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3. DA EFETIVIDADE NORMAS DO ARTIGO 170, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL,

3.2. PODER ECONÔMICO E A SOCIEDADE DE CONSUMO

3.2.1. PODER COMO MEIO DE COMUNICAÇÃO

3.2.1.3. O PODER COMO MEIO DE COMUNICAÇÃO

O poder é um medium generalizado simbolicamente de comunicação, que não depende nem da submissão concreta do receptor e tampouco, imediatamente, do efeito obtido pelo detentor do poder.200 O poder, como meio de comunicação, transmite seleções de ações entre emissor e receptor.

(...) Estamos, pois, diante de uma situação em que o poder é meio para a

transmissão de seleções de ações para outra seleção de ações (e não seleção de motivos de ações para ações), no qual ambos os comunicadores são sistemas aos quais se imputam seleções como suas ações. Assim, o submetido (sujeito

“passivo” do poder) é alguém de quem se espera que escolha sua própria ação, donde a possibilidade de auto-determinação. Só que neste pressuposto é que são dirigidos contra ele elementos de poder, como ameaças, no sentido de regulá-lo nesta escolha por ele realizada. Do mesmo modo o detentor do poder se auto- determina. Com isso, na relação de ambos fica postulada a possibilidade de uma previsível e “localizada” divergência. A transmissão de complexidade reduzida ocorre quando a seleção da ação de um é co-determinada pela seleção da ação de outro. O sucesso de uma ordem de poder depende assim do aumento nas

diferenciações de seletividades ainda relacionáveis. Ou seja, uma determinada ordem de poder que não consegue aumentar as diferenciações, que insiste em limitá-las a poucas possibilidades, (...), terá que ver diminuída sua cota de poder e aumentada a quota de violência, para sustentar – artificialmente – a situação, substituindo poder por coação.201– negritamos

Especificamente no que diz respeito à transmissão de seleção de ações operada entre emissor e receptor na relação do poder, convém apontarmos que ela – assim como qualquer outra relação de comunicação – é construída tendo como premissa a possibilidade de ação do outro, ainda que esse agir dê-se em conformidade com a seletividade do emissor. Logo, o ato de coação mostra-se como o limite do poder: a coação significa o abandono das vantagens da generalização simbólica e da direção da seletividade do parceiro.202

200 SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite dos. Poder Jurídico e Violência Simbólica. São Paulo : Cultural

Paulista, 1985, p. 158.

201 Id. Ibid., p. 158-159.

Com efeito, na medida em que o poder se aproxima da coação ele perde capacidade de reduzir a dupla contingência, significando, a coação, verdadeira renúncia à possibilidade de regular a seletividade do outro: o coator escolhe pelo outro, não havendo, entre eles, relação de poder, já que o coagido age apenas aparentemente, quando é na realidade um instrumento da ação do coator.

Logo, ter poder na relação de comunicação não significa subjugar o outro, mas significa neutralizar o outro, o destinatário: o destinatário continua tendo várias possibilidades de ação, mas estas possibilidades são neutralizadas de tal maneira que, para ele, é como se uma ou poucas opções continuassem disponíveis, muito embora as demais não tenham desaparecido. Permanecem uma só ou poucas opções da ação, enquanto que as demais são neutralizadas.203

Na relação de poder, temos a seguinte construção, sempre influenciada pelo contexto axiológico que envolve o emissor (detentor do poder) e o receptor:

Quadro 02 – Relação de poder e neutralização das ações

No esquema trazido pelo quadro acima, encontramos ilustrado o quanto antes discorrido: o detentor de poder não age pelo destinatário, mas sim neutraliza as possibilidades de ação deste. O receptor continua tendo inúmeras alternativas de ação (raios que circundam a figura do receptor), porém, dada a transmissão de seletividade de ações operada pelo poder, o destinatário vê suas opções neutralizadas para poucas ou até mesmo uma única possibilidade de ação (traços duplos apostos sobre as possibilidades de ação), neutralização esta que se dá em conformidade com a seleção imposta pelo detentor do poder.

203 SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite dos. Poder Jurídico e Violência Simbólica. São Paulo : Cultural

Paulista, 1985, p. 153. DETENTOR DO

PODER (EMISSOR)

E como a relação de poder – como qualquer relação de comunicação – é constituída a partir dos sistemas sociais (acompanhando, pois, a complexidade e a evolução destes), a seletividade de ações transmitida ao receptor adquire nuances mais rebuscadas de acordo com o sistema social e, também, com o sistema de valores no qual ela é praticada.

Vivenciamos na atual quadra relações sociais construídas e permeadas com elevado grau de complexidade. A maneira pela qual a sociedade moderna manifesta-se e interage é, sem dúvida, estimulada pelos meios eletrônicos de difusão de informação – como a internet – e, também, pelos processos globalizantes. Não são necessárias maiores incursões no dia a dia social para notarmos, com facilidade, o alto grau de diferenciação dos códigos de linguagem e dos meios de comunicação, os quais, inclusive, duplicam-se em segundas codificações como forma de aumentar as possibilidades de ações consideradas entre emissor e receptor.204

Adentrando à seara econômica, podemos afirmar que uma das mais notáveis alterações nas relações sociais diz respeito à já mencionada transformação da sociedade de produtores em uma sociedade de consumidores, que, tal como visto alhures, ao contrário das precedentes, associa a felicidade não tanto à satisfação de necessidades, mas sim a um volume e uma intensidade de desejos sempre crescentes, o que, por sua vez, implica o uso imediato e a rápida substituição dos objetos destinados a satisfazê-la205, em um movimento no qual é visualizada a retroalimentação: o consumo para o aumento do consumo e a produção para o aumento da produção.

Essa nova formatação social, por ser reflexo das alterações da sociedade, repercute na comunicação social, atuando, pois, diretamente na relação de poder estabelecida na esfera econômica e, consequentemente, em questões jus-econômicas. A construção da relação de poder econômico na atualidade, influenciada e protegida pelos valores da sociedade de consumo e pelos processos globalizantes, alcançou tamanho grau de complexidade e de autonomia que passou a interferir na própria efetividade das normas estatuídas na Constituição Econômica. É o que iniciaremos a analisar.

204 LUHMANN, Niklas. Poder. Brasília : Editora Universidade de Brasília, 1985, p. 29-30. Luhmann traz ainda

exemplo alheio aos meios de comunicação que ajuda a ilustrar a questão da segunda codificação: “(...) O código econômico da propriedade, por exemplo, a regra simples de que o haver de um é rigorosamente o não- haver do outro, recebe, num determinado grau de desenvolvimento, uma segunda codificação, no mecanismo do dinheiro. O código do dinheiro duplica as chances de ser proprietário através dos símbolos (sem valor em si) do dinheiro. Coloca-se assim a propriedade objetiva em movimento; ela pode, por assim dizer, mudar as pessoas e, com relação a esta possibilidade, até ganhar valor, ao ser trocada por propriedade de dinheiro. O proprietário de dinheiro, como não-proprietário de certas coisas, tem a chance de obtê-las e inversamente”. Id.

Ibid., p. 30.

205 BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro :

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