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3. Dinâmica demográfica, ciclo de vida domiciliar e uso da terra: referencial teórico

3.4. Teorias sobre migração: aspectos macro

3.4.3 As abordagens histórico-estruturalistas

As teorias do tipo histórico-estruturalistas examinam as relações e funções que os diversos elementos65 possuem dentro de um dado sistema. Todos os elementos são

64 Lee, 1966:114.

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No caso da migração temos, como exemplo destes elementos, o mercado de terras, o mercado de trabalho, o acesso a informação, as características individuais do migrante, etc.

interdependentes, não sendo possível analisá-los de forma isolada, mas, somente, no processo de relação estabelecido entre eles. Exemplos de abordagens histórico- estruturalistas sobre o tema migração são os trabalhos de Germani e Singer.

Germani (1974), analisando o processo de modernização da América Latina, aponta, entre outras características desse processo, uma acelerada urbanização – que acontece em um ritmo mais rápido que o da industrialização – e a persistência de grandes descontinuidades internas entre as áreas centrais, mais modernizadas, e as áreas periféricas no interior de cada país, mais atrasadas. A existência dessas descontinuidades seria um fator que favoreceria as migrações internas, principalmente do tipo rural-urbana. Considerando os fatores de expulsão e atração associados às regiões centrais e periféricas, o autor ressalta que, no caso da América Latina, os fatores de expulsão que atuariam nas áreas rurais teriam um peso maior que os fatores que atraem as populações para as zonas urbanas.

Segundo o autor, o modelo que for empregado para análise da migração “deve levar em conta não apenas fatores expulsores e atrativos, como também as demais condições sociais, culturais e subjetivas em que tais fatores operam, tanto no que diz respeito ao lugar da residência, como no que diz respeito ao lugar de destino”66. O autor vê a migração como um processo de mobilização social. Há a necessidade de informação sobre o local de destino. A partir desta informação, são criadas expectativas melhores que aquelas no local de origem, o que fornece motivação para o indivíduo migrar. Ou seja, não é possível que haja migração se houver isolamento social. A análise da migração deve se dar, então, em três níveis. O primeiro nível seria o ambiental, composto pelos fatores de expulsão e de atração, pela natureza e condições das comunicações, de contato e acessibilidade existentes entre as áreas de origem e destino. O segundo nível, o normativo, seria composto pelos papéis, expectativas e padrões de comportamento socialmente institucionalizados, que forneceriam o referencial dentro do qual os indivíduos conseguiriam perceber e avaliar as suas condições objetivas de existência. O último nível de análise seria o psicossocial, ou seja, devem ser consideradas as atitudes e expectativas dos indivíduos concretos. Em uma sociedade totalmente integrada, segundo Germani, essas atitudes e expectativas refletiriam

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o padrão normativo vigente no grupo social, padrão esse que estaria internalizado nos indivíduos.

Para Singer (1976) “as migrações são sempre historicamente condicionadas, sendo o resultado de um processo global de mudança, do qual elas não devem ser separadas”67. O processo de migração está diretamente associado com o desenvolvimento do capitalismo, principalmente com o processo de industrialização provocado por este.

O principal motor das migrações seriam as desigualdades regionais. A industrialização levaria à concentração das atividades econômicas, gerando desequilíbrios regionais que, por sua vez, motivariam as migrações. Num paralelo com a teoria de Lee, para Singer haveria a atuação de fatores de expulsão do migrante, que podem ser de dois tipos: fatores de mudança ou de estagnação. Os fatores de mudança seriam resultantes da introdução de relações capitalistas nas áreas rurais, o que levaria a um desemprego estrutural. Já os fatores de estagnação seriam resultantes da incapacidade dos produtores das áreas rurais de elevarem a produtividade da terra e se adequarem aos novos padrões de produção exigidos. O principal fator de atração dos migrantes seria a demanda por força de trabalho nas cidades, sendo que a principal motivação para migrar seriam as oportunidades econômicas, principalmente a possibilidade de uma melhor remuneração. Como principais obstáculos à migração, o autor aponta: a) a baixa qualificação dos migrantes e sua insuficiência de recursos; b) a oferta de trabalho nas cidades que, devido à migração, seria menor que a demanda; c) o fato da demanda por mão-de-obra crescer menos que o produto; e d) a marginalização do migrante, que resultaria na formação de um exército industrial de reserva, que pressionaria os salários dos trabalhadores urbanos.

Algumas críticas podem ser feitas ao trabalho de Singer. Uma primeira crítica diz respeito à seletividade do migrante. O autor considera que os migrantes vindos de regiões cujos fatores de expulsão são de estagnação teriam baixa qualificação. Por outro lado, os migrantes vindos de regiões cujos fatores de expulsão são de mudança seriam mais bem qualificados. Em seu texto o autor não deixa claro como se dá este processo seletivo e nem porque ele ocorre.

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Uma segunda crítica pode ser feita sobre a afirmação de que a modernização agrícola nas regiões de emigração, sujeitas a fatores de mudança, levaria a uma melhoria da qualidade de vida dos que permanecem nestes locais. Embora o autor coloque a ressalva de que isto depende “do sistema de forças que condicionam a repartição de renda”, tal afirmativa é arbitrária, pois tudo, evidentemente, dependerá de condições históricas específicas.

Apesar das críticas ressaltadas acima, o trabalho de Singer não deixa de representar um esforço para a compreensão dos processos migratórios do Brasil. Ademais, as duas críticas que foram aqui levantadas em muito estão relacionadas ao contexto histórico no qual o autor escreveu, principalmente pelo fato de que ainda não houvera a revolução provocada pela expansão agrícola no Cerrado Brasileiro.