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Aceitação pelos pares: uma componente da qualidade da relação com pares

ACEITAÇÃO PELOS PARES NA IDADE ESCOLAR

1.3. Aceitação pelos pares: uma componente da qualidade da relação com pares

O conceito aceitação pelos pares não se pode dissociar do conceito relação

com pares, pois é no seio da relação com pares que a aceitação pelos pares se

operacionaliza. A experiência de ser gostado e aceite pelo grupo de pares é conhecida como aceitação pelos pares e a experiência de ser menos gostado pelos seus pares é designada como rejeição pelos pares (Rubin et al., 2011). A aceitação pelos pares é definida como o grau de aceitação e7ou rejeição do grupo de pares face ao comportamento social da criança (Rubin et al.,2011). A aceitação pelos pares operacionaliza assim a validação social do comportamento social da criança.

Tal como referem Crick e Dodge (1994), o comportamento social refere-se a uma “ação da criança”, enquanto que a validação social, manifesta através da aceitação pelos pares, refere-se a uma “reação à criança”. Apesar do comportamento social e da aceitação pelos pares surgirem na investigação como indicadores da qualidade da relação com pares, trata-se de duas medidas distintas (Rubin et al, 2011). Estes dois componentes da relação com pares - comportamento social e aceitação pelos pares - indiciam a sua qualidade e predizem o impacto que a relação com pares terá na trajetória desenvolvimental da criança.

1.3.1. Qualidade da relação com pares

A qualidade da relação com pares na infância e na adolescência, parece constituir um dos percursores de (des)adaptação na vida adulta (Lopes, et al., 2006). Determinante para o conhecimento do mundo envolvente, a qualidade da relação com pares atua como percursora de relacionamentos subsequentes nos domínios profissional, conjugal e parental. A relação com pares surge como um contexto único e poderoso que determina as diferenças individuais no desenvolvimento de comportamentos adaptativos (Castro, Melo & Silvares, 2003; Rubin, et al., 2011).

Hay, Payne e Chadwick (2004) referem que a qualidade das relações que a criança estabelece com os pares depende das competências socio-cognitivas desenvolvidas durante os primeiros anos de vida, designadamente a: (a) atenção conjunta, (b) regulação conjunta; (c) inibição de impulsos; (d) imitação de ações do outro; (e) compreensão da relação causa-efeito e (f) competência linguística. Eventuais défices numa destas competências poderão ser compensados quando a criança interage com adultos competentes, como os pais e os educadores. No entanto, as crianças são em geral menos tolerantes e, por isso, o contexto de interação com pares poderá ser particularmente desafiador. As experiências sociais com pares podem promover, alargar, desencorajar ou distorcer o crescimento interpessoal e intrapessoal, bem como o ajustamento ou a adaptação pessoal e social do indivíduo. A relevância clínica e teórica da qualidade da relação com pares têm contribuído para o incremento da investigação neste domínio e para a ampliação dos procedimentos de avaliação (Asher & McDonald, 2009; Cillessen, 2008).

Segundo Asher (1990) existem dois indicadores que permitem avaliar a qualidade da relação com pares. Um refere-se à validação social que a criança obtém no grupo de pares e o outro refere-se à qualidade do comportamento social exibido pela criança num determinado contexto social. Assim, os procedimentos de avaliação da qualidade da relação com pares, visam responder a duas grandes questões: A criança é aceite pelos pares? e Quais as características

comportamentais da criança aceite pelos pares? A resposta à segunda questão

requer a avaliação das características comportamentais da criança. A resposta à primeira questão requer a avaliação do grau de aceitação pelos pares.

A avaliação das características comportamentais e da aceitação pelos pares, implicam a consideração das perspetivas dos vários observadores com quem a criança mantém inúmeras interações (Rubin et al, 2006). As crianças e os professores surgem como informantes privilegiados, na medida em que ambos fornecem informação importante para a compreensão da qualidade da relação com os pares.

1.3.2. Comportamento Social

O comportamento social das crianças é normalmente avaliado pelos professores. Estes ocupam uma posição externa ao grupo, por isso são considerados uma fonte de informação mais objetiva do comportamento social das crianças (Rubin et al, 2011). De realçar, no entanto, que algumas avaliações dos professores poderão manifestar uma perspetiva “adultomórfica” decorrente de juízos acerca do comportamento social, que difere da perspetiva das crianças. Tal como referem Ladd e Profillet (1996), as avaliações dos professores poderão ser enviesadas pelas relações que estes estabelecem com as crianças e pelos seus estereótipos de género.

A componente comportamental da qualidade da relação com pares é abordada como um constructo multidimensional e interativo que integra três componentes: habilidades sociais eficazes, ausência de problemas de comportamentos e níveis de realização académica apropriados à escolaridade.

Nos procedimentos de avaliação desta componente destaca-se a proposta apresentada por Gresham e Elliot (1990). Estes autores propõem um sistema de avaliação da competência social, o Social Skills Rating System (SSRS), constituído por três escalas: Escala das Habilidades Sociais, Escala de Problemas de Comportamento e Escala da Competência Académica1. A versão para professores do SSRS pretende avaliar o comportamento social da criança no contexto da sala de aula (Gresham & Elliot,1990).

No modelo teórico hipotético, que será descrito no capítulo 3, o comportamento social e a validação social também ocupam posições distintas. A

reação à criança, operacionalizada através da aceitação pelos pares, surge como a

variável dependente. A ação da criança, manifesta através das habilidades sociais, dos problemas de comportamento e da competência académica da criança, reflete a qualidade dos processos sociais (habilidades sociais) desenvolvidos pela criança durante o processamento da informação social, e o impacto da aceitação pelos pares no ajustamento comportamental (problemas de comportamento) e académico (competência académica).

1.3.3. Aceitação pelos Pares

A qualidade da relação com pares também poderá ser analisada através da aceitação pelos pares (Leppanem & Hietanen, 2001; Rubin et al., 2011). Apesar de a aceitação pelos pares e a popularidade serem frrequentemente considerados conceitos sinónimos, a investigação revela que, no final da idade escolar e na adolescência, ser aceite pelos pares não é necessariamente o mesmo que ser popular (Gorman, Kim, & Schimmelbusch, 2002). Tal como nas crianças, também nos adolescentes a aceitação pelos pares associa-se positivamente com o ajustamento comportamental e com a competência académica, enquanto que a popularidade pode surgir associada a comportamentos de risco (Cillessen & Mayeux, 2004). Na adolescência “popularity is not viewed as an indicator of liking by peers but rather is seen as a reputational construct involving power and status in the

1

Estas escalas de avaliação foram utilizadas na nossa investigação e, como tal, serão apresentadas em pormenor no Capitulo 5.

group (Lease, Kennedy, & Axelrod, 2002, p. 99). Recorde-se que a presente investigação analisa a aceitação pelos pares no início da idade escolar, podendo portanto considerar-se a aceitação pelos pares e a popularidade como conceitos sinónimos.

Ao estarem integradas num grupo, as crianças conseguem reconhecer não só as características comportamentais mais determinantes para a aceitação pelos pares, como também identificar o estatuto social alcançado por cada criança dentro do grupo (Rubin et al., 2011). As crianças são os informantes mais citados na investigação desenvolvida no âmbito da aceitação ou rejeição pelos pares, e também os mais capazes a identificar, no grupo, quem tem um bom ou mau relacionamento com os pares. Vários autores têm reconhecido este importante papel avaliativo, e desenvolvido estratégias de avaliação que permitem a sua operacionalização, designadamente as técnicas sociométricas (Gest, Sesma, Masten, & Tellegen, 2006).

As técnicas sociométricas foram inicialmente desenvolvidas por Moreno (1934) com o objetivo de avaliar a atração e a repulsão no grupo de pares. Coie, Dodge e Coppotelli (1982), na mesma linha do trabalho desenvolvido por Moreno, criaram o método nominal, uma das medidas do funcionamento social mais citadas na literatura (Rubin et al., 2011). Neste método pede-se às crianças que indiquem um número limitado de colegas que preferem, e não preferem, para brincar ou trabalhar. A partir destas nomeações, as crianças são categorizadas nos estatutos sociométricos, definidos pelo número de nomeações e rejeições que recebem dos pares. Para controlar o efeito do tamanho do grupo/turma, as nomeações são estandardizadas em cada turma. Este método tem mostrado bons índices de validade concorrente e preditiva, com medidas de observação do comportamento social, capacidades sócio-cognitivas e outros critérios externos, como o rendimento escolar (Almeida, 1997; Oberle & Schonert-Reichl, 2013).

As nomeações sociométricas traduzem um juízo acerca da qualidade da relação no grupo de pares, e simultaneamente, permitem conhecer as relações afetivas entre os membros do grupo (Coie, et al.,1982). Acresce ainda que as medidas de avaliação sociométrica “correspondem à perspetiva que as próprias crianças têm das suas relações umas com as outras, sem dependerem de informações fornecidas por adultos ou ainda através de avaliadores externos”

(Almeida, 1997, p. 279). Ao contrário das escalas de competência social preenchidas pelos adultos, as medidas de aceitação pelos pares não fornecem informações diretas acerca do comportamento social da criança (Cavell, 1990; Rubin el al, 2011). Pelo contrário, a aceitação pelos pares reflete o impacto do comportamento social nos pares, através das nomeações por estes realizadas.

Coie e colaboradores (1982) apresentam pela primeira vez aquele que viria a ser reconhecido como o modelo padronizado e bidimensional dos estatutos que definem a aceitação e a rejeição, através de pontuações normalizadas das preferências (“mais gostado”) e das rejeições (“menos gostado”) que cada criança recebe, e usam estes valores para determinar o impacto social (ou visibilidade) e a preferência social (ou popularidade). Posteriormente, este modelo foi ligeiramente modificado e os critérios específicos passam a definir cinco estatutos sociométricos:

popular, rejeitado, negligenciado, controverso e médio (Coie & Dodge, 1983, 1988).

De acordo com a tipologia proposta, as crianças populares recebem muitas nomeações positivas e poucas ou nenhumas negativas. Pelo contrário, as crianças

rejeitadas só ocasionalmente recebem escolhas positivas, mas recebem muitas

escolhas negativas. As crianças controversas podem receber tantas escolhas negativas como positivas, ou seja, podem ser simultaneamente rejeitadas por alguns pares e preferidas por outros. As crianças negligenciadas recebem poucas nomeações, tanto positivas (preferências) como negativas (rejeições). Acresce referir que a padronização dos resultados permite ainda identificar um quinto estatuto sociométrico, o médio, que é usado como referência para a comparação com os grupos extremos, estimando-se neste caso as suas características como intermédias (Coie, et al., 1982).