• Nenhum resultado encontrado

ANTECEDENTES E PROCESSOS IMPLICADOS NO PROCESSAMENTO DA INFORMAÇÃO SOCIAL CONTRIBUTOS PARA UM MODELO INTEGRADO DOS

3.2. Processos implicados no processamento da informação social

3.2.1. Processos cognitivos

A cognição pode ser compreendida como um conjunto de funções mentais que envolvem a aquisição, o armazenamento, a retenção e o uso do conhecimento. Esses processos incluem, entre outros, a atenção, a perceção, a memória e a linguagem. Através destes processos, a criança será capaz de compreender os outros, operacionalizando assim a componente cognitiva da empatia (Del Prette; & Del Prette (2005a; Geer, et al., 2000), e interagir de forma adequada com os seus pares. As suas competências cognitivas permitir-lhe-ão codificar e interpretar os estímulos sociais, planear ações, realizar julgamentos, tomar decisões e apresentar uma resposta (Coltheart, 2004).

Apresenta-se de seguida uma breve descrição de cada uma das componentes dos processos cognitivos envolvidos no processamento da informação social: atenção, memória, perceção e linguagem.

Atenção

Em primeiro lugar, é importante clarificar e delimitar os conceitos de atenção e concentração. Dosil (2004, p. 178) apresenta a atenção como uma "forma de interação com o meio, na qual o sujeito estabelece contacto com os estímulos relevantes para a situação do presente momento" e a concentração como a "manutenção das condições atencionais ao longo de um determinado período de tempo".

Como se sabe, na maior parte das ocasiões o ser humano não é capaz de realizar mais do que uma tarefa de cada vez (Magill, 1984). Esta incapacidade está diretamente ligada aos mecanismos de atenção como capacidade limitada de processar a informação num determinado momento (Abernethy, 1993; Summers & Ford, 1995). Para obviar esta situação e atenuar os seus efeitos, protegendo o sujeito de uma sobrecarga de estimulação, ocorre uma seleção da informação a processar, que leva o sujeito a dirigir os seus esforços mentais no sentido de identificar e selecionar a informação mais pertinente para a tarefa em execução (Samulski, 1995). É esta incapacidade de dirigir e manter a atenção em mais do que

um estímulo, que dá origem e suporte teórico à capacidade limitada do ser humano para processar informação.

A atenção é o processo que nos "leva a dirigir e manter a consciência nos estímulos percebidos" (Viana & Cruz, 1996) vindos do meio com o qual interagimos e/ou do nosso organismo. Este mecanismo é igualmente crucial na determinação da informação que deve ou não ser retida na memória, afetando deste modo a quantidade e a extensão a ser armazenada para posterior utilização. O processo de armazenamento da informação na memória é um dos aspetos mais importantes do processamento de informação humana, uma vez que este sistema depende da interação da informação nova, que é apresentada ao sujeito, com a informação retida anteriormente (Godinho, Mendes, & Barreiros 1999).

Em termos desenvolvimentais, a capacidade para controlar a atenção evolui desde muito cedo, sendo fundamental para a regulação emocional (Eisenberg, et al., 1998) e para uma codificação adequada dos estímulos sociais a que a criança é exposta.

Memória

Tal como a atenção, a memória pode ser dividida em processos separados: codificação, armazenamento e recuperação. A codificação, em termo de aquisição e consolidação, envolve o arquivo de uma pista na memória. O armazenamento consiste na manutenção dessa pista na memória ao longo do tempo, enquanto que a recuperação consiste no processo de reativação de uma memória arquivada para uso no momento atual (Baddeley, 2000).

A memória não envolve apenas a capacidade de recordação (Magill, 1984) ou o espaço físico onde se guarda a informação (Eysenck & Keane, 1994). Os processos de memória vão muito além da capacidade de fixar e reproduzir acontecimentos (Oliveira, 1992). A memória é uma faculdade que os seres humanos possuem para separar e organizar as informações dos estímulos recebidos (Godinho et al., 1999), permitindo evocar e reconhecer as experiências passadas e confrontá-las com as experiências mais recentes. Esta comparação de informações assegura a dinâmica das relações sociais e a formação das perceções acerca dos outros. De acordo com Gobbi (1991, p. 627), a memória pode ser definida como "um

sistema de ação no qual as informações são conservadas e utilizadas em momento oportuno", sendo por isso um sistema de armazenamento e de recuperação de informação baseado em etapas diferenciadas (Amido & Godinho, 1997).

Apesar de serem abordadas em separado, a atenção e a memória estão relacionadas (Diamond, 2002). A atenção seletiva facilita o processamento eficiente de nova informação nas várias fases do processamento da informação. Em simultâneo, a memória de trabalho pode ser diferenciada com base no tipo de informação que é mantido neste sistema. As interações entre os sistemas incluem o papel da atenção como sistema de alerta que determina quais os estímulos que ocupam o espaço limitado que carateriza a memória de trabalho. Para além disso, os mesmos processos atencionais que facilitam a identificação sensorial precoce de nova informação estão, aparentemente, ao serviço da manutenção da informação no interior da memória de trabalho (Awh, Vogel, & Oh, 2006).

Em síntese, do ponto de vista processual, a memória é um "conjunto de processos de codificação, retenção e recuperação da informação" (Albuquerque, 2001, p.18). O processo de codificação deriva de uma seleção da informação sensorial, que será retida consoante as suas características e significado, sendo posteriormente utilizada através do processo de recuperação. Assim, o ser humano pode processar a informação, quer a partir da presença do estímulo, quer a partir da memória que dele possui, tal como uma biblioteca (Pinto, 1992) ou um computador (Eysenck & Keane, 1994), onde estão guardadas todas as informações e vivências pessoais que irão condicionar as relações sociais.

Perceção

A perceção pode ser definida pela "entrada na consciência de uma impressão sensorial" (Greco, 2002, p. 56), através da qual o sujeito forma uma imagem de si próprio e do ambiente que o rodeia. Desta forma, ao filtrar e analisar as informações estamos a criar uma imagem do mundo para que nos possamos adaptar a ele. De acordo com Eysenck e Keane (1994), este processo de transformação da realidade factual (objetiva) em realidade pessoal (subjetiva), envolve uma mobilização e operacionalização dos mecanismos cerebrais centrais.

Os processos percetivos, que se estabelecem na interação do sujeito com o meio envolvente, diferenciam-se conforme a tarefa a realizar. O sujeito acredita em e

aceita o que as suas impressões sensoriais recebem. Porém, a sua perceção poderá ser influenciada pelas suas experiências e vivências anteriores. Segundo Greco (2002), nem sempre a perceção do sujeito (interpretação subjetiva) corresponde à realidade objetiva, mesmo quando o indivíduo pensa que é assim. Este facto pode ser justificado pela ação do sistema da memória, nomeadamente no processo de codificação e armazenamento distorcido das informações obtidas (Paéz & Marques, 2000).

No entanto, é fundamental não confundir a perceção com a atenção ou com a memória. A perceção, segundo Magill (1984), é a capacidade de conhecimento e interpretação dos estímulos sensoriais que entram no sistema de processamento da informação. Para tal, é necessário recorrer aos mecanismos da atenção de modo a que o sujeito tome consciência dos estímulos que o envolvem (Viana & Cruz, 1996), e que os reconheça e/ou compare com as informações contidas na memória (Greco, 2002). Só assim poderá processar a informação, tomar decisões e fazer a escolha que considera mais adequada à situação e às suas convicções pessoais. A tomada de decisão final e a interpretação da informação depende da estrutura cognitiva do sujeito e dos indicadores contextuais. Desta forma, a perceção resulta da interação entre o sujeito (informações sobre si próprio) e o meio envolvente (forma como as informações sobre o que se passa à sua volta são percebidas). Por exemplo, a perceção de medo face a um determinado estímulo, resulta das características desse estímulo e do quanto o indivíduo se sente capaz de lidar com ele (Greco, 2002). De realçar que as características do estímulo e as competências do indivíduo integram o processamento da informação através da linguagem. A linguagem permite ao indivíduo transformar a experiência social num significado que será processado e que o conduzirá a um determinado comportamento. As competências cognitivas, emocionais e sociais do indivíduo que irão determinar o seu processamento da informação social, manifestam-se através da linguagem. Recorrendo ao diálogo interno6, o indivíduo torna-se capaz de manter a atenção no estímulo social, ativar na memória o conhecimento emocional que potenciará uma boa interpretação, manter o autocontrolo necessário para selecionar a resposta mais ajustada ao contexto e comunicá-la aos seus interlocutores. A linguagem surge assim como um veículo de organização e de comunicação do pensamento e da

6

ação do indivíduo, determinante no processamento da informação social (Sternberg & Grigorenko, 2006; Vygotsky, 1962).

Linguagem

Para Vygotsky (1962), a linguagem age decisivamente na estrutura do pensamento. É a ferramenta básica para a construção dos conhecimentos, por ser a principal mediadora entre o sujeito e o objeto do conhecimento. Na análise que Vygotsky faz das relações entre pensamento e linguagem, o significado das palavras ocupa um lugar central, porque é no significado da palavra que o pensamento e a fala se unem em pensamento verbal (ou diálogo interno), permitindo as duas funções básicas da linguagem: o intercâmbio social (tem por objetivo a comunicação) e o pensamento generalizante (instrumento do pensamento que permite ao sujeito organizar o seu pensamento e a sua ação).

São os significados que integram a mediação simbólica entre o indivíduo e o mundo real, permitindo realizar a leitura através da qual o indivíduo se torna capaz de compreender o mundo e de agir sobre ele (Vygotsky, 1962). No processamento da informação social é visível uma articulação permanente entre pensamento e linguagem. Tendo como base as suas representações mentais, a criança interpreta os estímulos sociais (verbais e não verbais), ou seja, atribui-lhes um significado que partilha com os outros através da linguagem verbal e/ou não verbal.

A linguagem é definida como um sistema arbitrário de símbolos que serve para expressar ideias e sentimentos e mediar o comportamento (Luque & Vila, 2004). No seio das interações sociais a linguagem permite a partilha de informação entre as pessoas, mas também a projeção das próprias pessoas através da representação e comunicação dos seus significados intrínsecos. A interação social e a comunicação entre os indivíduos são as consequências mais evidentes da linguagem. Nesse sentido, a linguagem contribui para o desenvolvimento cognitivo e socio-emocional da criança, podendo ser estudada sob pontos de vista distintos (Fitch, 2007; Schirmer, Fontoura, & Nunes, 2004).

A relação entre desenvolvimento da linguagem e desenvolvimento emocional pode ser analisada nos dois sentidos. Alguns autores consideram que a linguagem tem um impacto significativo na emoção. As interações verbais, que desde cedo

acontecem entre cuidador e criança influenciam o desenvolvimento emocional. As interações verbais que referenciam e explicam as emoções parecem influenciar positivamente a regulação e o conhecimento emocional da criança (Fivush, 2007; Laible, 2004; Laible & Song, 2006; Sales & Fivush, 2005). Contudo, outros estudos revelam o impacto da emoção no desenvolvimento da linguagem, já que a linguagem se desenvolve em contexto social, quando a criança partilha as suas ideias e as suas emoções na interação com os outros. Parafraseando Bloom, “the core of development that bring an infant to the threshold of language in the second year of life is the convergence of emotion, cognition and social connectedness to other persons” (Bloom, 1993, p.102).

Ao analisar a literatura, pode-se concluir que existe uma relação bidirecional entre a linguagem e a emoção, que se vai refletindo no desenvolvimento social da criança. As crianças em idade escolar que apresentam uma melhor competência social, que se envolvem em mais relações com os seus pares e que são mais aceites por estes (Smith, 2001), têm mais oportunidades de se envolver em interações verbais e desenvolver o seu potencial linguístico, porque a linguagem, particularmente o vocabulário, é definido pela própria experiência social (Beck, Kumschick, Eid, & Klann-Delius, 2012).

A capacidade para conversar utilizando um vocabulário com conotação emocional, surge logo após a aprendizagem das primeiras palavas. As crianças de idade pré-escolar socialmente competentes são capazes de animar as suas conversações com expressões emocionais (Garner & Lemerise, 2007) e vão progressivamente desenvolvendo a capacidade de regular a sua expressão emocional através do uso da linguagem.

Na idade escolar, a criança é capaz de avaliar o contexto e decidir quando, de que forma, junto de quem e porquê, comunica as suas emoções. Uma regulação emocional adequada implica que a criança seja expressiva e que ajuste a sua expressão emocional aos contextos sociais. O sucesso deste ajustamento requer que a criança utilize a linguagem de uma forma encoberta, recorrendo ao diálogo interno sobretudo nas tarefas que são mais complexas e menos familiares. É a utilização da linguagem como um instrumento do pensamento que irá permitir à criança planear e monitorizar a sua ação ao longo da resolução de problemas. O

diálogo interno permite à criança analisar a sua experiência e adequar o seu comportamento ao contexto, potenciando assim a eficácia da regulação emocional (Cole, Amstrong, & Pemberton, 2010). De realçar que, quanto mais amplo o léxico e mais complexa a gramática, mais este diálogo interno se constituirá como um guião eficaz para a criança entender e se ajustar à realidade envolvente (Monopoli & Kingston, 2012).

Desenvolvimento dos processos cognitivos

À medida que a criança se desenvolve aumentam as suas experiências sociais e altera-se qualitativa e quantitativamente o seu conhecimento social, nomeadamente o conhecimento dos resultados sociais, dos objetivos sociais, da intenção dos outros, das causas de determinados acontecimentos sociais e da adequação social dos comportamentos (Dodge & Crick, 1994). Estas mudanças desenvolvimentais resultam do aumento de estímulos sociais processados e do processo de socialização. A criança adquire um maior conhecimento sobre as crenças dos adultos acerca da adequação social dos comportamentos, da punição dos comportamentos inadequados e das verbalizações face a determinados comportamentos. A capacidade para recordar acontecimentos passados envolve um sistema responsável pelo armazenamento da informação, a memória, que funciona como um arquivo mental que pode ser utilizado como suporte às atividades que requerem processamento da informação (Perner, 2000).

Uma outra competência cognitiva que sofre alterações significativas ao longo do desenvolvimento é a atenção. Os estudos mostram que, à medida que vão crescendo, as crianças atendem a aspetos específicos dos estímulos sociais e são cada vez mais competentes na seleção da informação relevante desses estímulos (Gibson & Spelke, 1983). Estes ganhos desenvolvimentais ao nível da atenção permitem que o processamento da informação social ocorra de uma forma mais precisa, eficiente e complexa. Como já foi referido, a atenção e a memória são processos interrelacionados (Diamond, 2006). Enquanto que a atenção seletiva facilita o processamento eficiente da nova informação em vários estádios do processamento, a memória de trabalho possibilita a implementação de estratégias mais intencionais com vista ao manejo do comportamento e das emoções.

À medida que vão crescendo, as crianças desenvolvem formas mais eficientes e competentes de representar, organizar e interpretar a informação e o conhecimento social (Crick & Dodge, 1994). Lopes e colaboradores (2006) referem que a correlação entre os padrões de processamento e o comportamento competente aumenta com a idade da criança, sendo esperado que o comportamento social, em geral, se torne mais estável, coerente e previsível com o avanço da idade e com a maior experiência num contexto em particular (Hartup, 1983). À medida que a idade vai avançando e se operam avanços cognitivos, a criança vai-se tornando capaz de antecipar cenários negativos, de os evitar e concretizar cenários alternativos que planifica e avalia como mais agradáveis, potenciando assim a escolha de respostas mais adequadas e promotoras do seu ajustamento social.

As mudanças desenvolvimentais da perceção serão definidas pela(s): (1) maturação neuronal, anatómica e sensorial, (2) mudanças na atenção, (3) alterações na motivação ou no envolvimento na tarefa, (4) aprendizagem e experiência e (5) combinação e interação de todos os fatores anteriores (Bornstein, Arterberry, Mash, 2011). Assim, antecipam-se mudanças muito significativas no domínio percetivo na idade escolar, uma vez que nesta fase ampliam-se significativamente as tarefas em que a criança se envolve, e diversifica-se de forma acentuada o interesse e a motivação por cada uma destas tarefas.

Ao longo do seu percurso desenvolvimental, a criança vai-se apropriando dos significados expressos pela linguagem (compreensão) e passa a aplicá-los nas suas interações verbais (expressão) e na forma como representa as experiências que vive. Ao longo de seu desenvolvimento, através de interações verbais com crianças mais velhas e adultos, a criança passa a ajustar os seus significados de modo a aproximá-los dos conceitos predominantes no grupo cultural e linguístico em que se insere.

Nos primeiros anos de vida, um dos marcos desenvolvimentais mais importantes é o aparecimento da linguagem que suporta e promove o pensamento. Durante o primeiro mês de vida, os bebés manifestam de forma clara o seu descontentamento através do choro e sossegam com a voz humana ou quando são pegados ao colo. Progressivamente, os bebés respondem mais às pessoas – sorrindo, vocalizando, fixando o olhar (MacWhinney, 2011) - ampliando e enriquecendo a comunicação que vão estabelecendo com o ambiente. Aos 36 meses a maioria das crianças já domina a língua materna, sendo capaz de se

envolver em conversas com interlocutores adultos e de se fazer compreender. Esta conquista é ainda mais surpreendente se considerarmos que as crianças desenvolvem a linguagem e aprendem uma língua sem qualquer tipo de instrução formal (MacWhinney, 2011). No período escolar, a linguagem e da língua enquanto código, constituem-se como principal meio para ensinar e aprender, além de a aprendizagem acontecer como uma atividade social, mediada também pela comunicação. O papel da linguagem oral na sala de aula não se limita a constituir a base para o desenvolvimento da leitura e da escrita, condicionando o acesso a todo o currículo e o desenvolvimento global da criança. É esperado que uma criança que inicia o 1º ciclo do ensino básico seja capaz de compreender a muita informação que recebe, de se expressar com clareza, de partilhar os seus sentimentos e as suas necessidades. Este nível de proficiência verbal é crítica para o desenvolvimento cognitivo, social e emocional da criança (Gotze & Goose, 2007).