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Protocolo 15 – Comparando preços e quantidades de um mesmo produto

3 AS TECNOLOGIAS DIGITAIS E AS POSSIBILIDADES DE ENSINO E

3.2.2 Abordagem seres-humanos-com-mídia

Inicialmente introduzida por Borba e Villarreal (2005), pode ser considerada uma ampliação da abordagem instrumental (ARZARELLO; ROBUTTI, 2010). Para Borba e Villarreal (2005), na abordagem Seres-humanos-com-mídias, o papel da tecnologia digital no processo de produção de conhecimento matemático fica mais evidente, pois o pensamento não é apenas individual e nem coletivo, mas constituído por humanos-com-mídia de acordo com as múltiplas possibilidades ou restrições que determinada mídia oferece.

Desta forma, Borba e Villarreal (2005) explicam que há uma interação entre humanos e mídias, de tal forma que o computador molda o ser humano, assim como o ser humano molda o computador, pois o conhecimento é produzido por seres humanos, mas também por diferentes meios, como a oralidade, a escrita ou mesmo novas modalidades de linguagem que emergem da tecnologia digital (BORBA, 2007).

Essas formas diferentes de linguagem podem ser observadas em interações em cursos online que incluem formas de oralidade como o bate-papo, ou em salas de aulas presenciais, com o uso de um software, por exemplo, em que estes podem ser utilizados com funções diferentes das que foram inicialmente projetados, possibilitando que os estudantes elaborem hipóteses, baseados na experimentação e nos diferentes elementos visuais fornecidos por ele.

Portanto, essa abordagem envolve tanto ferramentas como o sujeito em atividades matemáticas, podendo ser fundamentada, segundo Arzarello e Robutti (2010), baseados em Borba e Villarreal (2005), em duas ideias principais. A primeira ideia enfatiza que a construção do conhecimento é feita de forma social, em que também deve ser considerado como os indivíduos trabalham juntos. A segunda explica que as mídias são partes da construção porque elas podem assumir diferentes papéis na reorganização do pensamento.

Alguns trabalhos discutem como a interação entre humanos e mídias altera a forma de produção de conhecimento, considerando, portanto, como as pessoas colaboram (BARBOSA; 2012, BORBA; VILLARREAL, 2005, BORBA, 2007).

Damiani (2008) explica que as atividades realizadas em grupo, de forma conjunta, oferecem enormes vantagens, que não estão disponíveis em ambientes de aprendizagem individualizada. Alguns dos benefícios desse tipo de trabalho com estudantes estão relacionados com a realização de discussões, permitindo a socialização dos indivíduos por meio de processos interativos; com aquisição de aptidões e habilidades cognitivas, ao analisar, por exemplo, erros e multiplicidade de soluções (DAMIANI, 2008; STAHL; KOSCHMANN; SUTHERS, 2006).

Borba e Zulatto (2006) desenvolveram um curso online para mais de 40 professores brasileiros sobre como ensinar geometria por meio do softwareGeometricks42.

O primeiro curso desenvolvido foi baseado em um modelo que envolvia pouca interação, o que fez com que os professores se comportassem, inicialmente, de forma passiva no segundo curso, mesmo com formato diferente. Contudo, esse comportamento foi se alterando à medida que participavam do novo curso. A comunicação era feita de forma assíncrona por meio de e-mails e de forma síncrona, por duas horas semanais, em atividades que requisitavam a resolução de problemas. Isso foi possível devido à plataforma permitir que a tela de qualquer um dos participantes fosse compartilhada com todos os outros.

42 Software desenvolvido para o ensino de geometria e que permite a construção de objetos geométricos que podem ser movimentados livremente. Esse software possibilita o trabalho com geometria analítica, área, gráficos de equações lineares e a Geometria Fractal. O Geometricks não é um software livre, mas sua versão demo pode ser baixada no seguinte link: http://www.rc.unesp.br/gpimem/programasbaixar.php

Ainda em relação a esse trabalho, Borba e Zulatto (2006) relatam um dos episódios que um professor constrói uma figura e o grupo de professores discutem sobre a simetria desta figura. Eles ressaltam que a convergência de ideias diferentes, observadas durante as discussões, geram a construção coletiva do conhecimento sobre a geometria (conhecimento do conteúdo), sobre a utilização do software de geometria em sala de aula (conhecimento pedagógico do conteúdo) e sobre o uso do próprio software de geometria (conhecimento tecnológico). Desta forma, defendem que a abordagem seres-humanos-com- mídia é útil para analisar as práticas educativas que envolvem o uso da tecnologia digital, uma vez que a plataforma disponível tornou possível a co-construção do conhecimento matemático em um curso online.

Ainda que essa pesquisa tenha sido realizada no âmbito da formação continuada de professores, é possível constatar que diferentes coletivos podem gerar diferentes tipos de conhecimento, transformando a própria noção de problema.

Barbosa (2012) desenvolveu uma pesquisa com alunos recém-ingressos na Educação Superior, no Curso de Matemática e que estavam cursando a disciplina de Cálculo I, tendo como objetivo mostrar que o coletivo formado pelos alunos e pelas TIC produz conhecimento matemático visto como processo. Para isso, foi realizada uma atividade que analisa como o coletivo, formado pelos alunos e pelo software Winplot, explora as propriedades acerca de função composta. A visão de produção do conhecimento, adotada na pesquisa de Barbosa (2012), é consistente com a noção de seres-humanos-com-mídias

(BARBOSA; VILLARREAL, 2005).

Durante a pesquisa ficou constatado que a experimentação do padrão gráfico, vivenciada pelo software, possibilitou a generalização de uma abordagem algébrica. Apesar de entender que a visualização tem sua importância, foi constatado que algumas duplas preferiam relacionar os gráficos gerados às suas expressões algébricas. Verificou-se que o ambiente que os estudantes estavam envolvidos possui características relacionadas às TIC e à produção do conhecimento, tais como visualização e representações múltiplas. O entrelaçamento dessas características às TIC possibilitou que, por meio de discussões e escrita, os estudantes formulassem conjecturas. Assim, a agilidade nos feedbacks dados pelo

software Winplot, permitiu que refutassem ou confirmassem suas conjecturas, o que possibilitava a produção de conhecimento matemático. Essa produção podia acontecer de forma coletiva, na troca com os parceiros, no processo de interpretação individual, podendo ser expressos na forma oral, na forma escrita ou na ação de trabalhar com o computador (BARBOSA, 2012).

Verifica-se, a partir dessas pesquisas (BARBOSA, 2012; BORBA; ZULATTO, 2006), que o uso de mídias diferentes possibilita diferentes tipos de colaboração, muito provavelmente, devido ao fato de as mídias terem a capacidade de alterar a noção do problema, por possibilitarem múltiplas representações (BORBA, 2007). Problemas envolvendo funções, por exemplo, podem abranger diferentes tipos de respostas, tornando-se mais desafiadores aos alunos com o uso de mídias que possibilitam a construção de gráficos.

Castro e Castro Filho (2012) realizaram uma pesquisa para desenvolver a compreensão de gráficos estatísticos, por meio do Projeto intitulado Um Mundo de Informações, com 25 crianças do 5° ano do Ensino Fundamental, com o objetivo de melhorar a aprendizagem dos alunos na área de Tratamento da Informação. Os conceitos matemáticos foram inseridos em situações vinculadas ao cotidiano, relacionando os gráficos (de barras e de setores) ao conhecimento diário, além da exploração de outros conhecimentos curriculares como Ciências, Língua Portuguesa, Geografia, História e Música. Para isso, as crianças escolheram os temas e propuseram as investigações de acordo com interesses e curiosidades.

As investigações executadas pelas crianças eram realizadas em grupos, que foram constituídos a partir de interesse e afinidade, sendo compostas de quatro etapas: planejamento, coleta de dados, organização de dados e publicação da notícia (CASTRO, 2012). Para auxiliar as investigações e a produção colaborativa de um jornal digital, foram utilizados recursos digitais, laptops educacionais e um blog43.

Embora o projeto tenha sido criado com o objetivo inicial de trabalhar conceitos presentes nos gráficos, verificou-se que a combinação de diferentes linguagens e tecnologias, de modo a integrar o currículo escolar, favoreceu, além da construção e compreensão de gráficos, a apropriação tecnológica e a formação cidadã. Castro e Castro Filho (2015), ao analisarem esse mesmo projeto, ainda constataram o desenvolvimento do pensamento estatístico a partir de situações de coleta de dados, de classificação, de escolha da amostra, de cruzamento de variáveis e da definição do gráfico. Pode-se inferir ainda, ao analisar o projeto, que a tecnologia possibilitou a ênfase na exploração dos dados, simulações, investigação de problemas com dados reais e envolvimento dos alunos em ferramentas para o trabalho coletivo.

As análises realizadas por Castro (2012) e Castro e Castro Filho (2012, 2015), sobre o projeto realizado, mostram como o uso articulado e bem planejado de uma sequência de atividades pode ser desenvolvida com êxito quando mediados. A produção coletiva

requisita a utilização de ferramentas tecnológicas, a mediação do professor ou pesquisador. A mediação pode ajudar na resolução de divergências; provocar questionamentos, intensificar o diálogo entre os membros do grupo, facilitar o desenvolvimento de estratégias para solucionar problemas.

Contudo, ainda que estes resultados indiquem uma melhora significativa de estudantes entre o pré e pós-teste, os dados quantitativos para este estudo não indicam, necessariamente, que os participantes tiveram melhor desempenho por causa da presença de múltiplas representações, sendo necessárias, portanto, mais investigações.

Os softwares, recursos digitais, papel, lápis, oralidade, escrita podem expressar ideias em diferentes linguagens, assim como a internet, que traz muitas possibilidades de interfaces e consequentemente de produção de conhecimento matemático. Borba (2007) explica que a internet, ao possibilitar a interação entre tais coletivos, também permite a linguagem multimodal. A seguir será discutida a abordagem multimodal.