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Burke : a representação como relação de confiança

REPRESENTAÇÃO POLÍTICA

POLÍTICA

41 TORRES, João Carlos Brum Vontade Geral e Partido Político Filosofia Política 6 ed Porto Alegre : L&PM, p 113.

2.2.2 Burke : a representação como relação de confiança

Cabe a Edmund Burke a defesa do modelo de representação como relação de confiança ou fiduciária. As idéias de Burke sobre esse tema transparecem, sobretudo, em seu

Discurso aos Eleitores de Bristol44, no qual apresenta argumentos

que contribuiriam, mais tarde, para a fundamentação da teoria do

mandato representativo ou virtual.

43 VIEIRA, Luiz Vicente. A Democracia em Rousseau: a recusa dos pressuposto liberais Op. cit., p. 98-99.

44 Edmund BURKE (1729-1797) nasceu em Dublin, foi Secretário do Intendente Inglês na Irlanda e, posteriormente, Deputado. O Discurso aos Eleitores de Bristol foi pronunciado em 03 de novembro de 1774, quando BURKE foi declarado eleito como um dos representantes de Bristol ao Parlamento.

Nesse modelo de representação fiduciária, no momento da escolha, o representado deposita toda a sua confiança no representante escolhido. Isto equivale a dizer que, na hora de votar, o eleitor já sabe que está transferindo ao seu representante o Poder para que ele possa decidir e legislar sobre condutas gerais. Os eleitos passam a representar não só os seus eleitores, como também, virtualmente, toda a Nação, gozando de autonomia para tomar as decisões conforme o seu livre arbítrio. Ao representante compete interpretar, única e exclusivamente, se os interesses dos representados estão ou não sendo cumpridos. Assim, inexiste obrigatoriedade de consulta sobre a vontade dos eleitores pelos representantes.45

Sobre essa questão Burke faz uma observação que mostra a perspectiva fundamental de onde parte, sustentando que o uso da opinião é um direito comum a todos,

“a dos eleitores é uma opinião de peso e respeitável, que um representante deve sempre alegrar-se de escutar e que deve estudar sempre com a máxima atenção. Mas instruções imperativas, mandatos que o Deputado está obrigado, cega e implicitamente, a obedecer, votar e defender, ainda que sejam contrárias às convicções mais claras de seu juízo e de sua consciência, são coisas totalmente desconhecidas das leis do país e surgem de uma interpretação equivocada de toda a ordem e o temor de nossa Constituição”.46

45 BARRETO, Vicente. Voto e Representação. Op. cit., p. 25. COTTA, Maurizio. Op. cit., p.1102. PITKIN, Hanna F. El Concepto de Representation. Op. cit., p. 190.

46 BURKE, Edmund. Discurso aos Eleitores de Bristol. In : PORTO, Walter Costa. A Representação. Brasília : Fundação Rondon, s/d. p. 20.

Para Burke, o Parlamento não poderia ser visto como “um congresso de embaixadores que defendem interesses distintos e hostis, interesses que cada um de seus membros deve sustentar, como agente e advogado, contra outros agentes e advogados”. Acima de tudo, o Parlamento deveria ser “uma assembléia deliberante de uma Nação, com um só interesse: o da totalidade”. No Parlamento, segundo Burke, os interesses locais e pessoais deveriam dar lugar “ao bem geral que resulta da razão geral do todo”, não do individual; quando se elege um deputado, não se está elegendo um representante de Bristol; elege-se, sim, um membro do Parlamento. No Parlamento, o representante deveria desempenhar uma função racional e razoável frente aos problemas do governo e da legislação que se constituem como “problemas de razão e juízo”, procurando atender ao bem comum e não ao simples interesse ou às estritas vontades locais.47

Burke manifesta claramente a idéia de que a representação política deveria fundamentar-se na representação dos interesses gerais. Contudo, deve-se reconhecer que a consideração diversificada desses interesses gerais pressupõe a aceitação das próprias desigualdades sociais. Desta forma, os representantes devem estar capacitados a administrar as

47 BURKE, Edmund. Discurso aos Eleitores de Bristol. Op. cit., p. 20-21. Ver também: BURKE, Edmund. Partido y Representación. In: LENK, Kurt; NEUMANN, Franz. Teoria y Sociologia Criticas de los Partidos Políticos. Trad. Ignácio de Otto. Barcelona : Anagrama, 1980. p. 82-3. BARRETO, Vicente. Voto e Representação. Op. cit., p. 25-26. COTTA, Maurizio. Op. cit., p. 1102. BLANCO VALDÉS, Roberto L. Los Partidos Políticos. Madrid : Tecnos, 1997. p. 25-28.

demandas de uma sociedade particularizada por uma ampla gama de problemas da mais diversa ordem.48

Os interesses da comunidade estariam traduzidos no Parlamento, por seus representantes eleitos, cabendo ao fórum parlamentar, evidentemente, trabalhar a partir das necessidades dos próprios distritos eleitorais. Assim, a

representação não estaria restrita ao simples assentimento por

parte dos representados das decisões levadas a efeito pelos representantes, já que o substrato social composto por uma elite de indivíduos mais bem capacitados para exercer a função de representantes seria o suficiente para assegurar sua legitimidade para agir.49 Portanto, percebe-se claramente em Burke o traço fortemente elitista que caracteriza o instituto político da

representação.

Hanna Pitkin também identifica no pensamento burkeano esse perfil elitista, quando o autor inglês assegura que embora algumas localidades e grupo de indivíduos não estejam habilitados ao voto, estão, assim mesmo, representados no Parlamento, “já que estar representado quer dizer simplesmente estar governado por uma elite”.50

Com efeito, para Burke o Parlamento deveria permanecer sob o controle da minoria possuidora, pois 48 PITKIN, Hanna F. El Concepto de Representation. Op. cit., p. 185-186. Ver também: LEITÃO, Cláudia Sousa. A Crise dos Partidos Políticos Brasileiros. Op. cit., p. 32.

49 PITKIN, Hanna F. El Concepto de Representación. Op. cit., p. 185-186. Ver também: LEITÃO, Cláudia Sousa. A Crise dos Partidos Políticos Brasileiros. Op. cit., p. 32-34.

somente ela poderia manter o sistema de governo existente e a ordem social e econômica em que se sustentava. Desta forma, ele se opunha à ampliação do direito ao sufrágio e do direito à

representação de estratos sociais considerados inferiores.51 Para

Hanna Pitkin essas posturas de Burke revelam sua “hostilidade elitista e antidemocrática diante das ampliações desnecessárias do sufrágio".52

A contribuição mais relevante de Edmund Burke talvez esteja em sua diferenciação entre mandato virtual e

mandato imperativo. Para este autor, o mandato virtual atenderia

os interesses gerais e nacionais, enquanto que o mandato

imperativo acolheria, fundamentalmente, os interesses locais,

regionais, de grupos. Essa consideração teórica de caráter distintivo entre os dois tipos de mandato alimenta uma das grandes polêmicas que ainda hoje permeiam o debate contemporâneo sobre a representação política.53

Na contemporaneidade, buscando superar o antagonismo entre mandato virtual e imperativo, a teoria da

representação política tem procurado concentrar a sua análise nos

postulados de Burke que estabelecem o Parlamento como o locus da “coordenação e integração dos interesses sociais, econômicos e políticos”; já que, conforme Burke, é no Parlamento que se “encontram os indivíduos mais informados e [mais bem] 51 LENK, Kurt, NEUMANN, Franz. Teoria y Sociologia Críticas de Los Partidos Políticos. Op. cit., p. 18.

52 PITKIN, Hanna F. El Concepto de Representación. Op. cit., p. 208.

53 LIMA Jr., Olavo Brasil. Instituições Políticas Democráticas: o segredo da legitimidade. Op. cit., p. 41-43. Ver também LEITÃO, Cláudia Sousa. A Crise dos Partidos Políticos Brasileiros. Op. cit., p. 33. Sobre a Teoria do Mandato, ver próximo tópico.

aparelhados [para] tomarem decisões políticas responsáveis”,54 o que também confirma a concepção elitista burkeana.

2.2.3 A representação como reflexo de alguém ou de

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