primeiro momento, a tomada de consciência dos objetos, a qual, por sua vez, demanda sempre a instância da linguagem. Logo, todo sistema é constituído a partir da linguagem, que não deixa de figurar, ela própria, como um sistema a parte: enquanto sistema estático, a linguagem é código e enquanto sistema dinâmico, a linguagem é comunicação.

Os sistemas dinâmicos buscam preservar a sua integridade e a sua ordem interna constantemente, em permanente interação com o ambiente: enviando e recebendo informação incessantemente. Dessa forma, esses sistemas evitam a degradação interna, pois têm a capacidade de adotar estratégias para vencer as perturbações advindas do exterior. (...) Os sistemas estáticos dependem exclusivamente do seu projeto, pois não têm nenhuma capacidade auto-regulatória e tampouco podem se auto-produzir. Este tipo de sistema não tem capacidade de adaptação com o ambiente. (...) É importante, a fim de facilitar a compreensão, estabelecer que os sistemas dinâmicos constituem-se em constantes processos.193

Aliás, importante pontuar que, enquanto a comunicação somente se desenvolve a partir da linguagem, esta só tem desenvolvimento com a interação comunicacional, figurando, pois, ambas – linguagem e comunicação – como faces de um mesmo fenômeno, qual seja, a capacidade humana de processar e conceituar abstratamente os dados advindos da realidade.194 Os sistemas sociais, portanto, constituem-se apenas através da comunicação.

(...) os sistemas sociais só se constituem através da comunicação, por eles sempre

191 Id. Ibid., p. 43.

192 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o Sistema de Direito Positivo. 4. Ed., São Paulo : Noeses,

2005, p. 39-40.

193 CARVALHO, Cristiano. Teoria do Sistema Jurídico – direito, economia, tributação. São Paulo : Quartier

Latin, 2010, p. 44-45.

suposta, de que múltiplos processos de seleção se determinam mutuamente por antecipação ou por reação. É somente das necessidades de um acordo seletivo que se originam sistemas sociais assim como, por outro lado, tais necessidades só são experimentadas nos sistemas sociais. Assim como a evolução articula o sentido temporal do sistema social e a diferenciação o material, a comunicação articula o sentido social. A comunicação só se produz quando se compreende a seletividade de uma mensagem, o que significa: quando se emprega para a seleção um sistema próprio.195

Tendo como premissa que os sistemas sociais apenas constituem-se a partir da comunicação e que esta é linguagem enquanto sistema dinâmico, podemos concluir que o desenvolvimento dos meios de comunicação acompanha o progresso histórico da sociedade, tornando-se mais complexo à medida que a sociedade mostra-se mais avançada.

Em sociedades simples, a linguagem atua apenas para assegurar as obviedades da vida cotidiana, não esgotando seu potencial de afirmação e negação. Já em sociedades mais complexas, é necessária a diferenciação dos códigos de linguagem em geral e, também, de meios de comunicação especiais generalizados simbolicamente. Nesse ponto, inclusive, assinala Luhmann que o advento da escrita pode ser apontado como momento histórico para o desenvolvimento dos meios de comunicação.196

Antes de prosseguirmos, é importante consignar que a ampliação da complexidade social, com o consequente aumento da complexidade dos meios de comunicação, não interfere na constituição básica dos elementos do processo comunicacional. É dizer: os elementos essenciais do processo de comunicação – emissor, receptor, canal, código, mensagem e contexto – não são alterados com o aumento ou diminuição da complexidade social, muito embora ela atue de forma preponderante no desenvolvimento da linguagem e, pois, dos meios de comunicação.

195 LUHMANN, Niklas. Poder. Brasília : Editora Universidade de Brasília, 1985, p. 06. 196 Id. Ibid., p. 06-07.

Quadro 01 – Processo de comunicação197

Não obstante a complexidade social não altere a constituição básica do processo de comunicação, por outro lado, os valores de uma determinada sociedade influenciam, de maneira fundamental, na mensagem emitida e na recebida, atuando no código utilizado para a transmissão da mensagem.

O valor é algo que denota uma preferência de um sujeito na relação gnosiológica que ele estabelece para com algum objeto, no contexto da ação humana. (...) No campo da comunicação humana, os valores são um componente fundamental no código utilizado entre os emissores e os receptores das mensagens. Ao processar uma mensagem, o receptor utiliza seu filtro de valores como componente decodificador. Para compreender a mensagem, terá que buscar os valores utilizados pelo emissor na construção da mensagem, e isso se dá através do cotejo com o seu código de valores.198

Além disso, todos os meios de comunicação pressupõem situações sociais com possibilidades de escolha para ambas as partes (emissor e receptor), situações, pois, com seletividade duplamente contingente199 e que cujas seleções de ações são influenciadas, como visto, pela cadeia de valores que compõe o código utilizado na mensagem e o contexto no qual as partes estão inseridas. Em outras palavras, o emissor, ao transmitir a mensagem ao receptor, transmite-lhe conjunto de ações previamente selecionado a partir de sua gama axiológica individual. O receptor, por seu turno, ao escolher qual ação tomar dentre aquelas já

197 Quadro extraído de CARVALHO, Cristiano. Teoria do Sistema Jurídico – direito, economia, tributação.

São Paulo : Quartier Latin, 2010, p. 57.

198 CARVALHO, Cristiano. Teoria do Sistema Jurídico – direito, economia, tributação. São Paulo : Quartier

Latin, 2010, p. 35.

199 LUHMANN, Niklas. Poder. Brasília : Editora Universidade de Brasília, 1985, p. 06.

CANAL RECEPTOR EMISSOR CÓDIGO CONTEXTO MENSAGEM

selecionadas, o faz também de acordo com seu espectro de valores.

Se trouxermos todo o raciocínio até o momento desenvolvido ao estudo do fenômeno do poder, iremos identificá-lo como um meio de comunicação.

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