• Nenhum resultado encontrado

A efetividade do conteúdo normativo do artigo 170, da Constituição Federal, na sociedade de consumo MESTRADO EM DIREITO

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2019

Share "A efetividade do conteúdo normativo do artigo 170, da Constituição Federal, na sociedade de consumo MESTRADO EM DIREITO"

Copied!
130
0
0

Texto

(1)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Camila Kühl Pintarelli

A efetividade do conteúdo normativo do artigo 170, da

Constituição Federal, na sociedade de consumo

MESTRADO EM DIREITO

(2)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Camila Kühl Pintarelli

A efetividade do conteúdo normativo do artigo 170, da

Constituição Federal, na sociedade de consumo

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do Título de MESTRE EM DIREITO ECONÔMICO, sob a orientação do PROFESSOR DOUTOR NELSON NAZAR.

(3)
(4)
(5)

AGRADECIMENTOS

Aos meus amados pais, Elisabete e Mauro Augusto, pelo apoio incansável e pelo eterno carinho. Diariamente dispostos a ajudar no que fosse preciso para a concretização deste estudo, o amor de meus pais foi fundamental nesta fase da minha vida e certamente continuará a ser a força motriz de todos os meus futuros projetos. Também, à minha adorada irmã Caroline, que com palavras e gestos de incentivo, sempre esteve ao meu lado.

Ao meu querido noivo Thomas Augusto, companheiro amado de todas as horas desde que nos conhecemos em uma das aulas deste Mestrado. Fez com que essa etapa da vida fosse um motivo a mais para estarmos juntos, conseguindo transformar os momentos de estudo em lazer, com o que iluminou o desenvolvimento deste e de tantos outros projetos.

A todos os meus familiares, o que faço em nome de minha querida avó Amália, que sempre esteve presente nesta e em todas as conquistas de minha vida, abençoando-as com seu carinho.

Ao estimado Professor Doutor Nelson Nazar, por toda a paciência e todos os ensinamentos passados durante o curso, e também pela grande honra em ser sua orientanda e aluna durante este Mestrado, cujas valiosas aulas concorreram diretamente ao meu aprimoramento acadêmico e humano.

Aos Professores Doutores Carlos Roberto Husek e Thiago Lopes Matsushita, exemplos acadêmicos, que, tanto em suas aulas como em minha qualificação, proporcionaram-me inúmeras lições e sugestões para me auxiliar neste trabalho.

Aos Professores Doutores Consuelo Yoshida, Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos e Ricardo Hasson Sayeg, pela honra em poder ser aluna e participar de suas magníficas aulas.

Aos Doutores Cleber Masson e Nelson dos Santos Peixoto, brilhantes autoridades jurídicas, pela confiança e pelas constantes e sempre profícuas orientações profissionais.

À Professora Doutora Márcia Dinamarco, pela paciência e toda a ajuda sempre pontual e gentil, em nome de quem agradeço a todos os queridos amigos que fiz durante este Mestrado.

À Procuradoria Geral do Estado de São Paulo e aos meus colegas Procuradores do Estado de São Paulo, exemplos de dedicação e profissionalismo.

(6)

RESUMO

PINTARELLI, Camila Kühl. A efetividade do conteúdo normativo do artigo 170, da Constituição Federal, na sociedade de consumo. 2013. 130 p. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Pretendemos, com este trabalho, elaborar análise do déficit de efetividade que o conteúdo normativo do artigo 170, da Constituição Federal, vem apresentando em meio à sociedade de consumo, especialmente em decorrência da peculiar manifestação do poder econômico nesta sociedade econômica, para, ao final, demonstrarmos a importância de inserirmos a fraternidade como um elemento extrínseco ao sistema normativo, capaz de repercutir no plexo de valores existente na comunicação social desta sociedade e, consequentemente, atuar diretamente na migração daqueles preceitos normativos do plano do “dever ser” ao plano do “ser”. Desenvolveremos nosso estudo em quatro capítulos, discorrendo acerca de noções jurídicas fundamentais, da evolução da ordem econômica ao lado da evolução dos direitos humanos, do poder econômico e da sociedade de consumo, e, por derradeiro, da fraternidade.

(7)

ABSTRACT

PINTARELLI, Camila Kühl. The effectiveness of article 170, Brazilian Federal Constitution, precept in the consumption society. 2013. 130 p. Dissertation (Master Degree in Law) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

With this work, we intend to elaborate an analysis about the effectiveness crisis that the precept of the article 170, of Brazilian Federal Constitution, has been showing in the consumption society, especially as a result of the peculiar economic power manifestation in this economic society, in order to, by the end, we demonstrate de importance of insert, in this reality, the fraternity as external element to the normative system, able to reflect in the value complex existent in the social communication of this society, and, consequently, act directly in the migration of those normative precepts from the deontic plan to reality. For that, we will develop our study in four chapters, broaching about fundamental juridical notions, economic order and human rights evolution, economic power and consumption society, and, by the end, fraternity.

(8)

LISTA DE QUADROS

(9)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 11

1. CONCEITOS PRELIMINARES ... 19

1.1. APLICABILIDADE, EFICÁCIA E EFETIVIDADE: DIFERENÇAS FUNDAMENTAIS ... 19

1.2. NOÇÕES SOBRE NORMA, POSTULADO, REGRA E PRINCÍPIO: A PONDERAÇÃO AXIOLÓGICA NAS RELAÇÕES PRIVADAS ... 21

1.3. A ORDEM ECONÔMICA E A CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA ... 32

2. OS DIREITOS HUMANOS E A ORDEM ECONÔMICA BRASILEIRA ... 36

2.1. FORMAÇÃO DA ORDEM ECONÔMICA ... 37

2.1.1. A PRIMEIRA GERAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS ... 40

2.1.2. A SEGUNDA GERAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS ... 48

2.1.2.1. PÓS SEGUNDA GRANDE GUERRA ... 57

2.1.3. A TERCEIRA GERAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS ... 61

2.2. A CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA NA CARTA DE 1988 ... 64

3. DA EFETIVIDADE NORMAS DO ARTIGO 170, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, EM UMA SOCIEDADE DE CONSUMO: OS REFLEXOS DO PODER ECONÔMICO NA ORDEM ECONÔMICA BRASILEIRA ... 68

3.1. A SOCIEDADE ECONÔMICA: DA SOCIEDADE DE PRODUTORES À SOCIEDADE DE CONSUMO ... 70

3.2. PODER ECONÔMICO E A SOCIEDADE DE CONSUMO ... 77

3.2.1. PODER COMO MEIO DE COMUNICAÇÃO ... 78

3.2.1.1. ABORDAGEM ETIMOLÓGICA DA PALAVRA PODER . 79 3.2.1.2. LINGUAGEM, COMUNICAÇÃO E SISTEMA ... 81

3.2.1.3. O PODER COMO MEIO DE COMUNICAÇÃO ... 86

3.2.2. O PODER ECONÔMICO NA SOCIEDADE DE CONSUMO ... 89

(10)

3.3.1. DIREITO E ECONOMIA ... 97 3.3.2. AS IMPLICAÇÕES DO PODER ECONÔMICO NA ORDEM ECONÔMICA BRASILEIRA: A CRISE DE EFETIVIDADE DO CONTEÚDO NORMATIVO DO ARTIGO 170, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ... 98 3.3.2.1. A QUESTÃO DA AUTONOMIA PRIVADA E A POSSIBILIDADE DE UMA SOLUÇÃO QUE SEJA EXTRÍNSECA AO SISTEMA NORMATIVO ... 105

4. A FRATERNIDADE: PROPOSTA DE SOLUÇÃO ... 108

4.1. ETIMOLOGIA, FRATERNIDADE E RAZÃO, E FRATERNIDADE E SOLIDARIEDADE ... 110 4.2. A FRATERNIDADE COMO GARANTIA DA CONCRETIZAÇÃO MULTIGERACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS NA ORDEM ECONÔMICA ... 112

CONCLUSÃO ... 119

(11)

INTRODUÇÃO

Resultado cristalino da evolução histórica da ordem econômica, construída ao lado dos direitos humanos, a nossa Constituição Econômica reúne, em seu artigo 170, a disposição nuclear da ordem econômica brasileira. Sem olvidar a presença em todo corpo constitucional de outras normas com repercussão jus econômica (como decorrência da própria unidade da Constituição), é certo que a norma do citado artigo 170 compreende o plexo de princípios e fundamentos que devem nortear a atividade e as relações econômicas para o alcance da existência digna, objetivo da ordem econômica e fundamento da República Federativa do Brasil.

Art. 170, CRFB – A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I - soberania nacional; II - propriedade privada;

III - função social da propriedade; IV - livre concorrência;

V - defesa do consumidor;

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;

VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego;

IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

Desta sorte, a ordem econômica a que alude o artigo 170, caput, do texto

constitucional – isto é, mundo do ser, relações econômicas ou atividade econômica (em sentido amplo) – deverá ser dinamizada tendo em vista a promoção da existência digna que todos devem fruir1, mesmo porque o Brasil define-se como entidade política constitucionalmente organizada enquanto a dignidade da pessoa humana for assegurada ao lado da soberania, da cidadania, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e do pluralismo político (art. 1º, CRFB).

Por estarem atrelados à consecução deste bem maior, que é a dignidade da pessoa

(12)

humana, e por constituírem meios aptos à concretização de direitos e garantias fundamentais, bem como dos fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil, os princípios e fundamentos expressos no citado artigo 170, da Carta Maior brasileira, atraem a realização dos direitos fundamentais em todas as suas gerações.

Essas linhas iniciais deixam cristalina a ideia de que a ordem econômica brasileira, por estar sujeita ao regramento disposto na regra matriz do artigo 170, da Constituição Federal, deve ser construída e efetivada com base nos princípios ali expostos, dentre os quais está a dignidade da pessoa humana.

Não obstante isso, é fato inegável que temos nos deparado com situações concretas que questionam, no plano dos fatos, a eficácia social destes mandamentos constitucionais da ordem econômica.

Com efeito, passamos, neste último século, por substanciais mudanças na forma de comunicação social e, como resultado delas, presenciamos a transformação da nossa sociedade de uma sociedade de produtores em uma sociedade de consumidores. Até meados do século XX, vivenciávamos modelo social calcado na busca pela segurança a longo prazo, o que afastava, de certa maneira, a ânsia pelo consumo imediato de bens, propiciando o acúmulo de propriedades.2 A partir da década de 1970, esse modelo social começa a declinar, dando lugar a uma forma de comunicação social que associa a felicidade não tanto à satisfação de necessidades, mas a um volume e a uma intensidade de desejos sempre crescentes, o que, por seu turno, implica o uso imediato e a rápida substituição dos objetos – inclusive o próprio homem – destinados a saciar esta felicidade3. É a chamada sociedade de consumo.

No caso das relações econômicas, a alteração acima mencionada culminou com o surgimento de peculiar manifestação do poder econômico, cuja titularidade é despersonalizada e abstrata, assumindo o sentido nítido de organização e de gestão orgânica. Mesmo não tendo um titular específico – na medida em que pertence a toda uma organização –, essa manifestação do poder econômico volta-se à gerência racional da construção singular do processo econômico na sociedade de consumo, que é manifestado em um formato circular, no qual o indivíduo consome para aumentar a capacidade do próprio consumo e produz para

2 BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro : Zahar, 2008, p. 43.

(13)

aumentar a capacidade de produção, em uma espécie de retroalimentação.4

Em meio ao cenário acima descrito e diante da manifestação peculiar que o poder econômico assume, o comportamento econômico volta-se ao alcance de dois objetivos: resultados econômicos e garantia da vitalidade da própria estrutura circular que lhe deu origem e o mantém em funcionamento. A busca pela concretização destas duas metas faz com que os agentes econômicos – envoltos nessa estrutura – deixem paulatinamente de considerar os impactos negativos derivados do processo econômico, que surtem efeitos sociais, jurídicos e também econômicos. É dizer: afasta-se qualquer espécie de reflexão a respeito dos meios utilizados para o alcance de finalidades econômicas, com o que as externalidades negativas da atividade econômica são desconsideradas.

Dentre os meios acima citados, está o conteúdo normativo do artigo 170, da Constituição Federal, que desenha a ordem econômica brasileira a partir de um catálogo de princípios cuja concretude demanda necessariamente sua aplicação direta nas relações econômicas, com a finalidade de alcançar-se a dignidade da pessoa humana.

Ocorre que a concretude dos preceitos insculpidos no artigo 170, da Carta Maior, fica prejudicada diante do panorama ora descrito. De fato, a construção circular das relações econômicas passa a inviabilizar a própria incidência normativa destes princípios, o que contribui de maneira fundamental para o sucesso e a continuidade da manifestação do poder econômico da maneira acima descrita.

Aliás, envolto neste processo econômico, o agente econômico passa a agir de acordo com as informações disponíveis no próprio sistema social: age, portanto, com base em informações permeadas por valores da sociedade de consumo, o que lhe tolhe, por via de consequência, a liberdade plena de ação e de reflexão, deixando-lhe uma gama cada vez mais diminuta de possibilidades para agir. Essa circunstância – acrescida ao fato de que a própria estrutura do fenômeno poder, por si mesma, dá-se a partir de seletividade de ações5 – contribui para a disseminação deste sistema econômico circular, instalado com a transformação de nossa sociedade em uma sociedade de consumo.

A questão é atual. Com efeito, não se fazem necessárias pesquisas minudentes para nos depararmos, em notícias ou em casos levados à análise jurisdicional, com exemplos de

4 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Poder Econômico e Gestão Orgânica. In: FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. SALOMÃO FILHO, Calixto. NUSDEO, Fábio (org.). Poder Econômico: direito, pobreza, violência, corrupção. Barueri : Manole, 2009, p. 22-24.

(14)

relações econômicas construídas a partir da estrutura supra. Para ilustrar, citemos a recorrente prática empresarial de desrespeitar direitos trabalhistas como forma de conter gastos e, com isso, aplicar mais capital à atividade econômica, bem como auferir maior lucro, de modo a participar do mercado em condições desiguais de concorrência, causando, por via de consequência, prejuízos ao consumidor. Ou, ainda, os frequentes casos de grandes agentes econômicos que simplesmente olvidam as externalidades negativas que sua atividade econômica causa ao meio ambiente, tudo com vistas a implementar lucros e reduzir custos operacionais, em espaços de tempo cada vez mais curtos.

As práticas desenvolvidas nestes dois exemplos, extraídos de um amplo rol de situações fáticas, são ao mesmo tempo ecos e também a comprovação da estrutura do poder econômico desenvolvida na sociedade de consumo, qual seja, uma estrutura que, ignorando os direitos fundamentais para ser construída, propicia o aumento da capacidade produtiva do agente econômico, que, por sua vez, insere no mercado matérias-primas ou produtos em condições mais vantajosas, estimulando tanto a produção como o consumo, com o objetivo de continuar a aumentar sua capacidade de produção e prosseguir estimulando o aumento da capacidade de consumo, em um processo circular.

O cenário que temos, diante do poder econômico emergido da sociedade de consumo, traz à baila uma possível crise de efetividade das normas do artigo 170, da Constituição da República: o seu conteúdo normativo, embora constitua a regra matriz da ordem econômica brasileira e goze de eficácia jurídica, não vem sendo aplicado nessa realidade. É dizer: o “dever-ser” não está sendo transposto ao “ser” da sociedade de consumo por questões de conveniência do agente econômico, gerando, assim, um déficit de efetividade da norma constitucional e, por via de consequência, a concretização dos fins a serem alcançados pela ordem econômica brasileira torna-se nebulosa.

De outra banda, paralelamente ao panorama acima trazido, estamos vivenciando há algumas décadas um giro internacional em prol da realocação do ser humano e da dignidade da pessoa humana no eixo central das discussões jurídicas e sociais. Presenciamos, hoje, uma verdadeira humanização do direito internacional, capaz de possibilitar a construção de teorias e doutrinas voltadas à discussão de um direito único da humanidade, um Direito Universal da Humanidade.6

6 CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto. Os Rumos do Direito Internacional Contemporâneo: de um

Jus Inter Gentes a um Novo Jus Gentium no Século XXI. O Direito Internacional em um Mundo em

(15)

No âmbito do direito interno, esse movimento pode ser visto com meridiana clareza em nossa Constituição Econômica, que é a demonstração positivada de que a ordem econômica evoluiu historicamente ao lado do reconhecimento das diversas gerações de direitos fundamentais.

Essas duas realidades aparentemente conflitantes demandam harmonização, como forma de resguardar o próprio ser humano e, também, o processo econômico. Muito embora o combate e o monitoramento de práticas violadoras de direitos humanos sejam feitos, em regra, por órgãos internacionais, através de relatórios e comunicações interestatais previstos em tratados internacionais, é certo que outra maneira de manifestação do poder econômico, respeitadora dos direitos humanos, deve ser buscada e, para ser alcançada, não serão necessários apenas mecanismos formais de fiscalização e controle, mas também – e principalmente – uma verdadeira ruptura na forma de comunicação social que origina a manifestação do poder econômico e do processo econômico acima descritos. É nesse ponto que a fraternidade é inserida.

O presente trabalho será desenvolvido com vistas as demonstrar que a fraternidade, como um elemento externo ao Direito, ao ser inserida na relação comunicacional da sociedade de consumo, pode alterar a estrutura pela qual o poder econômico manifesta-se na atualidade e, por conseguinte, possibilitar a aplicação integral dos princípios da ordem econômica brasileira, de modo a garantir que estas normas constitucionais, insculpidas no artigo 170, da Carta Maior, tenham a devida força normativa na realidade, assegurando-se, assim, tanto a efetividade do conteúdo normativo deste preceito constitucional como, também, a observância, pelos agentes econômicos, dos direitos fundamentais nas relações econômicas.

Iniciaremos nossa análise trazendo três conjuntos de conceitos preliminares, cujo conhecimento é essencial para que o desenvolvimento do trabalho dê-se de forma linear, sem grandes interrupções textuais para o esclarecimento de expressões jurídicas ou de teorias doutrinárias, o que certamente surtiria impacto negativo na compreensão da ideia ora proposta.

(16)

Situaremos essas expressões no plano constitucional econômico brasileiro, o que será feito com base no estudo dos conceitos de Constituição Econômica e ordem econômica.

Feitos estes apontamentos iniciais, passaremos, então, à análise da evolução histórica da ordem econômica, o que faremos conjuntamente com o exame do reconhecimento das diversas gerações de direitos fundamentais, para demonstrar que a ordem econômica ostenta intrínseca relação com os direitos humanos, mesmo porque o próprio surgimento da noção moderna de mercado está atrelado aos direitos fundamentais de primeira geração.

O estudo concomitante da evolução histórica da ordem econômica com o reconhecimento das dimensões de direitos fundamentais trará subsídios para uma análise da nossa Constituição Econômica, em especial de seu artigo 170, cujo conteúdo normativo traz, positivados em princípios, direitos fundamentais das três gerações estudadas ao longo de nosso trabalho.

Demonstrada a interdependência existente entre a ordem econômica e os direitos humanos, passaremos então a questionar o déficit de efetividade que as normas do artigo 170, da Constituição Federal, vêm enfrentando no bojo da sociedade de consumo. Faremos isso a partir de uma análise inicial da transformação de nossa sociedade econômica em uma sociedade de consumidores, em texto desenvolvido predominantemente a partir das ideias do sociólogo Zygmunt Bauman e do estudioso dos processos de consumo Grant McCracken, cujas obras são, em nosso sentir, algumas das mais completas a respeito dos valores que imperam na sociedade moderna. Ao depois, refletiremos a respeito do processo comunicacional existente nessa sociedade e dos corolários trazidos à relação de poder – que, como é sabido, é uma relação de comunicação desenvolvida em um meio social –, para, então, estudarmos o modo como o poder econômico manifesta-se na sociedade de consumo.

(17)

jurídica no caso concreto pelo agente econômico.

Efetuadas as colocações a respeito da estrutura do poder econômico na sociedade de consumo, passaremos, então, ao ponto fulcral de nosso estudo, dando início à análise dos reflexos dessa estrutura na ordem econômica. Retomaremos, então, todos os conceitos preambularmente explorados e, cotejando-os com a necessária ligação existente entre a Constituição Econômica e os direitos humanos, passaremos a estudar como o conteúdo normativo do artigo 170, da Carta Maior, vem sendo ponderado no âmbito das relações econômicas privadas, de forma a demonstrar que a ausência de sua aplicabilidade integral na sociedade de consumo compromete a efetividade desta norma constitucional.

Situado o problema, isto é, a crise de efetividade da norma estatuída no artigo 170, da Constituição Federal, e constatado tratar-se de situação cuja causa reside no plano do “ser”, surge a necessidade de buscarmos uma solução que atenda, na maior medida do possível, os interesses do ser humano. Assim, daremos início à última etapa de nosso estudo, trazendo o conceito de fraternidade para compor a relação comunicacional desenvolvida na sociedade de consumo, com o escopo de tentar romper com a crise de efetividade instalada e reavivar a força normativa dos preceitos insculpidos em nossa Constituição Econômica, garantindo, assim, um processo econômico realizado com vistas a concretizar, de fato, a existência digna e a justiça social.

Para desenvolver nossos estudos, utilizaremos, como método de trabalho, textos doutrinários nacionais e estrangeiros, fazendo, ainda, pontuais citações jurisprudenciais e normativas. Ainda, no que diz respeito à abordagem metodológica, nosso estudo assume caráter essencialmente dogmático, com ênfase na dimensão analítica, isto é, na análise de conceitos e as relações existentes entre eles.

Nossa pesquisa será realizada sob um viés predominantemente ocidental, sobretudo quando da análise da evolução histórica da ordem econômica. Esse corte metodológico tem sua razão de ser no fato de que a ampliação do debate ora proposto, para nele inserir sistemas jurídicos muito díspares do brasileiro (como o de nações orientais, exempli gratia), poderia,

ao invés de colorir a pesquisa, comprometer o raciocínio aqui defendido, que se firma especificamente em um sistema jurídico ocidental, qual seja, o brasileiro.

(18)

para só então adentrar nas questões expostas em nosso Capítulo 1. Esse estudo preambular, apesar de relevante, não mostraria utilidade prática para os objetivos de nosso estudo, que analisa, como já dissemos, parcela do ordenamento constitucional integrante de sistema jurídico ocidental. Seria, portanto, um exame que estenderia em demasiado o estudo, sem agregar, contudo, fatos e fundamentos que influenciassem diretamente na conclusão aqui almejada.

Ainda, analisaremos todos os pontos do trabalho a partir de uma ótica do direito interno. Mesmo cientes de que os fenômenos globalizantes vêm interferindo sobremaneira na própria função desempenhada nos dias atuais por uma constituição dirigente (especialmente quando nos referimos às globalizações econômicas), é certo que buscamos, nesse trabalho, solucionar um problema que circunda a Constituição Federal brasileira de 1988, qual seja, a efetividade de uma de suas normas. Assim sendo, a despeito de podermos trazer, em alguns momentos, visões jurídicas estrangeiras ao estudo, todo nosso trabalho abordará temas de direito interno.

Em arremate, dada a multiplicidade de conceitos trabalhados ao longo do desenvolvimento deste estudo, as demais opções metodológicas serão esclarecidas oportunamente.

(19)

1. CONCEITOS PRELIMINARES

Lançaremos neste capítulo algumas ideias preambulares, essenciais à boa compreensão de nosso estudo. Iniciaremos discorrendo a respeito das diferenças fundamentais entre aplicabilidade, eficácia e efetividade, com o que firmaremos o conceito de efetividade, base para todo desenvolvimento do nosso trabalho. Em após, passaremos à análise das noções de norma, regra e princípio, exame este indispensável, uma vez que nosso campo de estudo é justamente o artigo 170, da Carta Republicana, composto pelos princípios da ordem econômica brasileira. Por fim, teceremos anotações a respeito de constituição econômica e de ordem econômica, com o intuito de situar, no plano normativo brasileiro, os conceitos de efetividade e de princípio dantes formulados.

1.1. APLICABILIDADE, EFICÁCIA E EFETIVIDADE: DIFERENÇAS FUNDAMENTAIS

Ao discorrermos acerca da aplicabilidade, da eficácia e da efetividade das normas constitucionais, trazemos à baila a questão da própria força normativa dos preceitos insculpidos no corpo da Carta Maior, possuidores de normatividade “qualificada” decorrente da supremacia da constituição no âmbito da ordem jurídica de um Estado Constitucional.7 Portanto, trata-se de discussão sempre atual, o que pode ser corroborado pelo número de vezes que a melhor doutrina revisitou o tema e pela presença constante da matéria nos mais conceituados manuais constitucionais.

Por eficácia estaremos a tratar, aqui, da eficácia jurídica da norma constitucional: da possibilidade (no sentido de aptidão) desta norma vigente (juridicamente existente) ser aplicada aos casos concretos e de – na medida de sua aplicabilidade – gerar efeitos jurídicos.8 Sabemos que o estudo da eficácia das normas constitucionais remonta à clássica divisão de Ruy Barbosa entre normas aplicáveis e não aplicáveis, havendo inúmeras classificações igualmente úteis a respeito do tema. Não obstante, foi a classificação elaborada por José Afonso da Silva a que mais se difundiu pelos ensinamentos do Direito Constitucional

7 SARLET, Ingo Wolfgang. MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito

(20)

pátrio, segundo quem as normas constitucionais são divididas em normas de eficácia plena, de eficácia contida e de eficácia limitada, e estas últimas subdivididas em normas de eficácia limitada de princípio institutivo e de princípio programático.9

Já a efetividade, também chamada de eficácia social, perpassa por outro sentido de aplicabilidade da norma constitucional. Com efeito, ela engloba tanto a decisão pela aplicabilidade da norma (juridicamente eficaz), quanto o resultado concreto decorrente – ou não – desta aplicação. Trata-se, nos dizeres de Kelsen, do fato real de ela ser efetivamente aplicada e observada, da circunstância de uma conduta humana conforme a norma verificar-se na ordem dos fatos.10 Ao analisarmos a efetividade de uma norma jurídica, inevitavelmente ingressamos em outras searas – social, econômica, cultural etc. – para verificar sua realização no caso concreto.

(...) há concepções meramente semânticas da efetividade (correspondendo ao termo

alemão Wirksamkeit), como encontramos, por exemplo, em Kelsen (...). Chamemos

esta noção de semântica, no sentido de que se estabelece como critério a relação entre o relato da norma com o que sucede da realidade referida. (...) O sentido semântico liga diretamente efetividade e obediência de fato, (...). Podemos dizer, em consequência, que, no nível semântico da análise, uma norma será tanto mais efetiva quanto mais as ações ou omissões exigidas ocorram. (...) A questão semântica nos obriga a considerar a questão – sociológica – dos motivos pelos quais a norma é ou não cumprida.11 negritamos

A efetividade (eficácia social) significa, pois, a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social com a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais.12 Trata-se do processo de migração do “dever ser” normativo para o plano do “ser” da realidade social, processo este que se encontra na dependência de uma série diferenciada e complexa de fatores, dos quais boa parte é mesmo exterior ao próprio domínio do direito constitucional.13

Portanto, a efetividade de uma norma jurídica é alcançada com a sua aplicação no mundo real, seja pelo aparelho estatal, seja pela atividade privada.

9 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 8. Ed., São Paulo : Malheiros, 2012, p. 81.

10 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 4. Ed., Coimbra : Armênio Amado Editor, 1979, p. 29.

11 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Teoria da Norma Jurídica. 4. Ed., Rio de Janeiro : Forense, 2009, p. 117-119.

12 BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. 8. Ed., Rio de Janeiro : Renovar, 2006, p. 82.

13 SARLET, Ingo Wolfgang. MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito

(21)

A eficácia jurídica, a efetividade e a aplicabilidade, embora fenômenos distintos, são noções conexas. Uma norma eficaz (juridicamente eficaz) será sempre aplicável, o que, contudo, não implica na sua necessária aplicação: ela poderá ou não ser aplicada, donde ingressamos no campo da eficácia social, em que a não aplicação implica no não alcance da efetividade da norma constitucional.14

Em regra, o preceito jurídico é voluntariamente observado e aplicado, razão pela qual a efetividade da norma resulta de seu cumprimento espontâneo (aplicação e concretização pelo homem enquanto membro daquele sistema jurídico) ou de seu cumprimento imposto, por meio da utilização do aparato de coação estatal (atividade jurisdicional, e.g.).

Em outros casos, porém, nem mesmo a ingerência das funções de Estado mostrar-se-á possível para garantir a efetividade da norma, já que ela poderá contrariar interesses particularmente poderosos, influentes sobre os próprios organismos estatais.15 Este último caso é exemplificado pela doutrina na instrumentalização da reforma agrária pelo Estatuto da Terra (Lei. 4504/64), pelo Ato Institucional n. 09/69 e pelo Decreto-lei n. 554/69, a qual jamais foi levada a efeito por contrariar a burguesia latifundiária, importante base de apoio político do regime militar implantado no Brasil em 1964.16

É exatamente a não realização da norma jurídica no mundo fenomênico que interessará mais de perto ao presente estudo, especificamente as dificuldades da transposição do “dever-ser” para o “ser” dos princípios jurídicos insculpidos no corpo do artigo 170, da Carta Republicana, na realidade social de consumo na qual atualmente vivemos, conforme retomaremos no Capítulo III.

1.2. NOÇÕES SOBRE NORMA, POSTULADO, REGRA E PRINCÍPIO: A PONDERAÇÃO AXIOLÓGICA NAS RELAÇÕES PRIVADAS

Obediente ao princípio da imputação, a norma jurídica é uma norma de comportamento cujo antecedente é ligado ao consequente por um vínculo deôntico e que, ao contrário das normas morais e religiosas, autoriza a obtenção da tutela jurisdicional, produzindo efeitos unilaterais (constituição de duas situações jurídicas) e efeitos bilaterais

14Id. Ibid., p. 158.

15 BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. 8. Ed., Rio de Janeiro : Renovar, 2006, p. 83.

(22)

(constituição de relação jurídica entre as duas situações jurídicas constituídas).17

Das diversas classificações de normas jurídicas apresentadas por prestigiada doutrina18, a que traz maior utilidade ao nosso estudo é aquela que distingue as regras dos princípios jurídicos, eis que se trata de classificação que considera as diversas fases pelas quais os conceitos de regra e de princípio jurídico passaram durante a evolução do pensamento jurídico.

Essa classificação, ademais, auxilia na própria compreensão do princípio.

De acordo com o mestre Paulo de Barros Carvalho, o direito positivo apresenta duas proposições fundamentais: a primeira, a de que é formado, única e exclusivamente, por normas jurídicas, apresentando todas o mesmo esquema sintático (implicação), ainda que saturadas com enunciados semânticos diversos; a segunda, a de que é um produto cultural e, portanto, portador de valores, os quais devem ser compreendidos pelo sujeito cognoscente.19

Se a formação do direito positivo é dada exclusivamente por normas e sendo ele um produto cultural e, por conseguinte, detentor de carga axiológica, mostra-se necessário diferenciar as espécies de normas que o compõem e, também, analisar a dimensão axiológica que permeia ambas, com o que estaremos prontos para definir o que seria princípio e como atualmente sua aplicação no mundo dos fatos é feita.

Partindo, então, da classificação de norma jurídica que a distingue em regra e princípio, e valendo-nos da evolução do conceito de princípio jurídico para construirmos nosso estudo, temos que, em uma primeira fase, a expressão princípio estava atrelada ao sentido comum do termo, isto é, princípios seriam os aspectos mais importantes de uma dada disciplina, seus verdadeiros fundamentos.20

Em um segundo momento, o conceito de princípio adquire feição mais técnica, passando a ostentar conteúdo normativo por agora integrar o sistema jurídico. Nessa fase, princípio jurídico, embora ainda não apresentasse status de norma jurídica – por lhe faltar a

17 MARTINS, Ricardo Marcondes. Abuso de Direito e a Constitucionalização do Direito Privado. São Paulo : Malheiros, 2010, p. 14-15.

18 Apesar de não mencionada no corpo do texto, convém lembrar a classificação trazida por Norberto Bobbio, tomando as normas jurídicas em um critério formal (gerais e abstratas; gerais e concretas; individuais e abstratas; individuais e concretas) e em um critério substancial (normas de comportamento e normas de estrutura). BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. São Paulo : Edipro, 2001, p. 178, e BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10. Ed., Brasília : Editora Universidade de Brasília, 1997, p. 45. 19 CARVALHO, Paulo de Barros. Princípios e Sobreprincípios na Interpretação do Direito. Direito Tributário

em Questão. Porto Alegre, v. 7, 2011, p. 143.

(23)

estrutura deôntica típica –, correspondia a determinados enunciados do direito possuidores de singular importância para a compreensão do sistema como um todo; era vetor de interpretação e critério ordenador das normas.21

Corresponde a esse período a memorável definição de princípio jurídico cunhada por Celso Antônio Bandeira de Mello, cujas lições, abaixo transcritas, deixam evidente a distinção entre norma e princípio.

Princípio é, pois, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico. (...) violar um princípio é muito mais grave que violar uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio violado, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.22

Os princípios, nesta fase, seriam normas de elevado grau de abstração (destinados a um número indeterminado de situações) e generalidade (dirigidos a um número também indeterminado de pessoas), exigindo, por tais motivos, aplicação influenciada por alto grau de subjetividade daquele que os aplicaria. As regras, por sua vez, apresentariam pouco ou nenhum grau de abstração (destinadas a um número quase determinado de situações) e de generalidade (dirigidas a um número quase que determinado de pessoas), demandando, assim, aplicação com pouca ou nenhuma influência de subjetividade do intérprete.23

Uma das críticas feitas a essa proposta de conceituação é a de que ela promove distinção fraca entre princípios e regras: ambos teriam as mesmas propriedades, porém em graus diferentes (os princípios seriam mais indeterminados, enquanto as regras seriam menos).24 Com isso, vem à baila uma inconsistência semântica, derivada definição de princípio baseada no elevado grau de abstração e generalidade: toda norma, por ser veiculada por meio da linguagem, é, em alguma medida, indeterminada, e não apenas os princípios. Em sendo a indeterminação algo comum entre ambas as espécies normativas – regra e princípio –,

21

Id. Ibid., p. 15 e 25.

22 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. 26. Ed., São Paulo : Malheiros, 2009, p. 53.

23 AVILA, Humberto. Teoria dos Princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 13. Ed., São Paulo : Malheiros, 2012, p. 91.

(24)

esse critério não se mostra adequado para distingui-las.25

Outra crítica diz respeito ao conteúdo valorativo dessa proposta de distinção, isto é, da concretização axiológica através da norma. Com efeito, todas as normas – e não apenas os princípios – estão destinadas ao alcance de determinada finalidade e, por isso, atuam como meio para a realização de valores. Nesse contexto, as regras materializam ao menos dois valores: o valor formal da segurança (possuem pretensão de decidibilidade inexistente no caso dos princípios) e o respectivo valor substancial específico, relativo à finalidade que lhe é subjacente.26 Logo, tanto regras como princípios possuem um aspecto valorativo (em maior ou menor grau), o que faz com que o critério axiológico também não se mostre apropriado para conceituar ambas as espécies e, por conseguinte, distingui-las.

Aliás, o critério axiológico permite a qualificação como princípios de certas normas que não ostentam as propriedades específicas do elevado grau de abstração e generalidade, como, exempli gratia, o princípio da anterioriedade tributária e da tipicidade penal.27

Volvendo à linha de evolução dos princípios e sem superar esta segunda etapa – porém a ela somando-se –, deu-se início uma terceira fase deste conceito. Nela, os princípios jurídicos têm a estrutura lógica de norma jurídica, sendo, portanto, passíveis de aplicação direta no mundo fenomênico.28 Vêm à tona, então, as construções doutrinárias que diferenciam regra e princípio com base em argumentos estruturais, das quais as lições de Robert Alexy, precedidas pelas de Ronald Dworkin, são, sem dúvida, as que mais contribuíram para consolidação deste conceito de princípio.

Para Alexy, em célebre lição, princípios são normas que ordenam a realização de algo na maior medida do possível, dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Por outro lado, as regras são normas que sempre são satisfeitas ou não satisfeitas, isto é, são normas que exigem cumprimento pleno, contendo determinações no âmbito do que é fática e juridicamente possível, aplicáveis por meio da subsunção.29

Compreendendo os princípios como a positivação de valores, Alexy propõe que, diante da colisão de princípios (conflito entre valores), seja feito o sopesamento dos pesos

25

Id. Ibid., p. 92.

26Id. Ibid.

27Id. Ibid., p. 92-93.

28 MARTINS, Ricardo Marcondes. Abuso de Direito e a Constitucionalização do Direito Privado. São Paulo : Malheiros, 2010, p. 15-16.

(25)

envolvidos nos princípios incidentes em determinado caso concreto30; é a chamada ponderação.

A ponderação dá-se na terceira fase do procedimento da proporcionalidade.

Explica-se: a proporcionalidade em sentido amplo consiste num procedimento de

três fases, a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito, em que cada fase é subsidiária em relação à outra. O exame da necessidade só ocorre se a medida for considerada adequada, o exame da proporcionalidade em sentido estrito só ocorre se a medida for considerada necessária. Se o meio não for adequado à concretização do fim, é considerado desproporcional. O meio não será necessário se existir outro que, de forma tão eficaz quanto ele, acarrete menor limitação dos outros princípios incidentes. A proporcionalidade em sentido estrito consiste na ponderação dos princípios incidentes: mediante ela apura-se o peso dos princípios,

decide-se qual será concretizado e qual o meio de sua realização.31

O conceito trazido por Alexy para princípios jurídicos sem dúvida ostenta enorme relevância para o estudo do Direito e não pode ser olvidado em um tópico como este. Contudo e na atualidade, essa construção também é alvo de críticas variadas, que acabam por agregar novos elementos à compreensão dos princípios jurídicos.

A distinção entre regras e princípios proposta por Alexy baseia-se, fundamentalmente, no modo de aplicação de ambas as espécies normativas e de solução de antinomias que surgem entre elas, no que vem à tona a acima citada ponderação. Ocorre que o modo de aplicação de ambas as normas, se subsunção ou se ponderação, não é um critério adequado para diferenciá-las e, por conseguinte, para conceituar princípio, pois a aplicação de todas as normas (regras e princípios) demanda um processo de ponderação. É o que vemos, por exemplo e no caso das regras, na decisão a respeito da aplicabilidade de um precedente judicial ao caso em exame e, também, na analogia.32

As regras não fogem a esse padrão, na medida em que se submetem tanto a uma ponderação interna quanto a uma ponderação externa: sofrem uma ponderação interna porque a reconstrução do conteúdo semântico da sua hipótese e da finalidade que lhe é subjacente depende de um confronto entre várias razões em favor de alternativas interpretativas (exemplo: definição do sentido de livro para efeito de

determinação do aspecto material da regra de imunidade); submetem-se a uma ponderação externa nos casos em que duas regras, abstratamente harmoniosas, entram em conflito diante do caso concreto sem que a solução para o conflito envolva a decretação de invalidade de uma das duas regras (exemplo: uma regra que

30Id. Ibid., p. 92-93.

31 MARTINS, Ricardo Marcondes. Abuso de Direito e a Constitucionalização do Direito Privado. São Paulo : Malheiros, 2010, p. 34.

(26)

determina a concessão da antecipação de tutela para evitar dano irreparável e outra regra que proíbe a antecipação se ela provocar despesas para a Fazenda Pública).33

Aliás, a aceitação sem ressalvas do critério de distinção proposto por Alexy (baseado no modo de aplicação e de solução de antinomias) conduz à banalização do funcionamento das regras, na medida em que pode transformá-las em normas aplicáveis de forma automática, sem a prévia ponderação34, dando margem a situações esdrúxulas, como, dentre outras, a clássica cena do cego e do seu cão-guia, que são barrados em determinado local, no qual é vedada a entrada de animais, sem que tenha havido a ponderação entre a razão da restrição criada e a proibição dela decorrente.

Além disso, a utilização da ponderação como critério definidor dos princípios mostra-se temerária na prática. Isso porque, classificar uma norma como princípio apenas pelo fato de sua aplicação decorrer de processo de ponderação, além de olvidar a possibilidade deste método também ser aplicado às regras, conduz, em última análise, ao afastamento de determinados princípios no caso concreto. Em outras palavras, em razão da ponderação, os princípios passariam de normas jurídicas a preceitos que podem ou não ser levados em consideração – tal como um conselho –, o que fulmina o caráter jurídico normativo destas normas.35

Antes de prosseguir, importante consignar que não estamos eliminando totalmente a ponderação no processo de aplicação da norma (princípio ou regra), mas apenas demonstrando que a distinção entre as espécies normativas não pode residir unicamente no processo ponderativo como forma de solução do conflito normativo instalado entre princípios. Importante observar, ainda e na esteira da citação acima transcrita, que a correlação entre proporcionalidade em sentido estrito e ponderação, no que diz respeito à aplicação dos princípios, também pode levar o aplicador da norma a algumas imprecisões. Com efeito, a proporcionalidade não é o único procedimento válido de aplicação de normas jurídicas e, portanto, suas três fases internas (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito) não podem ser tomadas como exclusivas para fins de aplicação dos princípios. Há, de fato, outros postulados que incidem na aplicação das normas, e a utilização indiscriminada da proporcionalidade – equiparando sua última fase, inclusive, com o processo de ponderação – pode e conduz a equívocos de ordem prática.

33

Id. Ibid.

(27)

De acordo com Ávila, além das regras e dos princípios, deve ser visualizada na sistemática jurídica brasileira uma norma jurídica de segundo grau: o postulado. Os postulados são normas imediatamente metódicas que instituem os critérios de aplicação de outras normas situadas no plano do objeto da aplicação; qualificam-se, assim, como normas sobre a aplicação de outras normas, ou seja, meta normas.36

Essas metanormas diferem do chamado sobreprincípio, o qual consiste no conjunto de princípios que operam para realizar, além dos respectivos conteúdos axiológicos, outros primados de maior hierarquia.37 É o caso, extraído da festejada doutrina de Paulo de Barros Carvalho, do sobreprincípio da segurança jurídica, efetivado pela atuação dos princípios da legalidade, da igualdade, da universalidade da jurisdição etc., e também o sobreprincípio da justiça, que pode ser extraído do próprio preâmbulo da Carta Constitucional de 1988.38

Dentre os supracitados postulados, encontramos, exemplificativamente, o postulado da concordância prática, que direciona a ponderação (seja de regras, seja de princípios) à realização máxima de valores que se imbricam; o postulado da proibição do excesso, através do qual se proíbe a restrição excessiva de qualquer direito fundamental.39 Podemos, também, visualizar a igualdade como postulado: além da regra e do princípio da igualdade, teríamos o postulado da igualdade, estruturando a aplicação do Direito em função de elementos (critério e finalidade da diferenciação) e da relação entre eles (consonância do critério adotado diante do fim buscado).40

Ainda, encontramos dentre os postulados ,o postulado da razoabilidade, que atua de modo a harmonizar a norma geral ao caso individual (equidade), harmonizar a norma com suas condições externas de aplicação (congruência) e, ainda, exigir uma relação de equivalência entre a medida adotada e o critério que a dimensiona (equivalência). É uma relação, como vemos, entre critério e medida.41

E, também, há o postulado da proporcionalidade, que pressupõe relação de causalidade entre o efeito de uma ação (meio) e a promoção de um estado de coisas (fim). A adoção do

36Id. Ibid., p. 143.

37 CARVALHO, Paulo de Barros. Princípios e Sobreprincípios na Interpretação do Direito. Direito Tributário

em Questão. Porto Alegre, v. 7, 2011, p. 141.

38 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: linguagem e método. 4. Ed., São Paulo : Noeses, 2011, p. 276 e 289.

39 AVILA, Humberto. Teoria dos Princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 13. Ed., São Paulo : Malheiros, 2012, p. 166-167.

(28)

meio promove o fim.42

Todos os postulados acima citados atuam como metanormas, instituindo os critérios de aplicação de outras normas situadas no plano do objeto da aplicação.

Se aceitarmos a presença no sistema jurídico brasileiro dos postulados, surge outra crítica à doutrina de Alexy. Podemos afirmar e reiterar, em primeiro lugar, que a ponderação não é critério único e invencível de distinção entre regras e princípios. Em segundo lugar, e agora tomando a ponderação como critério comum de aplicação tanto das regras como dos princípios, não podemos simplesmente equipará-la à proporcionalidade ou a um de seus elementos (proporcionalidade em sentido estrito), uma vez que o sistema jurídico brasileiro abraça outras metanormas que igualmente norteiam a aplicação das regras e princípios, dentre as quais está a razoabilidade.

Prosseguindo em nosso estudo e diante da evolução do conceito de princípio até então trazida, podemos afirmar que a aplicação dos princípios e regras permite a utilização complementar dos métodos de subsunção e de ponderação, o que, inclusive, vem de encontro ao que a moderna doutrina defende a respeito do modo de aplicação das normas jurídicas (princípios e regras), isto é, uma aplicação que seja feita simultaneamente por meio da subsunção e da ponderação, considerando ambos como métodos complementares de aplicação de normas jurídicas.43 Assim sendo, os princípios jurídicos são aplicados in concreto tanto por

meio da subsunção como da ponderação, sendo que ambos métodos entrelaçam-se em um processo de aplicação integral da norma.

Aliás, a utilização complementar de ambos os métodos coaduna-se com a teoria tridimensional do Direito, segundo a qual a norma seria o resultado da valoração de determinado fato concreto. Assim sendo e na esteira do já aludido supra, tanto a regra como o princípio, pelo simples fato de serem ambos normas jurídicas, trariam consigo – guardadas as devidas proporções – uma maior ou menor carga valorativa, que autorizaria, assim, a utilização dos dois institutos na aplicação das normas jurídicas.

Feita essa evolução do conceito de princípio – cotejando-a com a distinção entre princípios e regras – e diante do fato de que as duas últimas fases adensam-se, estando a primeira fase superada, coexistem atualmente duas realidades distintas sob o mesmo epíteto de princípio: princípio enquanto mandamento nuclear (segunda fase) e princípio enquanto

42

Id. Ibid.,p. 181 e ss.

(29)

norma que ordena a realização de algo na maior medida do possível (terceira fase)44, o que exige do intérprete um necessário esclarecimento vestibular a respeito da noção exata de princípio com a qual se estará a trabalhar, ainda que ambas não se anulem.

O termo princípio é plurívoco. Isso, em si, não significa nenhum problema.

Problemas só surgem a partir do momento em que o jurista deixa de perceber esse fato e passa a usar o termo como se todos os autores a que ele fazem referência o fizessem de forma unívoca. (...) se se parte, por exemplo, da definição de Celso Antônio Bandeira de Mello, que expressa bem o que o jurista brasileiro costuma entender por princípio, é preciso rejeitar a distinção de Alexy. Isso porque o conceito de princípio, na teoria de Alexy, é um conceito que não faz referência à fundamentalidade da norma em questão. (...) Por isso, um princípio poder ser um ‘mandamento nuclear do sistema’, mas pode não o ser, já que uma norma é um princípio apenas em razão de sua estrutura normativa e não de sua fundamentalidade. (...).45– negritamos

Sem ignorar a existência de inúmeras e brilhantes definições de princípio jurídico, em nosso estudo compreenderemos princípio como norma jurídica autônoma que, positivando um valor, atua na interpretação e na invalidação de regras, bem como na disciplina de condutas, o que abrange, também, as condutas e os atos jurídicos emanados do particular46, lembrando, todavia, que a adoção dessa concepção não faz com que o termo princípio deixe de representar um valor fundamental ao sistema, na medida em que, conforme antes pontuado, a segunda e a terceira fases do conceito de princípio somam-se uma à outra.

Ao mesmo tempo, portanto, em que princípio apresentaria a estrutura acima descrita – o que, em um primeiro momento, o aproximaria da regra –, ele também permanece representando opções axiológicas fundamentais do sistema jurídico.

Dessa maneira, os princípios estruturantes da ordem econômica brasileira, estatuídos no corpo do artigo 170, da Carta Maior, e previstos ali como forma de concretizar a existência digna e a justiça social, são considerados normas jurídicas autônomas, positivadoras de valores existentes no seio social, que atuam na interpretação e na invalidação de regras jus econômicas, bem como na disciplina de condutas jurisdicionais, administrativas e, igualmente, dos agentes econômicos diante do fato econômico. A aplicação de tais princípios da ordem econômica, normas jurídicas que são, observarão, pois, os métodos da subsunção e

44Id. Ibid., p. 27.

45 SILVA, Virgílio Afonso da. A Constitucionalização do Direito: os direitos fundamentais das relações

entre particulares. São Paulo : Malheiros, 2011, p. 35-36.

(30)

da ponderação.

Abrindo parênteses para refletirmos sobre a questão dos princípios estruturantes da ordem econômica brasileira, interessante inserir, aqui e mais uma vez, a noção de sobreprincípio. Acima dissemos que os sobreprincípios, nas lições do grande mestre Paulo de Barros Carvalho, são conjuntos de princípios que operam para realizar, além dos respectivos conteúdos axiológicos, outros primados de maior hierarquia.

Se visualizarmos essa lição na ordem econômica brasileira, podemos concluir que o artigo 170, da Constituição Federal, consagra em seu caput o sobreprincípio da dignidade

humana e o sobreprincípio da justiça social, os quais são formados pelos princípios descritos no corpo da norma, que operam e devem ser aplicados para realizar, além de seus próprios conteúdos axiológicos, os primados que trazem consigo e que refletem a base axiológica adotada pelo constituinte.

Feita essa observação, prosseguimos.

Os princípios, no sentido aqui adotado, incidem de modo a disciplinar e a ensejar a ponderação também nas relações privadas, e não apenas com relação às funções estatais (Legislativa, Administrativa e Jurisdicional). Estas últimas, por estarem atreladas ao interesse público, devem apurar no caso concreto os fins a serem alcançados pelo Estado, fazendo-o por meio do sopesamento dos princípios, os quais, como dito, traduzem a positivação de valores.

Já com relação ao âmbito privado, os princípios também incidem e demandam ponderação, o que equivale a dizer, em verdade, que direitos fundamentais têm aplicabilidade no âmbito das relações privadas, na medida em que os direitos fundamentais consistem na opção axiológica objetiva do constituinte e, em sendo os princípios representações positivadas de valores, nada mais lógico do que equipararmos as expressões acima mencionadas.

O tema da aplicabilidade dos direitos fundamentais às relações privadas (Drittwirkung) insere-se nesse contexto [da superação do legalismo existente no

regime nazista, utilizado para justificar as atrocidades ali cometidas]. Para evitar equívocos, é mister esclarecer de forma peremptória, esclarecimento que infelizmente não costuma ser feito por quem trata do assunto: essa expressão quer dizer ponderação de princípios nas relações privadas.47

(31)

Sem olvidarmos aqui a existência de ao menos três teorias a respeito da aplicabilidade dos direitos fundamentais no âmbito das relações privadas (ou ponderação de princípios nas relações privadas, por se tratarem de expressões equivalentes, como visto acima) – da ineficácia (state action), da eficácia indireta e mediata e da eficácia direta e imediata48 –,

seguimos com aquela que prega a incidência direta dos direitos fundamentais no âmbito privado, isto é, a de que a ponderação de princípios nas relações privadas não demanda regras intermediárias ou cláusulas gerais, decorrendo diretamente do disposto em nossa Carta Maior, especialmente da consagração da dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, CRFB).

Aliás, ao aceitarmos que os princípios são aplicáveis concomitantemente pelos métodos da subsunção e da ponderação, não há outra conclusão alcançável senão a que admite a eficácia (jurídica) direta e imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas.

Segundo Daniel Sarmento, a própria compreensão de que o princípio da dignidade da pessoa humana representa o centro de gravidade da ordem jurídica, que legitima, condiciona e modela o direito positivado, impõe a adoção da teoria da eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações entre particulares. Nesta senda, condicionar a garantia da dignidade do ser humano nas suas relações privadas à vontade do legislador, ou limitar o alcance das concretizações daquele princípio à interpretação das cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados do Direito Privado, significa abrir espaço para que, diante da omissão do Poder Legislativo, ou da ausência de cláusulas gerais apropriadas, fique irremediavelmente comprometida uma proteção, que, de acordo com a axiologia constitucional, deveria ser completa e cabal.49

Ainda para o prestigiado autor, a incidência dos direitos fundamentais na esfera das relações entre particulares mostra-se incontornável ante o fato de que a opressão e a violência contra a pessoa proveem não apenas do Estado, mas de uma multiplicidade de atores privados, presentes em inúmeras esferas, como o mercado.50 Trata-se de importante constatação, que assume especial relevo em nosso estudo e que ficará ainda mais cristalina com o desenvolver do texto, sobretudo quando dermos início à análise do poder econômico oriundo da sociedade de consumo, no Capítulo III.

48 Por todos, SARMENTO, Daniel. A Vinculação dos Particulares aos Direitos Fundamentais no Direito Comparado e no Brasil. In: BARROSO, Luis Roberto (org.). A nova interpretação constitucional. Rio de Janeiro : Renovar, 2003, p. 193-284.

(32)

Firmada essa premissa e trazendo esse raciocínio ao artigo 170, da Constituição Federal, temos que os atos e negócios jurídicos praticados pelos agentes econômicos necessariamente deverão ser sopesados à luz da principiologia ali traçada – que tem incidência direta nas relações privadas – com a finalidade de alcançar a existência digna e a justiça social.

É certo, e não podemos negar, que a incidência horizontal dos direitos fundamentais não poderia conduzir o particular – no caso, o agente econômico – a abdicar de sua autonomia privada constitucionalmente consagrada a fim de buscar sempre a satisfação dos interesses alheios, tal como ocorre impositivamente com a Administração Pública, cujas funções voltam-se à realização do interesse público.

Por outro lado, a ampliação da autonomia privada e da liberdade do agente econômico em seus atos e negócios jurídicos pode conduzir ao comprometimento da concretização do rol de princípios estatuídos no artigo 170, da Carta Magna pátria, isto é, pode ensejar a não aplicação destes princípios no caso concreto (não haverá a realização do “dever-ser” no plano do “ser”), dando causa ao questionamento da efetividade das normas ali estatuídas, conforme raciocínio alhures desenvolvido.51

Este será o cenário que volveremos a analisar adiante em nosso trabalho, especificamente desenvolvendo a questão da comunicação social existente na sociedade de consumo e de seus efeitos à concretização da norma constitucional nas relações privadas. Eis, portanto, a importância de trazermos, em caráter preliminar, as anotações ora lançadas, que serão retomadas em caráter mais específico no Capítulo 3 de nosso estudo.

1.3. ORDEM ECONÔMICA E CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA

Firmadas as premissas de que efetividade consiste na realização do “dever-ser” no plano do “ser” e de que princípios jurídicos atualmente são compreendidos como normas jurídicas e têm incidência direta e imediata no âmbito privado, impõe discorrermos acerca do que vêm a ser ordem econômica e constituição econômica, para que possamos apresentar as similitudes e diferenças entre ambas as noções, bem como para que os conceitos

(33)

anteriormente trazidos possam ser situados no sistema normativo, a fim de delimitarmos nosso objeto de estudo, que é uma das normas da Constituição Econômica brasileira.

Ordem econômica é a parcela da ordem jurídica (mundo do “dever-ser”) que compreende o conjunto de normas que institucionaliza uma determinada ordem econômica (mundo do “ser”).52

Constituição econômica, por seu turno, é o conjunto de preceitos e instituições jurídicas (mundo do “dever-ser”) que, garantindo os elementos definidores de um determinado sistema econômico, instituem uma determinada forma de organização e funcionamento da economia (mundo do “ser”) e, constituem, por isso mesmo, uma determinada ordem econômica.53

A constituição econômica pode ser formal ou material: a primeira, consistindo em parcela da constituição que abriga e interpreta o sistema econômico, e a segunda compreendendo todas as normas de cunho econômico, previstas ou não no texto constitucional, que se destinem a concretizar os postulados descritos na Carta Maior e os fins da ordem econômica (no caso do Brasil, a existência digna e a justiça social – art. 170, caput,

CRFB). Pérez Luño, abordando a constituição econômica em sua acepção material, assim a conceitua:

La ordenación constitucional de la economía, o sea, la Constitución económica, se concreta en una serie de principios y de normas que define el sistema económico, fijando sus metas, determinando las reglas de su funcionamiento y determinando también las formas de actuación de los distintos sujetos económicos. Por tanto, dentro de la Constitución económica se integran aquellos derechos fundamentales de carácter social y contenido prioritariamente económico.54

Vemos que ambos os conceitos acima trazidos – de ordem econômica e de constituição econômica – guardam notória similitude55. Sem embargo do evidente ponto de contato que existe entre ambas as expressões, é certo que a ordem econômica (mundo do “dever-ser”) acaba por abranger o conceito de constituição econômica, na medida em que a primeira elenca todas as normas que têm por objeto as relações econômicas, enquanto a

52 GRAU, Eros. A ordem econômica na Constituição de 1988. 13. Ed., São Paulo : Malheiros, 2008, p. 70. 53 MOREIRA, Vital. Economia e Constituição: para o conceito de Constituição Econômica. Coimbra :

Faculdade de Direito, 1974, p. 5.

(34)

segunda é composta apenas por aquelas que possuem caráter fundamental56, ainda que esse caráter lhes tenha sido conferido apenas pelo status constitucional da norma (constituição econômica formal). Veremos melhor no Capítulo 2 o evoluir da disciplina econômica na história, oportunidade em que poderemos pontuar a constitucionalização da ordem econômica.

No caso brasileiro, a norma mestra da ordem econômica (mundo do “dever-ser”) está insculpida no já transcrito artigo 170, da Constituição Federal, que integra nossa Constituição Econômica e disciplina, através dos princípios estatuídos em seu corpo, a ordem econômica pátria (mundo do “ser”), para o alcance da existência digna e da justiça social. Esses dois objetivos estão diretamente atrelados com o fundamento de nossa República Federativa, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CRFB).

O que é importante frisar, antes de arrematarmos, é que a efetividade da ordem econômica (mundo do “dever-ser”) ou da constituição econômica (material ou formal) depende, pois, de sua realização e concretização na ordem econômica (mundo do “ser”) por ela institucionalizada juridicamente, o que demanda a aplicação, através de subsunção e ponderação, das normas jurídicas (regras e princípios) por ela estatuídas.

Enfim, em sendo a efetividade a materialização da norma jurídica no mundo dos fatos por meio de sua realização; compreendendo-se os princípios como espécies de normas jurídicas e aceitando sua incidência direta e imediata no âmbito privado (até mesmo para assegurar sua efetividade enquanto norma); e, ainda, verificando que a norma matriz da ordem econômica brasileira e de nossa Constituição Econômica (art. 170, CRFB) é composta por princípios que norteiam a atividade econômica, temos que é a realização concreta destes mesmos princípios que assegurará a efetividade da ordem econômica brasileira.

Na sociedade de consumo contemporânea, conforme estudaremos adiante, vivemos uma realidade em que a irradiação dos princípios da ordem econômica às relações privadas encontra-se prejudicada diante da peculiar construção do poder econômico dela derivada, a qual, manifestando-se de maneira circular, prestigia resultados em detrimento dos meios adotados para o alcance dessas metas. Com isso, afasta-se da relação econômica qualquer espécie de ponderação axiológica das externalidades negativas que uma atividade ou conduta cause à sociedade e aos demais agentes econômicos envolvidos.

Referências

Documentos relacionados

Disto decorre que cada entidade sindical minimamente representativa deverá, num futuro próximo, escolher, em primeiro lugar, um dado mix de serviços,sejam de de natureza

Neste estágio, assisti a diversas consultas de cariz mais subespecializado, como as que elenquei anteriormente, bem como Imunoalergologia e Pneumologia; frequentei o berçário

Estudos sobre privação de sono sugerem que neurônios da área pré-óptica lateral e do núcleo pré-óptico lateral se- jam também responsáveis pelos mecanismos que regulam o

psicológicos, sociais e ambientais. Assim podemos observar que é de extrema importância a QV e a PS andarem juntas, pois não adianta ter uma meta de promoção de saúde se

Finally,  we  can  conclude  several  findings  from  our  research.  First,  productivity  is  the  most  important  determinant  for  internationalization  that 

5.1 Estimativa do tamanho da área para implantação do aterro sanitário Para dimensionar a área necessária para implantação do aterro sanitário fez-se necessário pesquisar e

Fig. Jurassic-Cretaceous geological evolution for the West Gondwana and its relationship with zeolite-cemented sandstone. A) During the Jurassic, quiescence periods without

De acordo com os estudos realizados por Heinrich (1931, 1959), versou-se que os acidentes no trabalho eram motivados por cinco fatores que se desencadeavam como peças