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6 ESCOLARIZAÇÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E

6.2 PERSPECTIVAS DAS FAMÍLIAS QUANTO À “TERMINALIDADE

6.2.1 Aceitação da “terminalidade específica”

Alguns familiares, mais precisamente oito, ou 1/3 do total, manifestaram aceitar a possibilidade de seus filhos receberem a “terminalidade específica”. Desses, seis filhos cursavam as séries iniciais do ensino fundamental, com idade variando entre nove e dezesseis anos e dois cursavam quinta e sexta séries e já estavam em idade adulta. Considerando a idade cronológica estimada para o aluno cursar cada série, no sistema seriado de ensino, apenas dois (P2 e P7) não apresentou considerável defasagem na relação idade e série. Já os outros seis casos a variação desse atraso ficou entre cinco e onze anos. Por exemplo, o filho de P4, com 23 anos, estava matriculado na 6ª série e o relato de sua mãe demonstra insatisfação com essa defasagem.

Gostaria que recebesse, porque se ele não conseguir... vai estudando, estudando e não conseguir... é uma ótima, é uma opção... Para concluir, não é? Senão vai estudando toda vida e não sai, é uma ótima sim. Pelo menos tem uma saída, é uma etapa. O certificado de conclusão que todo mundo recebe fica mais difícil, porque ele tem problema na aprendizagem. Ele (o certificado de conclusão) é mais para os normais (P4).

Sim. Porque talvez ele não vai aprender como os outros, talvez ele vai ficar com dificuldade em alguma matéria, porque a deficiência dele... Talvez ele vai fazer uma faculdade e não consegue e talvez ele já tem outro curso para o mercado de trabalho, aprender outras coisas (P2).

Mesmo esses familiares afirmando querer para os filhos a “terminalidade específica”, foi possível perceber, na sua fala, ambigüidade em relação ao que desejavam. Se, por um lado, queriam que os filhos prosseguissem como os outros alunos, por outro almejavam uma solução mais imediata, mesmo que fosse paliativa. Estes relatos parecem demonstrar, ainda, o receio dos familiares em relação a que o processo de escolarização do filho se tornasse muito prolongado nesse nível de ensino e também a incerteza sobre a possibilidade de sucesso dele para obter o mesmo certificado de conclusão recebido pelos outros alunos ao concluírem o ensino fundamental.

Camargo (2004, p. 112), nessa linha de raciocínio, afirma que o receio do fracasso no processo de escolarização pode ser uma concepção construída a partir da representação social que se faz da pessoa com deficiência intelectual na sociedade contemporânea e que os pais, constituídos nessa sociedade, influenciados por essa concepção, consequentemente a assumem em relação aos próprios filhos.

Concordamos com Veltrone (2008) quando afirma que a concepção do fracasso escolar como responsabilidade exclusiva do aluno com deficiência intelectual é mantida e incorporada por ele, seus familiares e professores. Na medida em que, historicamente, ele vêm sendo responsabilizado por seu fracasso escolar, ele mesmo se culpa por isso diante dos objetivos escolares e parece incorporar o fato de entrar na escola já fadado ao fracasso. Segundo essa autora, como consequência dessa leitura, que entendemos ser então uma construção social, pouca mudança ocorre na organização das instituições escolares.

No grupo que aceitou a “terminalidade específica”, a referida certificação, para alguns familiares, representava a possibilidade de encaminhamento futuro para o filho, principalmente para o mercado de trabalho. Isso demonstra a importância das atividades laborais também para essas pessoas e parece reforçar a crença na força de um diploma como garantia de conseguir a inserção no mundo do trabalho, mesmo que esse documento traga consigo a ênfase na diferença de quem o recebe, o que as famílias, ao que indica o relato a seguir, pareceram não perceber.

Porque fica mais fácil, por exemplo, de a escola encaminhá-lo pra uma empresa que está precisando, um encaminhamento da escola fica mais fácil

(P19).

Quanto às possibilidades de encaminhamento, oferecidas pela escola aos alunos que recebessem o certificado de “terminalidade específica”, constatamos que, entre os pais que manifestaram aceitar essa forma de certificação, cinco optaram pela educação profissional e, um, paralelamente, gostaria que o filho também fosse para o mercado de trabalho. Os relatos parecem demonstrar a crença no referido certificado como instrumento que garantiria ocupar direta ou indiretamente, por meio desta modalidade de ensino, uma vaga no mercado de trabalho.

Gostaria que ele fosse para educação profissional, para aprender uma profissão, porque é uma coisa que pode interessar mais para ele. Ele gosta muito de fazer as coisas, de trabalhar. Então acho que seria uma ótima ele ter uma profissão (P4).

Pra ele poder trabalhar, ter o salário dele. Às vezes ele me cobra muita coisa, então, se ele tivesse o dinheiro dele, já maneirava pra mim, então tudo depende da gente pra dar, tem roupa, tem calçado (P19).

Essa opção parece indicar uma necessidade já existente para as famílias de que o filho, ao ocupar uma vaga no mercado de trabalho, adquirisse renda e pudesse contribuir para o

orçamento familiar, o que pode ser reforçado pelo fato de um participante ter optado pelo mercado de trabalho. Ao que parece a “terminalidade específica” foi percebida como um mecanismo que facilitaria tais acessos.

Dois participantes optaram pela educação de jovens e adultos (EJA):

Quero que ele vá para a educação de jovens e adultos, para ele continuar estudando, porque aqui na escola ele está estudando de manhã e só tem criança e adolescente e ele já tem 23 anos (P2).

Neste relato evidencia-se que, para eles, essa modalidade seria a mais adequada, principalmente em relação à idade do filho, pois, na estrutura escolar atual da escola regular, privilegia-se a série escolar e não outros aspectos, como a idade do aluno ao formar as turmas e isso pode forçá-lo a permanecer em uma classe cuja faixa etária seja totalmente inadequada à sua maturidade física e emocional. Esse desejo também, já poderia existir mesmo antes da “terminalidade específica”, mas ficou claro que esse certificado foi visto como facilitador desse encaminhamento.