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Antecedentes e Processos implicados no processamento da informação social

ANTECEDENTES E PROCESSOS IMPLICADOS NO PROCESSAMENTO DA INFORMAÇÃO SOCIAL CONTRIBUTOS PARA UM MODELO INTEGRADO DOS

3.1. Antecedentes do processamento da informação social

3.1.4. Antecedentes e Processos implicados no processamento da informação social

Na revisão da literatura realizada constatou-se que os antecedentes do processamento da informação social estabelecem associações com a aceitação pelos pares, não só diretas, mas também indiretas, uma vez que se associam de forma significativa com os diferentes processos cognitivos, emocionais e sociais envolvidos no processamento da informação social. Será apresentada em primeiro lugar a associação destes processos com o temperamento da criança e em segundo lugar com a meta-emoção parental.

Começamos então por analisar um conjunto de estudos que evidenciam o impacto do temperamento no funcionamento cognitivo, emocional e social das crianças.

Um estudo desenvolvido junto de bebés que nasceram numa condição de fragilidade e que aos três meses apresentavam valores elevados na afetividade

negativa, revelou que aos seis meses estes bebés apresentavam pior desempenho

cognitivo do que os restantes bebés, nascidos com as mesmas condições, mas com valores mais baixos na afetividade negativa (vanBakel & Riksen-Walraven, 2004). Os valores na dimensão temperamental da afetividade negativa, nomeadamente no medo, estão associados com o desenvolvimento cognitivo da criança, no primeiro ano de vida sendo que as crianças com melhor desempenho cognitivo apresentam uma afetividade negativa mais baixa (Rieser-Danner, 2003). Outros estudos apontam na mesma direção, ou seja, valores elevados na dimensão da extroversão foram preditores de um melhor desempenho da memória operativa e do controlo inibitório das crianças em idade pré-escolar (Wolfe & Bell, 2004). Por sua vez, a dimensão controlo pelo esforço foi o melhor preditor dos mecanismos atencionais das crianças de idade pré-escolar em condição de pobreza (Chang & Burns, 2005).

Os recursos cognitivos das crianças com níveis de reatividade elevados são mobilizados em grande parte para a autorregulação, ficando menos disponíveis para erem utilizados em situações de aprendizagem (Bloom, 1993). Crianças de 4 anos

de idade com valores elevados afetividade negativa apresentam um desempenho pior na linguagem expressiva e recetiva do que as crianças com valores mais baixos nesta dimensão temperamental (Spere, Schnidt, Theall-Honney, & Martin-Chang, 2004).

As predisposições temperamentais assumem um papel predominante nos processos emocionais do indivíduo (Raver, Blackburn, Bancroft, & Trop, 1999). A dimensão medo da afetividade negativa avaliada, aos 22, 33 e 45 meses de idade numa situação não-familiar e stressante para a criança, foi preditora da expressão do sentimento de culpa aos cinco de idade (Kochanska, Gross, Lin, & Nichols, 2002). Na fase pré-escolar as crianças que apresentam um nível elevado de afetividade negativa produzem respostas emocionais exacerbadas face à perceção de um erro numa situação de resolução de problemas (Correia & Linhares, 2013). A afetividade negativa interfere de forma significativa com o desenvolvimento efetivo da regulação emocional (Kochanska & Coy, Murray, 2001).

As crianças que apresentam índices elevados de afetividade negativa numa situação de conflito, terão mais dificuldade em regular a raiva do que as crianças que apresentam níveis mais baixos de reatividade negativa (Polak-Toste & Gunnar, 2006). Um outro estudo recente desenvolvido por Stifter, Cipriano e Dollar (2011) revela que as crianças com níveis baixos de extroversão experienciam emoções negativas intensas quando se confrontam com obstáculos, por isso, a capacidade para regular emoções é especialmente importante para as crianças que apresentam baixos índices de extroversão e elevados índices de afetividade negativa. Cada um destes grupos - crianças com elevados níveis de afetividade negativa e crianças com baixos níveis de extroversão - poderá apresentar problemas ao nível do ajustamento social, mas por razões diferentes. O primeiro grupo por manifestar emoções negativas através de comportamentos agressivos e os segundos por manifestarem sinais de vergonha ou evitamento (Dollar & Stitfer, 2012). A regulação emocional poderá moderar o impacto destas características temperamentais no reportório comportamental das crianças (Kochanska & Coy, 2002).

Ao longo da idade pré-escolar o esforço da criança para controlar a reatividade temperamental desenvolve-se rapidamente, fornecendo a base para o desenvolvimento da autorregulação (Spinrad et al., 2007). O controlo pelo esforço está envolvido no controlo voluntário de pensamentos e sentimentos, na resolução de conflitos, na correção de erros e no planeamento de novas ações (Eisenberg,

Fabes, Nyman, Bernzweig, & Pinuelas, 1994), possibilitando à criança uma gestão adequada das emoções nas interações em que se envolve.

A investigação desenvolvida mostra que as predisposições temperamentais da criança constituem alicerces fundamentais dos processos sociais (Dollar & Stifter, 2012). As crianças que apresentam níveis de extroversão baixos, revelam elevados níveis de timidez na interação com o grupo de pares e baixos níveis de competência social, e tendem a apresentar problemas internalizados (Gunnar et al, 2003). No entanto, existem crianças tímidas que são socialmente competentes e que nunca desenvolveram qualquer problema internalizado (Stifter, Putnam, & Jahromi, 2008). Outros estudos revelam que, quanto menores os níveis de timidez maior a atividade física e relacional e o comportamento pró-social das crianças (Russel, Hart, Robinson, & Olsen, 2003).

Segundo Sanson e colaboradores (2004), os aspetos positivos do temperamento, como a baixa reatividade e a alta autorregulação, tendem a ser associados a indicadores comportamentais de competência social. Pelo contrário, as crianças identificadas como possuindo um temperamento difícil apresentam tipicamente humor negativo, são inibidas, não-adaptáveis, muito intensas e arrítmicas e revelam poucas habilidades sociais (Sanson, et. al., 2004). As habilidades envolvidas no controlo pelo esforço têm um papel importante evidente na adaptação emergente e na competência social das crianças (Eisenberg, et al., 1994).

Passaremos de seguida a analisar a investigação sobre o impacto da meta- emoção parental no funcionamento cognitivo, emocional e social das crianças. A literatura existente salienta o papel fundamental da família, primordialmente dos pais, enquanto agentes de socialização das emoções, enfatizando o seu impacto no desenvolvimento psicológico da criança. Desde cedo que as interações que se estabelecem no contexto familiar surgem como o contexto privilegiado para a identificação e compreensão das emoções, aprendizagem da expressão e implementação de estratégias de regulação emocional (Palmeira, et al., 2011). No domínio da socialização das emoções destaca-mos o conceito da meta-emoção

parental, determinante para o estudo da relação entre a dimensão emocional da

díade pais-filhos e o desenvolvimento dos processos cognitivos, emocionais e sociais da criança (Cruz, 2013).

As práticas parentais de socialização das emoções, especialmente a filosofia da meta-emoção dos pais, os seus esquemas emocionais, as reações à expressão emocional da criança e à expressividade emocional da família parecem desempenhar um papel de especial relevância na determinação do ajustamento e desenvolvimento de competências cognitivas, emocionais e sociais da criança (Palmeira, et al., 2011). Os pais apresentam-se como personagens fundamentais, uma vez que, através de forma como validam e encorajam a criança a nomear e a diferenciar as suas experiências emocionais contribuem para um maior conhecimento emocional. Tal como refere Palmeira e colaboradores (2011), o modo como os pais propiciam o desenvolvimento de mecanismos progressivamente mais sofisticados de regulação emocional contribui para o bem-estar psicológico e para a adoção de comportamentos pro-sociais (Palmeira, et al., 2011). Estudos revelam que as crianças que provêm de contextos familiares onde predomina uma expressividade positiva, associada a práticas parentais apoiantes e a uma meta- emoção orientada, expressam mais expressões emocionais positivas e são mais populares junto dos pares (Eisenberg, Losoya, Fabes, Guthrie, Reiser, & Murphy, 2001; Eisenberg, Valient, Morris, Fabes, Cumberland, & et al., 2003). Assim, a compreensão desta associação promoverá um maior conhecimento sobre o desenvolvimento das competências cognitivas, emocionais e sociais (Eisenberg, Cumberland, & Spinard, 1998).

Os pais que nas interações com os filhos apresentam predominantemente uma meta-emoção orientada, através das reações de encorajamento expressivo e das reações centradas no problema, ajudam os seus filhos a nomear verbalmente as próprias emoções, incentivam a sua participação na resolução de problemas, na definição de limites e na discussão de objetivos e permitem-lhes desenvolver estratégias para lidar com as situações que desencadearam as emoções negativas, potenciando vários processos cognitivos (Gottman et al., 1996). A criança aprende a desenvolver vários pontos de vista, a explicar os seus sentimentos e ações e a usar uma linguagem emocional variada (Harris, DeRosnay, & Pons, 2005). Explica-se assim porque é que nas famílias em que há um ambiente rico de estimulação cognitiva e simultaneamente rico de afeto, manifesto através de uma meta-emoção parental orientadora, as crianças obtenham níveis mais elevados de desenvolvimento cognitivo.

Os pais também podem ter um papel fundamental na gestão da experiência emocional da criança (Malatesta-Magai, 1991) pela forma como encorajam as crianças a nomear e a discutir as suas emoções e como as auxiliam a desenvolver mecanismos cada vez mais sofisticados de regulação das emoções. Ao agirem com as crianças de modo a validar as suas emoções, os pais validam também o seu sentido de competência emocional (Tomkins, 1963). Um estudo desenvolvido por Peerlman, Camras e Pelphrey (2008) revela uma relação entre a socialização parental das emoções e o conhecimento emocional apresentado pelas crianças. Os filhos que são encorajados pelos pais a expressar as suas emoções revelam um maior conhecimento acerca das situações emocionais. Por outro lado, as reações parentais desligadas face às expressões emocionais negativas das crianças estão negativamente correlacionados com o conhecimento e a expressão emocional dos filhos (Denhan & Kochanoff, 2002; Peerlman, et al., 2008). As crianças cujos pais reagem negativamente às suas emoções negativas apresentam níveis baixos de conhecimento emocional (Denhan, Mitchell-Copeland, Stranbreg, Auerbach, & Blair, 1997) e de regulação da raiva (Fabes, Leonard, Kupanoff, & Martin, 2001). As respostas parentais negativas intensificam a ativação emocional da criança em contextos que evoquem emoções e, por consequência, aumentam a probabilidade desta experimentar um comportamento desadequado e desregulado (Palmeira, et al., 2011). O discurso familiar acerca das emoções contribuirá para o conhecimento e a regulação emocional da criança (Harris et al., 2005).

A meta-emoção parental surge fortemente associada aos processos sociais envolvidos no processamento da informação social. As crianças provenientes famílias que apresentam uma maior responsividade parental expressam mais emoções positivas, apresentam uma maior propensão para interpretar corretamente a expressão emocional dos outros e apresentam índices mais elevados de comportamento pro-social (Parker, 2006). As crianças cujos pais apresentam uma meta-emoção parental mais orientada são mais adaptadas socialmente, apresentam uma boa competência social e têm melhores relações com os pares do que as crianças cujos pais apresentam uma meta-emoção desligada (Denhan, et al.,1997).