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O PARTIDO POLÍTICO COMO OBJETO DE CONHECIMENTO

22 O sentido do termo estratarquia ficaria entre oligarquia e República Ocorre quando o corpo político de um sistema exerce alguma força no exercício do

2.1.3 Abordagem orgânica

A partir do enfoque orgânico, além de ser organizador e aglutinador de forças, o Partido Político leva também consigo um determinado ideal, uma forma de ação para atingir seus objetivos de natureza ideológica, entendendo-se por ideologia “um sistema de pensamento coerente, uma concepção [...] do mundo que constitui, para o grupo ou o indivíduo que adere, um guia” nos seus atos e em suas ações.24

Essa função ideológica do Partido pode ser verificada nos textos marxianos. Na verdade, com a publicação do

Manifesto do Partido Comunista, Marx e Engels buscavam, acima

de tudo, resgatar a consciência do proletariado em relação ao seu papel na construção e na transformação da história. Para os fundadores do materialismo dialético, o Partido Político se apresentava como instrumento flexível, mutável e imprescindível na tarefa de aglutinação e fomento de um ideal de vida aos operários. Para Marx e Engels, o despertar das consciências não poderia ser produto de apenas um saber, mas de um ser em movimento e em transformação, de uma relação ativa e criativa com o mundo. Nessa perspectiva, a função do Partido não seria agir no lugar ou acima da classe operária, mas comportar-se como simples condutor, orientador, com o objetivo único e exclusivo de proporcionar a libertação da classe operária. A visão mutável da função do Partido em Marx e Engels está intimamente vinculada à compreensão da realidade objetiva, ou seja, para eles é a 24 CHARLOT, Jean. Os Partidos Políticos. Op. cit. p. 35.

organização, enquanto criação do homem, que deve adequar-se ao meio, jamais o meio à organização.25

A partir da Crítica ao Programa de Gotha26, Marx e Engels passaram a manifestar, de modo mais contundente, posição contrária a qualquer tipo de burocratização no Partido. Em suas correspondências que marcaram o processo de divulgação da

Crítica ao Programa de Gotha, Engels deixa clara a sua oposição à

tentativa de oligarquização dentro do Partido. Exemplo deste radical antagonismo encontra-se na carta que envia para Kautski, em 11 de fevereiro de 1891, destacando que

25 MARX, Karl. ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. In: Obras Escolhidas. São Paulo : Alfa-Omega, [s.d], v. I. MEZZAROBA, Orides. O Partido Político em Marx e Engels. Florianópolis : CPGD/Paralelo 27, 1998. p. 26-30. 26 Em congresso realizado entre os dias 22 e 27 de maio de 1875, em Gotha, ocorreu a união de duas importantes correntes operárias: o Partido Operário Social-Democrata (conhecido por eisenachianos), liderado por Bebei e Liebknecht, e a Associação Geral dos Operários Alemães, liderada por Lassalle. Da união destas duas organizações surge o Partido Socialista Operário da Alemanha. A obra Crítica ao Programa de Gotha foi escrita por Marx para registrar que discordava do programa aprovado em Gotha. Para ele o novo programa continha muito mais idéias de Lassale, com o qual tinha divergências profundas, do que marxianas. Como, por exemplo: a lei férrea dos salários que era endossada por Lassalle. Para Marx esta lei deveria ser combatida, pois se de um lado prejudicava os capitalistas, por outro beneficiava os proprietários de terras. MARX, Engels. Crítica ao Programa de Gotha. In: Obras Escolhidas. Op. cit., p. 218. MEZZAROBA, Orides. O Partido Político em Marx e Engels. Op. cit., p. 38 e 44-50.

“as pessoas devem parar de uma vez por todas, de inclinar-se diante dos funcionários do partido, seus próprios servidores. [As pessoas] devem abandonar essa atitude submissa que adotam diante deles, como se se tratassem de burocratas infalíveis. Também é necessário que os critiquem”.27

Para Engels, a Democracia, a diversidade e o debate no interior do Partido, em hipótese alguma comprometeria a sua existência enquanto Partido. São justamente esses fatores que tornariam o Partido mais sólido e aberto para as mudanças internas ou externas. Em síntese, o que constitui a forma de ser de um Partido Político é a sua liberdade de crítica, combinada com a sua liberdade de ação, jamais a unidade interna de pensamento determinada por qualquer burocrata iluminado.

Enfim, o Partido Político vislumbrado por Marx e Engels deveria adaptar-se a cada lugar e a cada momento. Para eles, seu próprio pensamento não se apresentava como dogma, mas como a exposição de um processo de evolução, com diferentes e sucessivas etapas. Assim, restaria ao Partido Político adotar uma estratégia que refletisse a realidade mais próxima possível de cada Sociedade.

27 ROSSANDA, Rossana. De Marx a Marx: Clase y Partido. In: CUADERNOS DE PASADO Y PRESENTE. Teoria Marxista dei Partido Político, México, n. 38, p. 01-14, 1987. MEZZAROBA, Orides. O Partido Político em Marx e Engels. Op. cit., p. 38-39.

Em sua obra Filosofia do Direito,28 Radbruch também se ocupa do papel da ideologia no Partido, afirmando que as organizações partidárias não podem deixar de, em virtude de uma necessidade de natureza sociológica, “criar uma ideologia ou, pelo menos, de apresentar como interesse de toda a coletividade o seu próprio interesse”. Para este autor, a ideologia partidária não representaria somente um elemento de luta contra os seus adversários; mas “também um instrumento de captação para a conquista de novos adeptos". Desta forma, a adesão de novos correligionários ao Partido é determinada não apenas por interesses particulares, mas, fundamentalmente, pelas idéias programáticas proclamadas por esta mesma organização. Ou seja, quanto mais bem articulado o programa partidário, mais habilitado estará o Partido em sugerir alternativas que solucionem os problemas da vida pública, o que determinaria, de forma conclusiva, sua diferenciação das demais organizações políticas.

Conforme destaca Cerroni, no seu dia-a- dia

"o Partido Político deve ser ambicioso e modesto como o cientista, e como bom intelectual coletivo deve redescobrir a virtude da ciência: a dúvida metódica na corajosa pesquisa da verdade, a persistente finalização das menores operações, a fantasia criadora e a

28 RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito. Trad. L. Cabral de Moncada. 2. ed. São Paulo : Saraiva, 1937. p. 86-87.

disponibilidade antidogmática para a experimentação”.29

Ou seja, levando em consideração o painel político atual, o Partido se apresenta como canalizador de aspirações, de necessidades e de esperanças de universalização da vida de todos os homens e não apenas de seus adeptos ou de um pequeno segmento social. Neste sentido, o confronto ideológico surge como instrumento e garantia da plena integração democrática, jamais como mecanismo que justifique o aniquilamento do adversário pela violência física ou simbólica. Nas palavras de Cerroni, o fim da vaidade de partido poderá possibilitar que as grandes metas da política moderna, como “a universalização da existência através da potencialização da liberdade de cada um e da igualdade de todos", sejam relançadas.30

O enfoque orgânico do Partido não se restringe à análise da sua própria estrutura ou organização, mas está, fundamentalmente, na adequação do seu programa aos objetivos que pretende atingir. Neste caso, o “ceticismo organizativo”, preocupado tão-somente em verificar as relações entre dirigentes e dirigidos, acaba sendo substituído pela compreensão do funcionamento programático do Partido, de sua filosofia, de seu ideal. Segundo essa concepção, a máquina 29 CERRONI, Umberto. Teoria do Partido Político. Op. cit. p. 53

30 CERRONI, Umberto. Teoria do Partido Político. Op. cit. p. 53 e 57-58. PEREZ ROYO, Javier. La Teoria dei Partido Político de Umberto Cerroni. Revista de Estúdios Políticos, Madrid, Centro de Estúdios Constitucionales, n. 16, p. 185- 195, julio-agosto de 1980. MEZZAROBA, Orides. O Partido Político no Brasil: teoria, história, legislação. Joaçaba : UNOESC, 1995. p. 39.

partidária não pode ser vista só como instrumento de conquista de votos ou de Poder, ela deve, acima de tudo, ter a capacidade de propor e de realizar um programa que possibilite a transformação da ordem social, política e econômica. Para Cerroni, o programa partidário, deve operar de forma ativa e essencialmente permeável a toda e qualquer transformação.31

Na concepção de Cerroni, o Partido

Político somente nasce a partir do momento em que se verifica a

existência de dois elementos fundamentais: a) uma máquina organizativa; e b) um programa político estruturado, articulado e aprovado democraticamente pelos seus membros, tudo isso combinado com uma organização territorial difusa e tendencialmente nacional. É a partir da constituição desses elementos que as antigas organizações políticas, compostas por notáveis, passam a dar lugar às novas organizações políticas de massas. Desta forma, segundo Cerroni, não se pode justificar o nascimento dos Partidos Políticos tomando como parâmetro apenas facções, clubes ou comitês eleitorais. Na realidade, a origem do Partido Político não deve ser creditada apenas “lá onde nascem os parlamentos”, pois muitas vezes o Partido também pode surgir em países em que não existem Parlamentos, como também, ele pode ser formado “antes dos parlamentos ou, talvez, para propor ou reivindicar a criação dos parlamentos”. Para Cerroni, o Partido tem uma dimensão histórico-teórica que ultrapassa claramente qualquer experiência constitucional: “o partido político é um fenômeno histórico mundial”.32

31 CERRONI, Umberto. Teoria do Partido Político. Op. cit. p. 35-36. 32 CERRONI, Umberto. Teoria do Partido Político. Op. cit., p. 13.

Qual seria, então, “o partido político que estruturado no plano organizativo e programático, nasceria lá onde não existem os parlamentos?”, indaga Cerroni. Sua resposta recai sobre o Partido Socialista. Para ele, este Partido, com uma máquina organizada e um programa articulado, nasceu justamente para reivindicar a ampliação do sufrágio e/ou preparar as eleições para o Parlamento.33 Como exemplo, pode ser citado o caso das organizações políticas operárias que, com o passar dos anos, proporcionaram a criação do Partido Social-Democrata Alemão (SPD), em 21 de outubro de 1891.34

Nessa mesma linha de raciocínio apresentada por Cerroni, pode ser enquadrada a tese de Margarida Vieira, ao afirmar que o Partido Socialista Brasileiro (PSB) foi um “partido-semente, agitador de uma nova cultura política, que se expressou em um projeto de cidadania coletiva que, ao contrário” das demais forças políticas, buscou combinar “a dimensão social e política da democracia”. A definição de Partido-

semente, desta forma, aparece como proposta de construção de

nova ordem politico-cultural. Isto é, além do Poder, a meta do

Partido é construir e carregar “uma nova concepção de mundo”,

importando, para isso, “menos as vitórias eleitorais e mais a formação de quadros, menos as idéias estabelecidas e mais os debates provocados, menos o desempenho no sistema político

33 CERRONI, Umberto. Teoria do Partido Político. Op. cit., p. 13-14.

34 Sobre todo o processo organizativo e político dos trabalhadores que

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